Amiga ou inimiga

Condução do processo é a maior causa de questionamento de sentenças arbitrais

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17 de setembro de 2021, 15h52

A forma de condução do processo e de produção da sentença são os principais fatores que motivam a interposição de ação anulatória contra sentenças arbitrais no Judiciário. Por isso, há grande responsabilidade do árbitro para evitar a anulação da sentença.

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Os limites da atuação do Judiciário nas anulatórias foi tema de discussão
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Essa foi uma das conclusões a que chegaram os participantes do painel "Ação Anulatória da sentença arbitral: amiga ou inimiga da arbitragem?", que ocorreu nesta sexta-feira (17/9), último dia do 20º Congresso de Internacional de Arbitragem

Eleonora Coelho, advogada e árbitra, afirmou que o legislador definiu que a sentença arbitral é irrecorrível e tem força de título executivo judicial. Dois grandes pilares levaram a essa escolha: uma política pública de incentivo à arbitragem e a segurança jurídica.

Segundo a advogada, o Legislativo também criou mecanismos de resistência à sentença arbitral, dentro os quais existem os internos (pedido de esclarecimento e pedido de reconsideração) e os externos (ação anulatória e impugnação ao cumprimento de sentença arbitral)

Especificamente quanto à ação anulatória, o artigo 33 da Lei 9.307/96 estabeleceu que "a parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a declaração de nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta Lei". Já o artigo 32 traz as hipóteses de nulidade da sentença arbitral. Para Eleonora Coelho as sete hipóteses previstas são objetivas e taxativas, pois o artigo 33 foi muito claro ao dizer que somente ocorreria nulidade nas hipóteses previstas na lei.

A palestrante destacou precedentes recentes do Superior Tribunal de Justiça que afirmaram que as hipóteses estabelecidas na lei são taxativas. Por outro lado, ela disse que a doutrina se divide quanto ao tema, existindo doutrinadores que aceitam a existência de casos de nulidade não previstos na lei, levando-se em conta necessidade de interpretação do ordenamento jurídico como um todo. Como exemplo, os casos de violação à ordem pública e teratologia.

Outra discussão levantada pela advogada foi quanto à possibilidade de as partes convencionarem sobre hipóteses de anulação (ampliar ou reduzir o rol). Como a lei não é clara a esse respeito, a doutrina majoritária entende que é possível ampliação do rol das hipóteses, mas é raro encontrar defensores do afastamento prévio de casos de anulação, porque o direito de impugnar o procedimento é um direito constitucional das partes.

Coelho concluiu que a ação anulatória não é uma inimiga da arbitragem. Na verdade ela assegura a legitimidade do procedimento. Além disso, as hipóteses do artigo 32, Lei 9.307/96 são garantias fundamentais para as partes e são taxativas, não cabendo revisão pelo judiciário ou pelas partes, pois foi uma escolha política do legislador.

Flávio Yarshell, advogado e professor da Faculdade de Direito da USP, lembrou que a arbitragem no Brasil está em amadurecimento, então é natural que nesse processo um dos instrumentos de checagem da higidez da arbitragem seja seu teste pelo Judiciário.

Para ele, as respostas do Judiciário estão ocorrendo dentro do esperado e não há nenhum desvirtuamento. A resposta que árbitro pode dar para se blindar de ações anulatórias é tomar o maior cuidado possível no processo.

Na visão de Yarshell, o aspecto mais relevante das ações anulatórias é a questão do ônus de alegação. O problema se resume a: se alguém que pode fazer um pedido de esclarecimento deixa de fazê-lo no procedimento arbitral, terá direito de entrar com ação anulatória para discutir o mesmo tema? Para ele, ninguém pode ir ao Judiciário para alegar um vício que poderia ter sido sanado por pedido de esclarecimento durante o trâmite na jurisdição arbitral.

Outra questão dentro do ônus de alegação é sobre a vinculação dos árbitros aos precedentes. Para Flávio Yarshell é imprescindível que a parte provoque o tribunal arbitral quanto ao respeito de precedentes; se a parte não esgotar essa alegação, não fica autorizada a entrar com ação anulatória. Isso não quer dizer que o árbitro não tem o dever de respeitar os precedentes e analisar com cuidado o litígio.

Francisco Loureiro, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor no curso de pós-graduação da FGV, explicou que as ações anulatórias visam a depuração de sentenças arbitrais possivelmente defeituosas.

Segundo o desembargador, o maior problema não são as ações anulatórias em si, mas sim sentenças judiciais que revisem o mérito de sentenças arbitrais. Mas ele acredita que, conforme observou em levantamento que fez em decisões do STJ e no TJ-SP, acórdãos e sentenças que revisam as decisões arbitrais são mínimas.

Diferente do citado por Yarshell, Loureiro pontuou como principal causa das ações anulatórias a violação ao artigo 21 da Lei 9.307/96 (respeito ao contraditório), em especial quando há indeferimento da produção de alguma prova solicitada pelas partes.

Há uma tendência dos Tribunais em entender que o indeferimento de alguma prova não é cerceamento da defesa, pois o árbitro possui livre convencimento; logo, se ele se der por satisfeito com a prova apresentada pode sentenciar.

Porém, Loureiro afirmou que não basta o livre convencimento do árbitro se ficar provado que as provas analisadas por ele não foram suficientes para resolver o litígio, pois nesse caso podem ser violados princípios básicos do Processo Civil, culminando até na nulidade da sentença arbitral.

"O árbitro não pode negar toda e qualquer prova com base no livre convencimento e o juiz ficar impedido de julgar de forma diferente. O juiz tem algum controle, mas isso não quer dizer que o árbitro deve deferir todos os meios de prova solicitados, o problema é negar a produção de uma prova essencial e isso sim viola o artigo 21", concluiu.

Renata Maciel, juíza e professora, sustentou que não se trata de cogitar se a anulatória é inimiga da arbitragem, pois ela é saudável ao sistema. Para sentenças eventualmente nulas é preciso um remédio. A questão para ela é se há abuso no seu manejo.

Na visão da juíza haverá abuso se a intenção da anulatória for rediscutir o mérito da sentença arbitral. "O judiciário como regra está atento para tentativas de rediscutir o mérito e não há dúvida que a ação anulatória não é uma via recursal."

Quanto ao número maior ou menor de anulatórias propostas, isso para ela tem muito a ver com os litigantes. Segundo Maciel, a ação anulatória é um dos vasos comunicantes entre arbitragem e Judiciário. Tornar esses vasos mais ou menos estreitos são escolhas, e cabe a pergunta se as partes não poderiam fazer algumas alegações durante a arbitragem ao invés de deixar para fazê-las em ação anulatória.

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