Opinião

O STJ e o (re)equilíbrio na relação das devedoras em recuperação com o Fisco

Autor

  • Ricardo Amaral Siqueira

    é advogado sócio do RSSA Advogados presidente da comissão de Agronegócio e Relações Agrárias membro da comissão de estudos em Falência e Recuperação Judicial da OAB/Campinas e membro da Insol e do American Bankruptcy Institute.

16 de setembro de 2021, 10h35

Com a desafetação do Tema 987, que suspendia, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, atos de penhoras contra empresas em recuperação judicial, o Fisco, em suas diversas esferas, iniciou uma verdadeira cruzada contra os devedores, seja nos comunicados que ressaltavam a retomada de exigência de certidões negativas, seja na realização indiscriminada de atos de penhora.

O argumento principal utilizado nesses pedidos é de que os instrumentos de renegociação de dívidas fiscais, colocados à disposição a partir da Lei 14.112/2020, que reformou a lei 11.101/2005, seriam suficientes para autorizar o prosseguimento de atos de execução, cabendo ao juízo da recuperação, quando muito, substituir os atos de penhora realizados tão somente quanto a bens de capital, tais como máquinas, equipamentos e imóveis (esquecendo-se do principal — o dinheiro).

No entanto, nas mais recentes decisões os ministros do STJ resgataram, em julgamentos de conflitos de competência, o entendimento aplicado antes da afetação do Tema 987, de que as empresas em recuperação não podem sofrer quaisquer penhoras, sejam elas de bens de capital ou não, oriundas de juízos diversos ao da recuperação judicial.

Motivos para isso não faltam. O primeiro, de ordem fáctica, reside no próprio desestímulo ao uso do instituto pela tímida e parcial solução dada pelo legislador aos débitos tributários: segundo dados do Serasa levantados no mês de julho, os pedidos de recuperação judicial alcançaram o menor índice desde 2014.

A segunda, de ordem legal, se assenta no fato de que ao se permitir a livre execução pelo Fisco estar-se-ia distante de evidente ilegalidade, permitindo furar a fila de recebimento de débitos que gozam de preferência legal.

Um exemplo dessa distorção está no artigo 186 do Código Tributário Nacional, que assevera que o débito tributário prefere a qualquer outro, exceto os de natureza trabalhista e/ou acidentária. Ocorre que os débitos trabalhistas se submetem ao processo de recuperação e, portanto, não podem ser executados antes da aprovação do plano.

Nesse contexto, ao se permitir a execução dos débitos tributários antes do pagamento dos débitos trabalhistas na recuperação, há evidente violação do Código Tributário Nacional.

O mesmo raciocínio pode ser verificado com os créditos dotados de garantia real, que, apesar de gozarem de privilégio frente ao Fisco na falência, podem não ter mais nada a receber em caso de sua ocorrência, fruto da livre execução pelo fisco no processo de recuperação.

A verdade é que, ao se dispensar requisitos burocráticos ou negar penhoras no curso da recuperação, se está, em geral, defendendo o próprio crédito tributário: empresas vivas em geral valem mais do que empresas mortas.

Uma luz no fim do túnel parece estar na possibilidade de substituição de penhoras pelo juízo da recuperação trazida pelo reformado parágrafo 7º-B do artigo 6º da Lei 11.101/2005: a adoção de processos-pilotos de execução fiscal, de um lado, e a substituição de atos de penhora por percentual sustentável do faturamento, de outro, trariam o almejado equilíbrio.

Aludida solução permitiria uma fiscalização constante e gratuita ao Fisco — na medida em que já existe administrador judicial nomeado com esse múnus — e geraria uma obrigação de fazer para a devedora — a de solucionar seu passivo fiscal de forma sustentável —, dispensando, assim, a apresentação de certidões negativas somente caso assumida essa obrigação.

Enquanto as discussões se solidificam, a pressa do Fisco em estabelecer soluções inviáveis resultou em outro revés: a decisão mais recente do STJ dispensou, mesmo após a reforma, a necessidade de apresentação pela devedora de certidões negativas como requisito para concessão da recuperação, porquanto incompatível com o princípio da preservação da empresa (Recurso Especial nº 1885046).

Autores

  • é advogado, sócio do RSSA Advogados, presidente da comissão de Agronegócio e Relações Agrárias, membro da comissão de estudos em Falência e Recuperação Judicial da OAB/Campinas e membro da Insol e do American Bankruptcy Institute.

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