Opinião

A restituição das despesas com garantia nas ações envolvendo o Fisco

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16 de setembro de 2021, 17h06

Quando o Fisco ajuíza uma execução fiscal para cobrança de montantes sob sua alçada, cabe ao contribuinte-executado a apresentação de uma garantia ao juízo — que pode ser uma "fiança-bancária" ou um "seguro-garantia" — enquanto condição sinequa non (indispensável) para admissibilidade de sua peça de defesa, no caso, os embargos à execução fiscal, a teor do artigo 16, §1º, da Lei nº 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais ou LEF) [1]:

"Artigo 16 — O executado oferecerá embargos, no prazo de 30 dias(…):
§1º
 Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução" (grifo do autor).

Ou seja, a empresa-executada deverá, em caso de "seguro-garantia": 1) contratar uma seguradora credenciada pela Susep para apresentação de uma apólice; ou 2) em caso de "fiança-bancária", contratar uma instituição bancária para apresentação de uma carta-fiança. Inevitavelmente, ambos os procedimentos envolvem uma série de despesas com contratação, tarifas, manutenção, ajustes, juros e afins, sendo certo que esses dispêndios são integralmente adiantados pelo contribuinte.

Ocorre que, ao final do processo, nos casos cuja empresa executada obtém êxito — sendo o Fisco condenado à sucumbência e ressarcimento de dispêndios processuais —, normalmente as mencionadas despesas com garantias (seguros ou fianças) não são incluídas no cálculo, de modo que o contribuinte acaba "assumindo o prejuízo" desses montantes, o que contraria por completo a processualística brasileira, norteada, essencialmente, pelo princípio da causalidade. Isso porque, de acordo com o princípio da causalidade, aquele que deu causa à propositura da demanda — isto é, a movimentação da máquina judiciária em razão de litígio— deve responder integralmente pelas despesas daí decorrentes.

Ademais, o artigo 82, §2º, do Código de Processo Civil (CPC) [2], consagrando o supracitado princípio da causalidade, por sua vez, determina que "a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou".

Com efeito, não há dúvidas de que todas as despesas processuais devem ser suportadas pelo vencido, qual seja, aquele que deu causa à demanda. No caso dos embargos à execução, a lei confere à autora (empresa-contribuinte) a responsabilidade pelo adiantamento da garantia (despesa processual), bem assim estabelece que a sentença deve condenar o vencido a pagar ao vencedor as despesas que este antecipou.

Assim, o ordenamento jurídico nacional confere o direito ao ressarcimento de todos os prejuízos sofridos, não fazendo distinção entre custas, honorários, perícia e até mesmo a carta de fiança ou seguro-garantia, indispensável para a garantia do juízo, sendo certo que sustentar em sentido oposto seria retirar da parte vencedora a garantia da restituição integral consagrada pelo CPC em atenção ao princípio da causalidade.

Contudo, em que pese aparentemente se tratar de uma simples interpretação literal da norma processual, muitas vezes o magistrado acaba não especificando as despesas envolvidas na condenação, o que abre margem para que o Fisco relute o ônus de ressarcir as despesas processuais incorridas com as garantias, suportadas inicialmente pelo contribuinte, mesmo este último tendo saído como "vencedor" da demanda.

Nesse sentido, vale destacar que diversos tribunais já se posicionaram de maneira convergente a tese ora sustentada. Ademais, a fim de encerrar o debate, cumpre registrar que o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu que, em caso de desfecho favorável à empresa, os prejuízos sofridos com a contratação de garantia devem ser indenizados (ressarcidos), tendo em vista que estes não decorrem de "decisão e estratégia de sua mera conveniência", mas por iniciativa temerária do Fisco-exequente que, sem observância da cautela desejada, optou pela cobrança antecipada do título judicial, indicando como devido um valor que não se mostrava compatível. Vale a reprodução, na íntegra, da ementa desse referido julgado, senão vejamos:

"RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DE SENTENÇA QUE VEM A SER MODIFICADA COM REDUÇÃO EXPRESSIVA DO VALOR EXECUTADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO EXEQUENTE PELOS DANOS SUPORTADOS PELO EXECUTADO. NECESSIDADE DE RESTITUIÇÃO DAS PARTES AO ESTADO ANTERIOR. artigo 475-O, I E II, DO CPC/1973. POSSIBILIDADE, ANTE AS PECULIARIDADES DO CASO, DE QUE O CREDOR REEMBOLSE O DEVEDOR PELAS DESPESAS POR ESTE REALIZADAS COM A CONTRATAÇÃO DE CARTA DE FIANÇA PARA GARANTIA DO JUÍZO. RECURSO PROVIDO.
 Como regra, ante a possibilidade de modificação do título judicial que ampara a execução provisória, ao credor é imposta a responsabilidade objetiva de reparar os eventuais prejuízos causados ao devedor, restituindo-se as partes ao estado anterior. Nessas hipóteses, a apuração dos danos sofridos pelo executado poderá ocorrer nos mesmos autos, mediante liquidação por arbitramento. Inteligência do artigo 475-O, I e II, do CPC/1973.
 No caso, verifica-se que o flagrante excesso de execução, provocado pela cobrança prematura da dívida — da ordem de mais de R$ 21 milhões , foi determinante para a opção que fez a seguradora/executada de contratar uma carta de fiança, como meio de garantia do juízo, a fim de oferecer impugnação. Ademais, diante das circunstâncias, a medida mostrou-se prudente e acertada, pois, a um só tempo, possibilitou à empresa exercer sua defesa, além de lhe assegurar um fluxo de caixa que lhe permitiu arcar com as despesas que são próprias de sua atividade fim, inclusive, no que se refere ao pagamento das indenizações contratadas.
 Diante desse quadro fático, em linha de conclusão oposta ao que decidiu o tribunal de origem, constata-se que os prejuízos sofridos pela devedora com a contratação da garantia não decorreram de decisão e estratégia de sua mera conveniência, mas por iniciativa temerária do exequente que, sem observância da cautela desejada, optou pela cobrança antecipada do título judicial, indicando como devido um valor que não se mostrava compatível com obrigações de igual natureza, justificando-se, portanto, o seu dever de indenizar.
 Recurso especial provido (…)" (grifos do autor) [3].

Em outros dizeres, conclusão diferente não poderia existir. Isso porque, se uma execução fiscal foi indevidamente ajuizada pelo Fisco em face de um suposto devedor (contribuinte) e, posteriormente, concluiu-se pela improcedência da lide, o mínimo que se espera é que o Fisco ressarça a empresa pelos gastos incorridos no curso do processo, para fins de garantia da dívida que, repita-se, é indevida.

E nem há o que se falar na modalidade da garantia apresentada. Todas as modalidades representam ferramentas garantidoras, previstas em lei, que inclusive autorizam a apresentação de defesa por parte do contribuinte sem a exposição às temeridades da constrição de seus ativos e prejuízos à saúde financeira da empresa pelo simples emparelhamento da discussão judicial.

Portanto, é direito dos contribuintes sempre pleitear, seja na fase postulatória dos embargos, seja na fase executória (cumprimento) da sentença favorável, a inclusão dos valores dispendidos com garantias oferecidas, sob os fundamentos firmados, já ratificados pelo Superior Tribunal de Justiça.

Por fim, é importante ressaltar que, em casos de processos já extintos — em que não houve o ressarcimento das despesas com garantia, sustenta-se que nada impede que o contribuinte ajuíze a respectiva ação ordinária própria para reaver tais despesas, desde que observado o prazo prescricional de cada espécie em cobrança, revelando-se, assim, mais um interessante mecanismo de captação de fôlego financeiro às empresas nos conturbados dias atuais.


[1] "Artigo 16  O executado oferecerá embargos, no prazo de 30 (trinta) dias, contados:
(…)
§1º  Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução" (grifo do autor).

[2] "Artigo 82 
(…)
§2º A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou." (grifo do autor).

[3] STJ — REsp 1.576.994/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, julg. em 21/11/17, DJe 29/11/17.

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