Opinião

Novos aspectos legais para o encerramento da recuperação judicial

Autores

  • Felipe Herdem Lima

    é mestre em Direito da Regulação pós-graduado em Direito Empresarial autor dos livros: Liquidação Extrajudicial e seu devido processo administrativo Direito Bancário: Conceitos básicos Sistema Financeiro Nacional Contemporâneo: regulação e desafios; Resolução Bancária: Aspectos controversos e Novas Tendências do Sistema Financeiro Nacional; e sócio do escritório Herdem & Latini Advogados.

  • Lucas Latini

    é sócio do escritório Herdem & Latini Advogados.

13 de setembro de 2021, 17h13

Em dezembro de 2020, a Lei nº 11.101/2005, que regula os institutos da recuperação judicial, extrajudicial e falência, foi alterada pela Lei nº 14.112/2020. Dentre outros pontos, esta norma ajustou dispositivos relacionados à recuperação judicial e, neste artigo, trataremos especificamente dos que tratam da possibilidade de encerramento do processo de recuperação independentemente da consolidação do quadro geral de credores, desde que as obrigações previstas no plano de recuperação com vencimento em dois anos contados de sua concessão tenham sido cumpridas.

Esta alteração é relevante para os devedores e o mercado em si de uma maneira geral. Isto porque, a empresa com a insígnia "em recuperação judicial" encontra dificuldades para obter créditos junto a instituições financeiras, investimentos de interessados em aportar capital novo e alavancar a atividade, assim como negociar com fornecedores. Além disso, enquanto em recuperação, não é possível alienar ou onerar bens ou direitos do ativo permanente de forma livre. Tais limitações representam verdadeiro engessamento da dinâmica empresarial.

Assim é que, antes mesmo da entrada em vigor da Lei nº 14.112/2020, tanto a doutrina quanto a jurisprudência já vinham sinalizando seu entendimento sobre a possibilidade de encerramento da recuperação judicial sem a consolidação do quadro geral de credores, sempre ressalvando, entretanto, a necessidade de cumprimento das obrigações do plano de recuperação com vencimento no intervalo de dois anos a partir da concessão.

A título de exemplo, na sentença de encerramento da recuperação judicial das empresas do Grupo OSX (processo nº 0392571-55.2013.8.19.0001), proferida em novembro de 2020, foi observado o entendimento aqui mencionado.

Nela constou que a existência de impugnações de crédito ainda pendentes de julgamento não seria obstáculo para o encerramento do processo, uma vez que o credor, com o reconhecimento judicial de seu crédito, poderá cobrá-lo de forma individual do devedor via execução, já que o plano de recuperação judicial aprovado constitui título executivo e, caso queiram, possuem a via do requerimento de falência do devedor com fundamento no artigo 94, I da Lei n° 11.101/2005.

O entendimento se fundamenta porque depois de superado o biênio de supervisão judicial, justamente criado para apuração do cumprimento das obrigações do plano com vencimento neste período, não mais há falar em conversão da recuperação em falência por descumprimento de obrigação incluída no plano. O que não se pode admitir, sob pena de eternização de processos, é que a recuperação judicial prossiga até que decididas todas as impugnações de crédito e cumpridas todas as obrigações assumidas no plano, o que, muitas das vezes, ocorrerão anos depois.

Na recuperação judicial, o quadro geral de credores é formado por meio do procedimento de verificação e habilitação dos créditos sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, o qual corre basicamente em paralelo ao procedimento de reestruturação. Tal procedimento contempla uma primeira fase administrativa e uma segunda fase chamada de judicial. A segunda, de acordo com os prazos previstos na lei, terminaria pouco antes da realização da assembleia geral de credores.

Ocorre que, como se vê na prática, em razão da demora no processamento de feitos nos tribunais nacionais, causada pelo reconhecido volume de trabalho e burocracia de nosso Judiciário, a fase judicial de verificação de créditos frequentemente supera a data de realização da assembleia e, em muitos casos, como a do Grupo OSX, supera também o período de dois anos de supervisão judicial.

Assim, como esta fase observa o devido processo legal, seus corolários do contraditório, ampla defesa e duplo grau de jurisdição, nos casos em que há litígio e a questão acaba sendo levada até os tribunais superiores, fatalmente, a solução definitiva leva mais de dois anos para ser alcançada. Logo, condicionar a possibilidade de encerramento da recuperação judicial à necessidade de consolidação do quadro geral de credores, leva à continuação do processo e, portanto, à permanência dos efeitos prejudiciais ao devedor já mencionados.

Exatamente nesta linha de entendimento, foram incluídos, pela Lei nº 14.112/2020, o artigo 10º, §9º e o parágrafo único do artigo 63, na Lei nº. 11.101/2005. O primeiro dispositivo estabelece que a recuperação judicial poderá ser encerrada ainda que não tenha havido a consolidação definitiva do quadro geral de credores, hipótese em que as ações incidentais de habilitação e de impugnação retardatárias serão redistribuídas ao juízo da recuperação judicial como ações autônomas e observarão o rito comum. O segundo, validando o primeiro, dispõe encerramento da recuperação judicial não dependerá da consolidação do quadro geral de credores.

Não obstante estes dispositivos específicos, devemos interpretá-los de forma conjunta com outros dispositivos da lei que, da mesma maneira, convergem para esta finalidade: encerrar o processo independentemente da consolidação do quadro. A própria lei criou mecanismos para assegurar o recebimento dos créditos pelos após o encerramento do processo de recuperação. Além disso, o plano de recuperação aprovado, aliado ao crédito reconhecido no procedimento de verificação, constitui título executivo judicial. É possível concluir, portanto, que o recebimento do crédito está vinculado à execução do plano, dotado de plena eficácia executiva, e não à existência do processo de recuperação.

Finalizando, conforme registrado na sentença de encerramento do Grupo OSX e nos novos dispositivos incluídos pela Lei nº. 14.112/2020, havendo impugnações pendentes de julgamento, ao término do período de dois anos de recuperação judicial, deverão ser estas convertidas em ações ordinárias e continuarão a correr perante o juízo da recuperação, aplicando-se ao caso a perpetuação da competência do juízo especializado, visto que ao tempo da propositura da ação era o juízo competente.

A conversão das impugnações pendentes em ações ordinárias, consiste na mera redistribuição do mesmo procedimento para este juízo, cujo processo continuará a seguir seu curso. E o fundamento da sua conversão é justamente o encerramento do processo de recuperação judicial pelo decurso do prazo de fiscalização do plano. As impugnações já julgadas, mas em fase de recurso, deverão apenas aguardar a decisão final da instância ad quem e, na sequência, serão consideradas títulos executivos judiciais para instruir as ações necessárias à realização prática do crédito reconhecido judicialmente.

Assim, as ações novas que forem eventualmente ajuizadas posteriormente ao encerramento da recuperação judicial (cobrança, falência, declaratória e quaisquer outras relacionadas às obrigações da devedora) seguirão as regras normais de competência, uma vez que, com o encerramento, não mais subsiste o juízo universal.

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