Prática trabalhista

Os desafios da audiência virtual na Justiça do Trabalho

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

16 de setembro de 2021, 8h00

Indubitavelmente, um dos atos mais importantes no Processo do Trabalho é a audiência. É nesse momento, geralmente, que o juiz terá o primeiro contato com as partes.

Recentemente, a ministra presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, após a refutação de diversas entidades — entre elas, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) —, suspendeu o ato CSJT.GP.SG nº 45, que dispensava a transcrição ou degravação dos depoimentos obtidos em audiência com gravação audiovisual [1].

Dito isso, em que pese a audiência telepresencial tenha se tornado uma realidade na Justiça do Trabalho após a pandemia, ainda pairam dúvidas a respeito da fidedignidade das ações praticadas pelos envolvidos nessa solenidade virtual.

O artigo 813 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) [2], ao dispor acerca das formalidades do ato, enfatiza que na Justiça do Trabalho prevalece o princípio da oralidade.

Segundo o professor Élisson Miessa[3], "audiência é o ato pelo qual se ouvem as partes ou os demais integrantes do processo (testemunhas, peritos etc.). No processo do trabalho, a audiência tem grande relevância, uma vez que a maioria dos atos ocorrem nela, como é o caso das conciliações, apresentação da defesa, colheita de depoimentos pessoais, oitiva das testemunhas, apresentação das razões finais e a prolação da sentença".

É certo que o artigo 236, §3º, do Código de Processo Civil (CPC) [4], admite a prática de atos processuais por meio de videoconferência. Da mesma forma, o artigo 334, §7º, do Condex [5] reconhece a possibilidade de audiência de conciliação, por meio eletrônico.

Lado outro, o artigo 385, §3º, do CPC/15 [6] preceitua ser plausível o depoimento pessoal da parte que residir em local diverso de onde tramita o processo, por meio de videoconferência.

Tal procedimento poderá também ser aplicado na oitiva de testemunhas, nos termos do artigo 453, §1º [7], do referido diploma legal.

Observa-se, portanto, que a sistemática do Código de Processo Civil quanto à realização dos atos por videoconferência foi criada, inicialmente, com o intuito de que as partes e outras pessoas envolvidas com o processo pudessem ser ouvidas em local diverso de sua tramitação, mas sempre sob os cuidados do Estado.

Nesse sentido, a Lei nº 13.994, de 24 de abril de 2020, trouxe alterações à lei que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, para viabilizar a conciliação não presencial, mediante o emprego de recursos tecnológicos disponíveis de transmissão de sons e imagens em tempo real.

De outro norte, a Justiça do Trabalho de São Paulo, com base na Resolução nº 345/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) [8], regulamentou a implementação do Juízo 100% Digital, na qual todos os atos passam a ser empreendidos, tão somente, por meio eletrônico e remoto, inclusive as audiências, desde que haja concordância das partes.

É certo que com a pandemia e a necessidade de adoção das restrições sanitárias as audiências na Justiça do Trabalho passaram a ser realizadas de forma telepresencial, todavia em locais em que não há nenhuma supervisão do Poder Judiciário [9].

Frise-se, por oportuno, que a Resolução nº 354/2020 do Conselho Nacional de Justiça, em seu artigo 2º [10], traz a distinção entre a videoconferência, contida no Código de Processo Civil, que é realizada no órgão estatal, e a audiência telepresencial ocorrida em ambiente físico diverso das unidades judiciárias.

Inobstante o processo do trabalho ter por objetivo a celeridade e a efetivamente, principalmente dada a natureza crédito alimentar, é forçoso que não se macule um dos atos processuais mais relevantes, sob a alegação de garantia de continuidade da prestação jurisdicional.

Aliás, a falta de uma uniformização dos procedimentos entre os magistrados e varas do Trabalho traz o sentimento de insegurança jurídica para todos os envolvidos.

Entrementes, um dos maiores problemas enfrentados pelas partes no momento da audiência, como já ocorrida sobretudo na modalidade presencial, é a de aferir a lisura da prova oral produzida.

Sem dúvidas, a audiência telepresencial cada dia mais irá integrar a rotina dos magistrados, advogados, partes e testemunhas, mas, claro, é preciso ter cautela.

Se é verdade que o contato virtual pode favorecer para com a conexão entre as pessoas, impende enfatizar que é no contato presencial que se oportuniza a confiança e a credibilidade.

É cediço que o Processo do Trabalho prima pela conciliação como forma de pacificação dos conflitos. Assim sendo, no casos em que não serão produzidas quaisquer provas orais, a realização da audiência telepresencial poderá certamente surtir efeitos positivos.

Todavia, em se tratando de audiência de instrução, é imprescindível que haja a concordância das partes para a realização do ato, evitando-se, assim, prejuízos para os envolvidos, e, por conseguinte, eventuais nulidades processuais futuras que maculariam o processo como um todo.

Em arremate, é indispensável que exista um equilíbrio entre o meio físico e o meio virtual, afinal, a audiência, na prática, se mostra de suma relevância para o processo, sendo um dos poucos, senão o único, ato em que partes e testemunhas terão contato com o juiz.


[1] Disponível em https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/189591 . Acesso em 13.09.2021.

[2] "Artigo 813 – As audiências dos órgãos da Justiça do Trabalho serão públicas e realizar-se-ão na sede do Juízo ou Tribunal em dias úteis previamente fixados, entre 8 (oito) e 18 (dezoito) horas, não podendo ultrapassar 5 (cinco) horas seguidas, salvo quando houver matéria urgente. §1º – Em casos especiais, poderá ser designado outro local para a realização das audiências, mediante edital afixado na sede do Juízo ou Tribunal, com a antecedência mínima de 24 (vinte e quatro) horas. §2º – Sempre que for necessário, poderão ser convocadas audiências extraordinárias, observado o prazo do parágrafo anterior".

[3] Curso de Direito Processual do Trabalho. Élisson Miessa – 8. ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Editora JusPodivm, 2021. Página 577.

[4] "Artigo 236 – Os atos processuais serão cumpridos por ordem judicial. (…). §3º Admite-se a prática de atos processuais por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real".

[5] "Artigo 334 – Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência. (…). §7º A audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio eletrônico, nos termos da lei".

[6] "Artigo 385 – Cabe à parte requerer o depoimento pessoal da outra parte, a fim de que esta seja interrogada na audiência de instrução e julgamento, sem prejuízo do poder do juiz de ordená-lo de ofício. (…).§3º O depoimento pessoal da parte que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser colhido por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento".

[7] "Artigo 453 – As testemunhas depõem, na audiência de instrução e julgamento, perante o juiz da causa, exceto: (…). §1º A oitiva de testemunha que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão e recepção de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a audiência de instrução e julgamento".

[10] "Artigo 2º – Para fins desta Resolução, entende-se por: I – videoconferência: comunicação a distância realizada em ambientes de unidades judiciárias; e
II – telepresenciais: as audiências e sessões realizadas a partir de ambiente físico externo às unidades judiciárias".

Autores

  • Brave

    é mestre em Direito pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador Acadêmico do projeto “Prática Trabalhista” (Revista Consultor Jurídico - ConJur), palestrante e instrutor de eventos corporativos pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe, e membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP).

  • Brave

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô, membro da Comissão Especial de Direito do Trabalho da OAB-SP e pesquisador do Núcleo "Trabalho Além do Direito do Trabalho" da Universidade de São Paulo – NTADT/USP.

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