Opinião

'Pode fazer em grupo, professor?: a nova Lei de Licitações, os consórcios e o Cade

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15 de setembro de 2021, 6h35

A Lei n° 14.133/21 trouxe consigo importantes contribuições para o que se pretende como a consolidação de diferentes normativas sobre o tema de licitações que, até então, estavam espalhadas em nosso ordenamento jurídico (fala-se aqui das Leis 8.666/93, 10.520/02 e 12.462/11, às quais remete o artigo 189 da nova lei).

Algo digno de nota diz respeito ao tratamento liberalizante que a nova legislação trouxe à possibilidade de participação de consórcios em processos licitatórios de acordo com o artigo 15 da nova lei, que dispõe que "salvo vedação devidamente justificada no processo licitatório, pessoa jurídica poderá participar de licitação em consórcio".

A esse viés liberalizante, a lei contrapôs regras de instrução processual que intentaram garantir mais segurança jurídica tanto aos responsáveis pelo processo licitatório quanto àqueles que dele tomarão parte.

Foi o que se pretendeu com a regra que impõe à Administração a elaboração de "motivação circunstanciada das condições do edital (…) e justificativa das regras pertinentes à participação de empresas em consórcio", (artigo 18, IX).

Tais condições de contorno parecem convergir com os ditames a que remetem tanto a Lei de Processo Administrativo quanto a LINDB e, em termos mais práticos, com a jurisprudência firmada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) a respeito do tema [1].

O que poderia, contudo, ser um caminho de maior segurança para as esferas pública e privada que compõem os eixos de uma licitação parece carecer ainda de maior diálogo com outros atores institucionais importantes.

Exemplo dessa necessidade pode ser observado na atuação da Superintendência Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (SG-Cade) em processo que discute justamente a legalidade, sob a ótica concorrencial, da participação de consórcio em licitação realizada pelos Correios [2].

No referido processo, em que pese manifestação dos próprios Correios a apresentar as razões que justificariam a participação de consórcio no referido leilão, a conclusão a que chegou a SG foi a de que a motivação apresentada, ainda que importante, não seria capaz de atestar o caráter competitivo do edital de licitação.

Partiu-se da premissa de que, a despeito da competência discricionária dos Correios para a autorização à formação do consórcio, essa discricionariedade não seria absoluta e, assim, não afastaria "a possibilidade de a autoridade antitruste analisar a prática pelo enfoque da ponderação de riscos que tal instituto pode trazer à competitividade do certame e aos mercados envolvidos[3].

A se confirmar tal entendimento, os riscos inerentes à formação de consórcios levariam a cenário para as próximas licitações que muito se aproxima da conhecida anedota em que um professor, ao ser questionado por um de seus alunos se determinado trabalho poderia ser feito em grupo, responde: "Pode fazer em dupla. Você e Deus. Quem for ateu faz sozinho".


[1] Acórdão n.º 2831/2012-Plenário, no âmbito do TC-020.118/2012-0, de relatoria da Min. Ana Arraes, disponível em https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A8182A14DB4AFB3014DBB33C9751A31&inline=1.

[3] A conclusão contida na Nota Técnica n° 5 /2021/CGAA4/SGA1/SG/Cade dá conta de que, aliado a práticas individuais tidas como anticompetitivas, "um consórcio que une os três maiores concorrentes nesse mercado – que detêm, juntos, quase a totalidade das infraestruturas de transporte e acesso no país – não atua em benefício da concorrência" (disponível em https://sei.Cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?DZ2uWeaYicbuRZEFhBt-n3BfPLlu9u7akQAh8mpB9yM7KZmFKskiPoT1gOhVquNgeFijl9GP44pqyt0a6sQLfCvrAK0dulxq_gtQrTFocD5DInvtoRwnWaxpCfC-hd2I).

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