Opinião

O que são e como agem os piratas

Autor

  • Letícia Soster Arrosi

    é doutoranda em Direito Comercial pela USP mestre em Direito Privado e especialista em Processo Civil pela UFRGS e advogada atuante em resolução de disputas e pesquisas referentes a consultas e litígios comerciais de Direito Civil Análise Econômica do Direito e Propriedade Intelectual.

15 de setembro de 2021, 9h13

Existindo os bens imateriais oriundos do intelecto, a lei prevê as consequências das violações a esses direitos. A identificação dessas ilicitudes são águas turvas em razão da infinita criatividade humana, que pode ser voltada para a prática comercial desleal, a qual pode ocorrer tanto na esfera dos direitos autorais (Lei nº 9.210/98) quanto na propriedade industrial (Lei nº 9.279/96).

Santos elenca como principais delitos na esfera do Direito Autoral o plágio e a contrafação [1], também chamados popularmente de pirataria. O conceito original da palavra "pirataria" refere-se à atividade exercida pelos piratas, delinquentes os quais abordavam embarcações em alto-mar para saquear riquezas. Nas palavras de Furi-Perry, "pirates are not just on the high seas — they are also part of high fashion" [2]. Hoje pirataria significa falsificação [3]. Segundo Furi-Perry, pirataria é um termo genérico usado para designar as ilicitudes relacionadas aos direitos autorais causadas pela falsificação [4]. Kaway conceitua pirataria como "violação a direitos autorais ou design" [5]. A pirataria comprovadamente causa problemas sociais como o desemprego, a sonegação de impostos e o aumento do crime organizado [6] e é muito presente na indústria da moda, sendo uma das suas principais ilicitudes.

Santos conceitua o plágio como "a imitação servil ou fraudulenta de obra alheia", em que o infrator "apresenta como sua a obra alheia" [7]. Barbosa conceitua imitação servil a cópia de criação a qual ocorre sem qualquer investimento intelectual daquele quem a copia [8]. Há casos de plágio em que a cópia é integral e outros nos quais existe a tentativa de disfarçar a ilicitude. Para caracterizar o plágio é necessário identificar os elementos originais da criação, a fim de que se possa saber qual o patrimônio atacado [9], o moral, o patrimonial ou ambos. No plágio, geralmente os elementos pessoais da imaginação do criador são copiados, razão pela qual fere a esfera dos danos morais do autor da obra.

Carlos Bittar conceitua a contrafação como "a publicação ou reprodução abusivas de obra alheia". Kaway, de forma simples, definiu a contrafação no setor industrial como "toda forma ilegal de reprodução, idêntica ou quase idêntica, de produtos ou sinais protegidos por direitos da propriedade intelectual" [10]. Diferentemente do plágio, em que a ilicitude reside na usurpação da obra. Na contrafação, há o uso, a adaptação, tradução ou modificação de toda ou parte da obra sem o consentimento do autor. Bittar explica que, quando a contrafação é identificada, é comum o Poder Judiciário ordenar que as mercadorias usadas indevidamente sejam apreendidas para a coibição da ilicitude. No que tange a ilicitudes oriundas de descumprimento de qualquer obrigação contratual, é possível o próprio autor da obra cometer alguma ilicitude ao descumprir alguma obrigação do contrato, o que depende de análise caso a caso [11].

Quando contrafações ocorrem, a solução é indenizar o lesado pelo dano material, apurável mediante estudo econômico de suas receitas de acordo com o mercado [12]. Bittar elenca as medidas judiciais cabíveis, as quais podem ser interpostas concomitantemente ou separadas, para coibir as ilicitudes relacionadas ao Direito Autoral, da seguinte forma: a) abstenção de continuação de atos violadores (ou inibição prática de ação violadora); b) apreensão de coisas nascidas do ilícito (retirada de circulação do material); c) reparação de prejuízos de ordem moral e patrimonial (com danos emergentes e lucros cessantes); e d) apenação do agente (com cominações de ordem pecuniária, privativa de liberdade ou mista), conforme dispõe o artigo 101 da lei [13].

Na esfera cível, o autor da obra artística e quem mais for um titular reconhecido, como, por exemplo, as associações de titulares ou representantes, podem figurar no polo ativo das medidas judiciais, as quais são reguladas pelo Código de Processo Civil [14].

 


[1] SANTOS, Manoel J. dos. Série GVlaw: propriedade intelectual: Direito Autoral. São Paulo: Saraiva, 2013.

[2] FURI-PERRY, Ursula (2014-06-09T22:58:59). The Little Book of Fashion Law (ABA Little Books Series) (Locais do Kindle 242). American Bar Association.

[3] Consoante Carvalho, "segundo o dicionário Silveira Bueno, pirataria é: ‘roubo; vandalismo; extorsão; cópia indevida de programas de informática, fitas de vídeo ou som, etc; levar vida de pirata’ (Silveira Bueno, 1996, p. 507). Quanto à definição de pirata, encontra no mesmo dicionário os seguintes termos: ladrão, gatuno, sujeito audacioso, espertalhão, malandro, indivíduo que comete pirataria, que não respeita os direitos de autoria ou de reprodução que vigoram sobre determinadas obras ou produtos (literários, musicais, de informática e outros), seja produzindo ou utilizando cópias ilegais dessas obras ou produtos. Dessa forma, pode-se afirmar que a pirataria consiste na violação de Direitos Autorais. Portanto, todo aquele que copiar, comercializar ou usar produtos pirateados é considerado um pirata". CARVALHO, C. Arilson. O impacto negativo da pirataria no cenário mercadológico e as dificuldades no combate a falsificação, Revista do IBRAC — Direito da Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, v. 12, 2005.

[4] FURI-PERRY. Op.cit. 2014.

[5] KAWAY, Mina. Tá copiando o quê?: As cópias sob a ótica do Direito da Moda. Disponível em: <http://www.fashionlawnotes.com/2012/03/ta-copiando-o-que-as-copias-sob-otica.html.>. Acesso em: 29 ago. 2018.

[6] A Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro (Fecomercio-RJ), elaborou um estudo intitulado Pirataria no Brasil: radiografia do Consumo, o qual apura o impacto dos problemas sociais causados pela pirataria. HEEMSTEDE, T. V. F.; ORSOVAY, Y., N. A possibilidade de autorregulação do mercado da moda no Brasil, In: CURY, M. F. (org.); ROSINA, M. S. G. (org.). Fashion Law, Direito e Moda no Brasil, RT, 2018, II Parte, cap. 3, p. 171-183. Nesse mesmo sentido, menciona Plácido que, "de acordo com dados fornecidos pela Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro, aproximadamente dezessete milhões de brasileiros compraram roupas e acessórios falsificados, somente no ano de 2010. O produto falsificado, além de prejudicar o próprio consumidor, por geralmente se tratar de item com qualidade inferior e sem garantia, lesa toda a economia brasileira." PLÁCIDO, Lucila de Castro. Fashion law: a relevância jurídica da moda. 2015. Disponível em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/?n_link=ver ista_artigos_leitu ra&artigo_id =1583 3&revista_c adern o=27.>. Acesso em 05 set. 2018.

[7] SANTOS, Manoel J. dos. Op.cit.2013.

[8] BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 325.

[9] SANTOS, Manoel J. dos. Op.cit. 2013.

[10] KAWAY, Mina. Op.cit. 2012.

[11] BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. Rio de Janeiro: Forense 2015.

[12] Ibidem.

[13] Ibidem e COPETTI, Michele. Afinidade entre Marcas, uma questão de Direito. São Paulo: Lumen Juris, 2010, p. 145.

[14] Ibidem.

Autores

  • é doutoranda em Direito Comercial pela USP, mestre em Direito Privado e especialista em Processo Civil pela UFRGS e advogada atuante em resolução de disputas e pesquisas referentes a consultas e litígios comerciais de Direito Civil, Análise Econômica do Direito e Propriedade Intelectual.

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