Opinião

Carf aprova quatro novas súmulas aduaneiras

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13 de setembro de 2021, 7h14

No último dia 6 de agosto, a 3ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) aprovou quatro novas súmulas que tratam de matéria aduaneira. As súmulas consolidam entendimentos predominantes no Carf e são vinculantes apenas para esse órgão julgador.

A Súmula 184 fixou o entendimento de que a "o prazo decadencial para aplicação de penalidade por infração aduaneira é de cinco anos contados da data da infração, nos termos dos artigos 138 e 139, ambos do Decreto-Lei nº 37/66 e do artigo 753 do Decreto nº 6.759/2009".

A Fazenda Nacional sustentava que os artigos 138 e 139 do Decreto-Lei nº 37/66 seriam inaplicáveis com base no argumento de que as normas relativas à decadência devem ser instituídas por lei complementar [1], nos termos do artigo 146, inciso III, alínea "b", da CF [2].

E, como o Decreto-Lei nº 37/66 não teria sido recepcionado pela Constituição Federal com status de lei complementar, a competência para dispor sobre a decadência seria do Código Tributário Nacional (CTN), prevalecendo, portanto, os preceitos previstos nos artigos 150 e 173 do CTN.

Diante disso, na hipótese de sanção por infração aduaneira, a Fazenda Nacional defendia a aplicação da regra do artigo 173, inciso I, do CTN [3], segundo a qual o termo inicial para a contagem do prazo decadencial é o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.

A 3ª Turma da CSRF, no entanto, acatou a tese predominante no Carf de que, em caso de conflito entre normas, prevalece a mais específica, ou seja, o Decreto-Lei nº 37/66 que dispõe sobre o Direito Aduaneiro, consolidando, assim, o entendimento de que o prazo decadencial é de cinco anos contados da data da infração aduaneira.

A tese fixada está em consonância com precedente recente da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que, acatando o entendimento do ministro Benedito Gonçalves, reconheceu que "o crédito executado decorre da imposição de multa de ofício, a qual, por sua vez, decorre da conversão de pena de perdimento. Considerando que o artigo 139 do Decreto-Lei 37/1966 (lei especial) traz normativa diversa do CTN (lei geral) em relação à decadência, tem-se que aquele é aplicável ao caso concreto" [4].

A questão, no entanto, não está definitivamente encerrada. Nos casos de aplicação da pena de perdimento, por exemplo, a Receita Federal mantém o entendimento de que, por se tratar de infração continuada ou permanente, o termo inicial para a contagem do prazo decadencial seria a cessação da situação de irregularidade da mercadoria importada.

Os precedentes que motivaram a edição da Súmula 184, no entanto, não avaliaram essa questão, estabelecendo, de forma geral, que o marco inicial para a contagem do prazo decadencial é a data do registro da declaração de importação, nos termos do artigo 54 do Decreto Lei nº 37/66.

Diante disso, e considerando que a tese fixada pelo Carf não vincula a Procuradoria da Fazenda Nacional, não é possível considerar que as discussões a respeito da matéria estejam esgotadas, cabendo ao Judiciário a palavra final.

As Súmulas 185 e 187 tratam da responsabilidade solidária do agente marítimo e do agente de carga, respectivamente, pela infração prevista no artigo 107, inciso IV, alínea "e", do Decreto-Lei nº 37/66, que assim dispõe: "Artigo 107  Aplicam-se ainda as seguintes multas: (…) IV  de R$ 5 mil; (…) e) por deixar de prestar informação sobre veículo ou carga nele transportada, ou sobre as operações que execute, na forma e no prazo estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, aplicada à empresa de transporte internacional, inclusive a prestadora de serviços de transporte internacional expresso porta-a-porta, ou ao agente de carga".

Nesses casos, o agente marítimo e/ou o agente de carga se defendiam alegando que, por serem mero mandatários do transportador, a sua responsabilidade estaria adstrita aos termos da outorga concedida pelo armador, não podendo ser responsabilizados por ato ou omissão do transportador internacional a quem caberia prestar as informações sobre as operações de comércio exterior à aduana brasileira.

Nos precedentes que motivaram a aprovação das súmulas, prevaleceu o entendimento de que a legislação aduaneira prevê a responsabilidade solidária do representante do transportador internacional tanto pelas obrigações tributárias, quanto por eventuais infrações. A legislação é ainda mais específica quanto à obrigação do agente de carga de prestar informações acerca das operações que execute e respectivas cargas. É o que dispõem os artigos 32, parágrafo único, inciso II, e artigo 37, §1º, do Decreto-Lei nº 37/66:

"Artigo 32  É responsável pelo imposto:
I
 o transportador, quando transportar mercadoria procedente do exterior ou sob controle aduaneiro, inclusive em percurso interno;
(…)
Parágrafo único. É responsável solidário:
(…)
II
 o representante, no País, do transportador estrangeiro; (…)
Artigo 37 
 O transportador deve prestar à Secretaria da Receita Federal, na forma e no prazo por ela estabelecidos, as informações sobre as cargas transportadas, bem como sobre a chegada de veículo procedente do exterior ou a ele destinado.
§1° O agente de carga, assim considerada qualquer pessoa que, em nome do importador ou do exportador, contrate o transporte de mercadoria, consolide ou desconsolide cargas e preste serviços conexos, e o operador portuário, também devem prestar as informações sobre as operações que executem e respectivas cargas (…)"
.

Nos votos que embasaram a edição das súmulas, os conselheiros destacaram que, no Direito Aduaneiro, é comum e necessário que as obrigações principais e acessórias sejam imputadas sobre agentes do comércio internacional que estejam estabelecidos dentro da jurisdição da autoridade local, "sob pena de tornar inócua sua atuação e impedir que o controle aduaneiro seja realizado de forma efetiva e eficiente".

No Judiciário, a questão é controversa, em especial, quanto ao agente marítimo. No Superior Tribunal de Justiça predomina o entendimento de que o agente marítimo "como mandatário mercantil do armador (mandante e proprietário da embarcação), não pode ser responsabilizado pelos danos causados por atos realizados a mando daquele, quando nos limites do mandato" [5]. No caso em análise, ao agente marítimo havia sido imputada multa administrativa por infração ambiental cometida pelo transportador, o que foi rechaçado por aquela corte.

As decisões do Carf, por outro lado, estão amparadas no entendimento firmado sob o regime de recursos repetitivos no julgamento do Recurso Especial nº 1.129.430, no qual o então ministro do STJ Luiz Fux reconheceu que o agente marítimo passou a ostentar a condição de responsável tributário, para fins de recolhimento do imposto sobre importação, após a alteração promovida pelo Decreto-Lei nº 2.472/88 nas disposições do artigo 32 do Decreto-Lei nº 37/66. Apesar de tratar de responsabilidade tributária, prevaleceu no Carf a interpretação de que essa responsabilidade seria extensiva à prestação de informações à autoridade aduaneira, considerando o disposto no artigo 37, §1º, do DL nº 37/66.

Assim, embora as Súmulas 185 e 187 tenham firmado o entendimento de que o agente marítimo e o agente de carga respondem, solidariamente, por deixarem de prestar informações sobre veículo ou carga nele transportada, ou sobre as operações que executem, a matéria certamente ainda será debatida no judiciário.

Por fim, a Súmula 186 consolida o entendimento de que as eventuais alterações ou retificações das informações já prestadas anteriormente pelos intervenientes não configuram prestação de informação fora do prazo, não sendo cabível, portanto, a aplicação da multa prevista no artigo 107, inciso IV, alínea "e", do Decreto-Lei nº 37/66.

A alínea "e" do inciso IV do artigo 107 do Decreto-Lei nº 37/66 estabelece a aplicação da multa no valor de R$5 mil na situação em que o transportador ou o operador portuário deixe de prestar as informações no prazo estabelecido pela Receita Federal do Brasil, mas não tipifica como infração as retificações de informações no sistema.

Nas hipóteses de retificação de informação, é patente a ausência de tipicidade da multa aplicada, pois o dispositivo legal penaliza a conduta de deixar de prestar informações. Como só é possível retificar algo que já tenha sido informado, é evidente que houve prestação anterior de informações e a ausência de tipicidade da conduta, já que a retificação objetiva corrigir e a emendar informações já prestadas anteriormente dentro do prazo legal.

Esse entendimento já havia sido formalizado pela RFB por meio da Solução de Consulta Interna Cosit nº 2, publicada em 4/2/2016:

"ASSUNTO: NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. CONTROLE ADUANEIRO DAS IMPORTAÇÕES. INFRAÇÃO. MULTA DE NATUREZA ADministrATIVO-TRIBUTÁRIA. A multa estabelecida no artigo 107, inciso IV, alíneas "e" e "f" do Decreto-Lei nº 37, de 18 de novembro de 1966, com a redação dada pela Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, é aplicável para cada informação não prestada ou prestada em desacordo com a forma ou prazo estabelecidos na Instrução Normativa RFB nº 800, de 27 de dezembro de 2007. As alterações ou retificações das informações já prestadas anteriormente pelos intervenientes não configuram prestação de informação fora do prazo, não sendo cabível, portanto, a aplicação da citada multa. Dispositivos Legais: Decreto-Lei nº 37, de 18 de novembro de 1966; Instrução Normativa RFB nº 800, de 27 de dezembro de 2007".

A aprovação da Súmula 186, portanto, apenas reforça a interpretação consolidada na esfera administrativa, encerrando, definitivamente, a discussão.

Assim, embora a intenção do Carf com a aprovação das novas súmulas tenha sido pacificar discussões importantes para o Direito Aduaneiro, nos casos das Súmulas 184,185 e 186 as matérias tratadas ainda são controversas no Judiciário, o que motivará novas discussões.


[1] "Artigo138 – O direito de exigir o tributo extingue-se em 5 (cinco) anos, a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que poderia ter sido lançado. (…)".
"
Artigo139 – No mesmo prazo do artigo anterior se extingue o direito de impor penalidade, a contar da data da infração".

[2] "Artigo 146 – Cabe à lei complementar: (…)
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: (…)

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários".

[3] "Artigo 173 – O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado".

[4] AgInt no REsp 1871567/RN, Rel. ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/02/2021, DJe 11/02/2021

[5] AgInt no REsp 1578198/SP, Rel. ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10/08/2020, DJe 14/08/2020

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