Fábrica de Ideias

Panorama e desafios do sistema de previdência complementar fechado

Autores

  • Lúcio Capelletto

    é diretor superintendente na Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) doutor em Controladoria e Contabilidade pela FEA/USP mestre em Administração pela UnB graduado em Ciências Contábeis e em Administração analista do Banco Central do Brasil (BCB) desde 1992 e professor em disciplinas relacionadas às áreas de contabilidade mercado financeiro e finanças.

  • Henrique Machado

    é é ex-procurador do Banco Central do Brasil pós-graduado em Direito Público pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e em Direito Econômico da Regulação Financeira pela Universidade de Brasília (UnB) membro da Comissão de Mercado de Capitais da OAB/RJ. professor convidado da FGV-Rio OAB/DF IDP e Kope advogado e sócio do escritório Warde Advogados.

13 de setembro de 2021, 13h35

Nesta quarta-feira, 8/9/2021, o Iree Mercado realizou o terceiro evento do Ciclo de Diálogos com o Diretor-Superintendente da Previc, Lúcio Capelletto, para falar sobre a manutenção do equilíbrio técnico, da higidez e do regular funcionamento do sistema de previdência complementar fechado. Com mediação de Henrique Machado, presidente do Iree Mercado, Capelletto abordou os principais riscos identificados e as medidas implementadas em um ano marcado pela pandemia sanitária, bem como as alterações regulatórias em estudo na autarquia.

Spacca" data-GUID="boas_ideias.jpeg">Evolução Histórica
Há mais de 100 anos, em 1904, foi criado o instituto da Previ (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil), como um fundo de pensão que fiscaliza a previdência complementar dos funcionários do Banco do Brasil. Em 1977, com a Lei 6.435, teve-se a primeira regulamentação da previdência complementar no Brasil. Não obstante, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 202, estabeleceu o regime de previdência privada, de forma facultativa e regulamentada por lei complementar.

Neste ponto, é interessante esclarecer e caracterizar os regimes de previdência social. De acordo com Lúcio Capelletto, o regime geral baseia-se nos trabalhadores, através da contribuição ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), enquanto o regime próprio dos servidores abrange a União, os Estados e os Munícipios. Por sua vez, o regime de previdência complementar, em destaque no diálogo abordado, abarca os fundos de pensão que complementam os valores estabelecidos pelo teto. O diretor acredita que a previdência complementar é — e deve ser — o futuro do Brasil. Hoje se espera que, acima do valor do teto do regime geral, tenha-se o regime de previdência complementar privado. Neste sentido, os próprios entes federativos são obrigados a oferecer a previdência complementar pela Emenda Constitucional 103.

Em seguimento, a Lei Complementar 108 e a Lei Complementar 109 de 2001 estabeleceram os parâmetros para a atuação e governança das entidades de previdência complementar. Enquanto a Lei Complementar 109 trata da atuação de todas as entidades públicas e privadas, a Lei Complementar 108 é específica para a União, os Estados e os Municípios oferecerem os seus planos, sendo um regramento para os entes públicos providenciarem previdência complementar.

Advindo desta conjectura, em 2009, pela Lei 12.154, houve a criação da Previc (Superintendência Nacional de Previdência Complementar). A Previc é uma autarquia responsável pela supervisão do processo de licenciamento e do processo de regulamentação infralegal, em lato sensu, e do monitoramento e fiscalização, em stricto sensu, das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC). A autarquia ainda tem a competência de aplicar multas e é formada por um quadro repleto de auditores fiscais e servidores da antiga Secretaria de Previdência Complementar (SPC).

Em 2012, houve o primeiro concurso da carreira de especialistas para nomear os servidores inaugurais do quadro próprio da Previc. Três anos depois, em 2015, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Fundos de Pensão foi instituída para investigar as irregularidades nos fundos Postalis, Petros, Funcef e PREVI, todos com patrocinadores públicos. Em meio ao inquérito, foram constatadas perdas de valores significativos nos investimentos. As consequências da investigação provocaram uma mudança significativa no processo de supervisão da previdência complementar. A autarquia passou a adotar o modelo de supervisão baseada em risco, coincidindo com o início do processo de supervisão permanente com um grupo dedicado às principais entidades. Para que isso ocorresse, em função da escassez de recursos humanos, foi necessário adotar a proporcionalidade regulatória e de supervisão, segregando entidades de maior porte e complexidade, e instituindo, em 2017, o conceito de ESI (Entidade Sistemicamente Importante). Em 2017 também há a fixação de procedimentos para certificação e habilitação de dirigentes como forma de validação das qualificações.

Neste ponto, Lúcio Capelletto aproveitou para dar destaque a otimização dos recursos através da rotatividade nos fundos. A circularização das ideias, bem como o conhecimento adquirido e compartilhado na evolução do Banco Central, representa uma possibilidade imprescindível para a modernização dos órgãos de supervisão.

No ano de 2018 foi publicada a Resolução CMN 4.661, com a edição de regras de investimentos com melhor governança, controles internos e gestão de riscos. Em termos de governança, a resolução faz uma segregação da parte de investimentos com a parte de riscos; em termos de controle, traz a responsabilização de toda a cadeia que participa no processo de investimento, e; em termos de gestão, fornece destaque aos riscos importantes dentro do sistema, tal como o risco de mercado, o risco de crédito, os riscos ASG, e outros.

Desde 2018, como uma revisão do arcabouço regulatório, está em andamento uma atualização dos normativos de atuária, contabilidade e investimentos, além de revisão e consolidação de normas. Entre 2019 e 2021, houve a supervisão prudencial por meio do fortalecimento do monitoramento, com uma atuação preventiva e abrangente, e do aprimoramento do processo de fiscalização, com uma incidência proativa, intrusiva e conclusiva. No que concerne a revisão do processo de licenciamento, desde 2019, busca-se maior qualificação, experiência profissional e formação para os dirigentes, instituindo, inclusive, adoção de entrevistas para AETQ. Nos dois últimos anos, também foi desenvolvido e implantado o sistema de avaliação de riscos e controles, com atribuição de nota final a cada plano e EFPC.

Em 2021, dá-se destaque ás propostas de alteração às Leis Complementares 108 e 109, em face da Emenda Constitucional 103 de 2019, que estabeleceu a obrigatoriedade de oferta de planos previdenciários de entes federados às EAPC. As propostas suscitam uma flexibilização e modernização da previdência complementar fechada.

Panorama
O atual panorama da Previc inclui 283 Entidades Fechadas de Previdência Complementar, 1.111 planos e mais de 1 trilhão de reais em ativos. A população abrangida pela previdência abarca 7,9 milhões de pessoas, sendo 3,9 milhões de participantes e assistidos (aposentados e pensionistas) e quatro milhões de pessoas indicadas que podem ter direito e benefícios (pessoas designadas), com um total de 3,3 mil patrocinadores e instituidores.

No que concerne a volatilidade do mercado, Capelletto apresentou um gráfico das taxas SELIC, do Dólar e do IBovespa. Em meio à inúmeras alterações, o diretor destacou a percepção de que a gestão dos recursos deve ser controlada por pessoas devidamente qualificadas. No caso dos ativos e passivos, os déficits do ano em que foi instaurada a CPI e os déficits do mês de início da pandemia são salientados do restante. Neste sentido, aponta-se que houve uma preocupação muito grande com a liquidez e com os efeitos do mercado, mas o sistema conseguiu manter o estipulado. Interessante notar que, no caso da incidência da CPI, houve a necessidade de equacionamentos. Já na pandemia, dentro do próprio ano, tendo em vista a deterioração de ativos, foi possível recuperar os déficits.

Dentre os principais fatores observados no enfrentamento da materialização do estresse em 2020, Lúcio Capelletto destacou 1) o elevado nível de governança, que permitiu a continuidade dos processos para tomada de decisão de forma consciente; 2) a rápida capacidade de adaptação, que manteve o funcionamento das entidades, sem interrupção de atividades — inclusive de atendimento aos participantes —; 3) a eficaz gestão de riscos, especialmente de liquidez que evitou a necessidade de venda de ativos a preços subavaliados para honrar obrigações, e; 4) a resiliência, evidenciada na recuperação do segmento, após severo estresse dos mercados.

No que diz respeito às obrigações, no lado dos passivos, o diretor ressaltou o risco operacional e o risco atuarial, que conta com as variáveis da taxa de juros e indexador, da longevidade e das regras de modelagem. Tais variáveis incidem na evolução do passivo, que deve ser observado atentamente. A Resolução CNPC nº 30 de 2018 aborda os superávits e déficits, fornecendo as regras de como os déficits serão equacionados e como os superávits devem ser revertidos para os participantes.

A Previc vem dando destaque à governança robusta, aos controles internos eficientes e a uma gestão de riscos eficaz na sua atuação. Os riscos ambientais e sociais também devem ser incluídos nas preocupações da autarquia em meio ao processo de amadurecimento, conforme pontuado por Lúcio Capelletto. Inclusive, a Previc fez um questionário para compreender melhor a incidência dessas preocupações e desenvolveu uma pesquisa para analisar os resultados. Foi constatado que a escassez de informações e a falta de padronização dificultam a análise dos riscos de investimentos, o que pretende ser resolvido pela autarquia.

Desafios e Perspectivas
Dentre os principais objetivos da Previc, Capelletto cita o funcionamento regular, maior eficiência e um crescimento sustentável. Aproveitou para destacar as alterações regulatórias que tratam justamente destes propósitos da autarquia.

Em relação ao fortalecimento do monitoramento, tem-se as sinalizações de variações e de situações anômalas que impliquem risco aos supervisores responsáveis, a avaliação das EFPC e respectivos planos de benefícios com base em indicadores, com um rating quantitativo mensal, e o monitoramento da situação econômico-financeira e dos riscos inerentes, mediante implantação de sistema de indicadores com base em informações contábeis, atuariais e investimentos.

Há também uma necessidade de avaliação quantitativa e qualitativa, com a sistematização dos conhecimentos de fiscalização, a integração da avaliação quantitativa e qualitativa das EFPC, a implantação do processo de avaliação dos riscos e controles internos das EFPC e respectivos planos de benefícios, a avaliação de pontos fortes e fracos e atribuição de nota de avaliação (rating), bem como a devolutiva do resultado da avaliação às ESI.

Em relação aos desafios, Lúcio Capelletto acredita que a perspectiva deve ser direcionada ao sistema, a união Previc-BCB-CVM-Susep e, por conseguinte, à Previc em si. No que concerne o sistema, busca-se uma maior flexibilização e modernização, com redução de assimetrias entres abertas e fechadas, bem como o fomento à previdência complementar. O compartilhamento e uso de informações entre supervisores e a avaliação de riscos em conjunto (por meio da Coremec) são as principais atribuições das organizações. Por fim, no caso da Previc, buscam-se melhoramentos nos processos para complementar o desempenho institucional e o uso intensivo de TI para desenvolvimento de sistemas e modernização de procedimentos. 

Não obstante, as perspectivas da Previc incluem o crescimento de participantes, em meio a redução de EFPC através de uma consolidação, a harmonização das regras aplicáveis ao regime de previdência complementar, a diversificação na alocação de ativos com a redução das taxas de juros e o uso intensivo de tecnologia e a incorporação de inovações, oferecendo produtos e serviços melhores e mais adequados às necessidades dos participantes.

Autores

  • é diretor superintendente na Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), doutor em Controladoria e Contabilidade pela FEA/USP, mestre em Administração pela UnB, graduado em Ciências Contábeis e em Administração, analista do Banco Central do Brasil (BCB) desde 1992 e professor em disciplinas relacionadas às áreas de contabilidade, mercado financeiro e finanças.

  • é ex-procurador do Banco Central do Brasil, foi chefe de gabinete do ministro presidente do Banco Central entre 2009 e 2010, foi secretário do Conselho Monetário Nacional, secretário-executivo adjunto do BC e secretário-executivo do Comitê de Regulação e Fiscalização dos Mercados Financeiro, de Capitais, de Seguros, de Previdência e Capitalização (Coremec), entre 2010 e 2016, foi diretor da CVM de julho de 2016 a dezembro de 2020, pós-graduado em Direito Público, pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), e em Direito Econômico da Regulação Financeira, pela Universidade de Brasília (UnB), membro da Comissão de Mercado de Capitais da OAB/RJ, professor convidado da FGV-Rio, OAB/DF, IDP e KOPE, advogado e sócio do escritório Warde Advogados.

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