Os desafios da audiência virtual na Justiça do Trabalho
16 de setembro de 2021, 8h00
Indubitavelmente, um dos atos mais importantes no Processo do Trabalho é a audiência. É nesse momento, geralmente, que o juiz terá o primeiro contato com as partes.
Recentemente, a ministra presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, após a refutação de diversas entidades — entre elas, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) —, suspendeu o ato CSJT.GP.SG nº 45, que dispensava a transcrição ou degravação dos depoimentos obtidos em audiência com gravação audiovisual [1].
Dito isso, em que pese a audiência telepresencial tenha se tornado uma realidade na Justiça do Trabalho após a pandemia, ainda pairam dúvidas a respeito da fidedignidade das ações praticadas pelos envolvidos nessa solenidade virtual.
O artigo 813 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) [2], ao dispor acerca das formalidades do ato, enfatiza que na Justiça do Trabalho prevalece o princípio da oralidade.
Segundo o professor Élisson Miessa[3], "audiência é o ato pelo qual se ouvem as partes ou os demais integrantes do processo (testemunhas, peritos etc.). No processo do trabalho, a audiência tem grande relevância, uma vez que a maioria dos atos ocorrem nela, como é o caso das conciliações, apresentação da defesa, colheita de depoimentos pessoais, oitiva das testemunhas, apresentação das razões finais e a prolação da sentença".
É certo que o artigo 236, §3º, do Código de Processo Civil (CPC) [4], admite a prática de atos processuais por meio de videoconferência. Da mesma forma, o artigo 334, §7º, do Condex [5] reconhece a possibilidade de audiência de conciliação, por meio eletrônico.
Lado outro, o artigo 385, §3º, do CPC/15 [6] preceitua ser plausível o depoimento pessoal da parte que residir em local diverso de onde tramita o processo, por meio de videoconferência.
Tal procedimento poderá também ser aplicado na oitiva de testemunhas, nos termos do artigo 453, §1º [7], do referido diploma legal.
Observa-se, portanto, que a sistemática do Código de Processo Civil quanto à realização dos atos por videoconferência foi criada, inicialmente, com o intuito de que as partes e outras pessoas envolvidas com o processo pudessem ser ouvidas em local diverso de sua tramitação, mas sempre sob os cuidados do Estado.
Nesse sentido, a Lei nº 13.994, de 24 de abril de 2020, trouxe alterações à lei que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, para viabilizar a conciliação não presencial, mediante o emprego de recursos tecnológicos disponíveis de transmissão de sons e imagens em tempo real.
De outro norte, a Justiça do Trabalho de São Paulo, com base na Resolução nº 345/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) [8], regulamentou a implementação do Juízo 100% Digital, na qual todos os atos passam a ser empreendidos, tão somente, por meio eletrônico e remoto, inclusive as audiências, desde que haja concordância das partes.
É certo que com a pandemia e a necessidade de adoção das restrições sanitárias as audiências na Justiça do Trabalho passaram a ser realizadas de forma telepresencial, todavia em locais em que não há nenhuma supervisão do Poder Judiciário [9].
Frise-se, por oportuno, que a Resolução nº 354/2020 do Conselho Nacional de Justiça, em seu artigo 2º [10], traz a distinção entre a videoconferência, contida no Código de Processo Civil, que é realizada no órgão estatal, e a audiência telepresencial ocorrida em ambiente físico diverso das unidades judiciárias.
Inobstante o processo do trabalho ter por objetivo a celeridade e a efetivamente, principalmente dada a natureza crédito alimentar, é forçoso que não se macule um dos atos processuais mais relevantes, sob a alegação de garantia de continuidade da prestação jurisdicional.
Aliás, a falta de uma uniformização dos procedimentos entre os magistrados e varas do Trabalho traz o sentimento de insegurança jurídica para todos os envolvidos.
Entrementes, um dos maiores problemas enfrentados pelas partes no momento da audiência, como já ocorrida sobretudo na modalidade presencial, é a de aferir a lisura da prova oral produzida.
Sem dúvidas, a audiência telepresencial cada dia mais irá integrar a rotina dos magistrados, advogados, partes e testemunhas, mas, claro, é preciso ter cautela.
Se é verdade que o contato virtual pode favorecer para com a conexão entre as pessoas, impende enfatizar que é no contato presencial que se oportuniza a confiança e a credibilidade.
É cediço que o Processo do Trabalho prima pela conciliação como forma de pacificação dos conflitos. Assim sendo, no casos em que não serão produzidas quaisquer provas orais, a realização da audiência telepresencial poderá certamente surtir efeitos positivos.
Todavia, em se tratando de audiência de instrução, é imprescindível que haja a concordância das partes para a realização do ato, evitando-se, assim, prejuízos para os envolvidos, e, por conseguinte, eventuais nulidades processuais futuras que maculariam o processo como um todo.
Em arremate, é indispensável que exista um equilíbrio entre o meio físico e o meio virtual, afinal, a audiência, na prática, se mostra de suma relevância para o processo, sendo um dos poucos, senão o único, ato em que partes e testemunhas terão contato com o juiz.
[1] Disponível em https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/189591 . Acesso em 13.09.2021.
[2] "Artigo 813 – As audiências dos órgãos da Justiça do Trabalho serão públicas e realizar-se-ão na sede do Juízo ou Tribunal em dias úteis previamente fixados, entre 8 (oito) e 18 (dezoito) horas, não podendo ultrapassar 5 (cinco) horas seguidas, salvo quando houver matéria urgente. §1º – Em casos especiais, poderá ser designado outro local para a realização das audiências, mediante edital afixado na sede do Juízo ou Tribunal, com a antecedência mínima de 24 (vinte e quatro) horas. §2º – Sempre que for necessário, poderão ser convocadas audiências extraordinárias, observado o prazo do parágrafo anterior".
[3] Curso de Direito Processual do Trabalho. Élisson Miessa – 8. ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Editora JusPodivm, 2021. Página 577.
[4] "Artigo 236 – Os atos processuais serão cumpridos por ordem judicial. (…). §3º Admite-se a prática de atos processuais por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real".
[5] "Artigo 334 – Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência. (…). §7º A audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio eletrônico, nos termos da lei".
[6] "Artigo 385 – Cabe à parte requerer o depoimento pessoal da outra parte, a fim de que esta seja interrogada na audiência de instrução e julgamento, sem prejuízo do poder do juiz de ordená-lo de ofício. (…).§3º O depoimento pessoal da parte que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser colhido por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento".
[7] "Artigo 453 – As testemunhas depõem, na audiência de instrução e julgamento, perante o juiz da causa, exceto: (…). §1º A oitiva de testemunha que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão e recepção de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a audiência de instrução e julgamento".
[8] Disponível em https://atos.cnj.jus.br/files/compilado23351420210310604957b2cb035.pdf . Acesso em 13.09.2021.
[9] Disponível em https://ww2.trt2.jus.br/noticias//noticias/noticia/news/trt-da-2-regiao-regulamenta-a-implementacao-do-juizo-100-digital-em-todas-as-suas-unidades-judiciari/?tx_news_pi1%5Bcontroller%5D=News&tx_news_pi1%5Baction%5D=detail&cHash=7fa53b73b9dfead1488d92d5371cb817 . Acesso em 13.09.2021.
[10] "Artigo 2º – Para fins desta Resolução, entende-se por: I – videoconferência: comunicação a distância realizada em ambientes de unidades judiciárias; e
II – telepresenciais: as audiências e sessões realizadas a partir de ambiente físico externo às unidades judiciárias".
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!