Opinião

O Imposto de Renda nos ganhos sobre vendas realizadas em operações de IPO

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13 de setembro de 2021, 6h03

1) Apesar do momento marcado por dificuldades econômicas e muitas incertezas que pairam sobre os próximos anos, em função da grave crise sanitária (e, consequentemente, financeira) influenciada pelo surgimento da Covid-19, o mercado acionário vem crescendo desde o ano de 2020, ao menos em relação à abertura de capital pelas sociedades e a respectiva listagem na bolsa de valores nacional. O movimento de alta, por sua vez, também é verificado pelo aumento das pessoas físicas investindo em renda variável, e na grande quantidade de informação publicada na rede mundial de computadores (tais como em redes sociais, YouTube, revistas informativas), canais televisivos e outros meios.

A título comparativo, segundo dados divulgados pela B3, o primeiro milhão de investidores na bolsa de valores foi atingido em abril de 2019, ao passo que nos primeiros três meses do ano deste ano o número chegou a mais de três milhões, o que significa um aumento de mais de 200% em somente dois anos, número extremamente significativo e que comprova essa tendência de crescimento do número de investidores em renda variável.

Consequentemente, com o aumento de abertura de capital das empresas e do número de investidores, surgem também mais dúvidas no que concerne às questões relacionadas às operações em bolsa, desde situações mais simples às mais complexas, como questões de natureza tributária.

Por exemplo, atualmente se discute se os acionistas de uma determinada sociedade, quando realizam a venda de suas ações (integral ou parcialmente) no mercado secundário a novos investidores e obtêm ganhos líquidos nessas alienações, devem ser tributados pela alíquota fixa de 15%, prevista no artigo 2º, II, da Lei 11.033, de 21 de dezembro de 2004, ou se estão sujeitas à aplicação da alíquota progressiva, que pode variar entre 15% a 22,5%, esta última, que, por sua vez, está disposta no artigo 21 da Lei 8.981, de 20 de janeiro de 1995, dispositivo que foi alterado pela Lei 13.259/2016 e é aplicável ao ganho de capital, de modo geral, percebido pela pessoa física em decorrência da alienação de bens e direitos de qualquer natureza.

2) A Constituição Federal de 1988, que institui e regula o sistema tributário nacional, dispõe em seu artigo 153, inciso III, que compete à União Federal instituir impostos sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Por sua vez, os artigos 43 e seguintes do Código Tributário Nacional dispõem sobre normas gerais referentes ao dito tributo, como a hipótese de incidência e base de cálculo.

Tal imposto pode incidir tanto sobre as disponibilidades da pessoa física, o chamado IRPF, quanto da pessoa jurídica, o IRPJ. No caso em apreço, por se tratar de uma possibilidade de tributação tanto do sócio pessoa física, quanto daquele constituído na forma de pessoa jurídica, não será dado destaque às nuances relativas às alíquotas gerais de IRPF e IRPJ, este último que pode variar de acordo com a opção e planejamento da sociedade e/ou por imposições legais, podendo ser apurado por "lucro real", "lucro presumido" e "lucro arbitrado", além de poder ser incluído no Simples Nacional, havendo peculiaridades e requisitos inerentes a cada regime.

Avançando, de acordo com a nova redação dada em 2016 ao artigo 21 da Lei nº 8.981/95 e seus respectivos incisos, por meio da Lei nº 13.259/06, o ganho de capital percebido por pessoa física ou jurídica em virtude da alienação de bens e direitos de qualquer natureza está sujeito ao imposto sobre a renda às seguintes alíquotas:

15% sobre a parcela dos ganhos que não ultrapassar R$ 5 milhões;

20% sobre a parcela dos ganhos que exceder R$ 1 milhão e não ultrapassar R$ 5 milhões;

17,5% sobre a parcela dos ganhos que exceder R$ 5 milhões e não ultrapassar R$ 10 milhões;

20% sobre a parcela dos ganhos que exceder R$ 10 milhões e não ultrapassar R$ 30 milhões; e

22,5% sobre a parcela dos ganhos que ultrapassar R$ 30 milhões.

Desse modo, quando determinado bem ou direito é alienado por valor superior ao da aquisição, ocorre o chamado ganho de capital, sendo a base de cálculo apurada pela diferença entre o quantum recebido na transferência e o valor no momento da aquisição.

Pela análise do dispositivo, o que se percebe é que as alíquotas do Imposto de Renda são progressivas, ou seja, que estas aumentam conforme a parcela de ganhos auferidos pela pessoa física ou jurídica, sem discriminação acerca da natureza das operações envolvidas.

Ao revés, de forma mais especificada, dispõe o artigo 2º da Lei 11.033, de 21 de dezembro de 2004, que aos ganhos líquidos auferidos em operações realizadas em bolsas de valores, de mercadorias, de futuros, e assemelhadas, inclusive day trade, estes serão tributados pela alíquota de 20% nos casos de operações de day trade, ou seja, aquelas em que ocorre a compra e venda do ativo em um mesmo dia, e em 15% nas demais hipóteses.

E, assim, surge a discussão se as vendas no mercado secundário com auferimento de ganho, efetuadas pelos acionistas de uma sociedade que realiza a abertura de seu capital em processo de IPO, atrairia a aplicação do artigo 2º da Lei 11.033 de 21/12/2004, o qual o legislador previu tributação mais branda aos ditos ganhos, ou se se enquadraria na situação "comum" de ganho de capital, resultando, consequentemente, em um imposto que pode ser de maior monta.

3) Quando uma sociedade realiza uma oferta pública inicial de ações (IPO), significa dizer que essa pessoa jurídica, pela primeira vez, oferta suas ações ao público em geral, que poderão ser comercializadas em bolsas de valores ou mercados de balcão. A ideia pode ser interessante às companhias, haja vista que possibilita que estas adquiram investimentos, que podem ser utilizados para alavancar suas operações e acelerar a expansão da sociedade empresária, ou mesmo para incorporar ao seu caixa. Ademais, com a abertura de capital, naturalmente a companhia tende a ter mais visibilidade no mercado, o que também pode levar a uma expansão dos negócios. Esses são só alguns exemplos das variadas motivações que podem levar à decisão de abertura de capital da pessoa jurídica.

A oferta pública de ações pode ser primária ou secundária. Na oferta primária, os investidores subscrevem e integralizam novas ações de emissão da companhia, sendo que os recursos recebidos são destinados à própria companhia. Já na secundária, as ações ofertadas ao público são de titularidade dos acionistas, que alienam total ou parcialmente as ações de sua titularidade aos novos investidores.

Especificamente em relação ao mercado secundário, tem-se que este pode ocorrer dentro da própria bolsa de valores ou em mercados de balcão. Geralmente, em casos de oferta pública inicial, as operações no mercado secundário, que precedem à listagem da companhia na bolsa de valores, são oferecidas pelos acionistas por meio de mercado de balcão organizado, e é justamente nesse ponto que reside a controvérsia sobre o tema.

Isso porque, embora haja semelhanças entre os ambientes de bolsa de valores e o mercado de balcão organizado, tratam-se de ambientes distintos, e no IPO os acionistas que realizam as vendas de suas ações o fazem de maneira prévia à listagem da sociedade na bolsa de valores. Portanto, caso analisada a letra "fria" do caput do artigo 2º da Lei 11.033 de 21/12/2004, o entendimento seria restrito à aplicabilidade da alíquota fixa às vendas na bolsa de valores.

Entretanto, sabemos que, no Direito, muitas vezes a literalidade de certo dispositivo não coaduna com o real escopo do legislador, sendo necessário, em certas situações, a interpretação da norma jurídica.

O mercado de balcão organizado, como se sabe, é uma forma de acessar o mercado de ações sem que haja necessidade de cumprimento de todas as exigências e custos da bolsa de valores, ajustando-se melhor à transação no mercado secundário no momento da oferta inicial, justamente em razão de serem operações entre o próprio acionista e terceiros que possuem o desejo de ingressar na sociedade neste momento, anterior à listagem da companhia na bolsa de valores.

Assim como a bolsa de valores, nos mercados de balcão organizado, as negociações são realizadas em sistemas centralizados e multilaterais ou da participação de formador de mercado, e requer o registro das operações. Ainda, esses mercados também estão sobre o controle da Comissão de Valores Mobiliários e do Banco Central, possuindo devida fiscalização.

Questiona-se, então, se o intuito do legislador, no caput do artigo 2º da Lei 11.03, de 21/12/2004, foi de exclusão das operações citadas. Caso se entenda de maneira negativa, é possível se ter uma visão pela aplicação da alíquota fixa de 15% aos ganhos auferidos no mercado secundário pelos então acionistas da sociedade, esta última que está realizando sua abertura de capital e oferta inicial pública.

Ainda, temos que a Lei nº 11.033/2004 é lei especial, ao passo que a Lei nº 8.981/95 é lei geral, e seu artigo 21 e respectivos incisos abordam, de maneira abrangente, o Imposto de Renda (com alíquotas progressivas) incidente sobre o ganho de capital percebido por pessoa física ou jurídica em virtude da alienação de bens e direitos de qualquer natureza.

Entretanto, a situação ainda é nova no âmbito do Poder Judiciário, que pode ser ainda mais impulsionado a analisar a matéria diante do crescimento do número de IPOs no Brasil. Até o momento, embora existam julgamentos em sentido contrário, é de conhecimento que foram proferidas decisões liminares no estado de São Paulo no final do ano de 2020, citando-se como exemplo os autos nºs 5021609-64.2020.4.03.6100 (Capital) e 5013549-87.2020.4.03.6105 (Campinas), que entenderam que as vendas efetuadas pelos acionistas no âmbito do IPO foram realizadas em bolsa de valores, aplicando-se a legislação especial e a alíquota fixa de 15% sobre os ganhos.

Sobre os processos em que foram proferidas as referidas decisões, não se conhece seus detalhes, inclusive em relação às vendas e da documentação que instruiu os feitos, haja vista que estes, até então, tramitam em segredo de Justiça. Deve-se ter em mente também que se tratam de provimentos iniciais e não definitivos, sujeitos a modificações no decorrer do trâmite processual (inclusive em primeira instância).

Desse modo, muito ainda é preciso discutir sobre o tema tratado. A opção pelo IPO vem sendo em muito avaliada pelas sociedades empresárias nacionais, e está em constante crescimento, como verificado em 2020, em que foram registradas 28 ofertas iniciais, maior número desde 2007. É evidente que se trata de questão complexa e que necessita de amadurecimento, principalmente considerando o momento em que são realizadas as vendas, o mercado em que ocorrem, e o texto literal de todos os dispositivos mencionados. Ademais, os valores que envolvem essas demandas são significativos, fato que chama a atenção do Fisco e pode causar grandes impactos aos cofres públicos.

Tendo em vista os recentes julgados do Supremo Tribunal Federal pela modulação de efeitos das decisões proferidas pelo tribunal, é de relevância que os interessados avaliem sobre a possibilidade de propositura da ação a respeito da temática abordada, para que se resguardem nesse sentido, estando cientes de que se trata de questão controvérsia, com possibilidades de entendimento em sentido contrário. Todavia, em vista dos valores expressivos, pode valer o risco.

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  • Brave

    é advogado, associado à sociedade de advogados Alexandre Papini, Notini, Canaan, Tavares e Romanelli Sociedade de Advogados, pós-graduado em Direito Tributário pela Faculdade de Direito Milton Campos (MG), pós-graduado em Direito Penal pela Universidade Cruzeiro do Sul (SP) e pós-graduando em Direito Empresarial pela Faculdade Legale.

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