desvalorização do Real

STJ vai julgar se teoria da imprevisão vale para variação cambial em empréstimo

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12 de setembro de 2021, 9h45

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça vai julgar, em embargos de divergência, se a teoria da imprevisão é aplicável para o caso da variação cambial brasileira de 1999, em relação a empréstimos em moeda estrangeira.

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Empréstimo de US$ 10 milhões em 1997 virou dívida de R$ 400 milhões em 2020
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Essa teoria indica que é possível a revisão ou mesmo a resolução de um contrato quando fatos novos e imprevisíveis tornarem a relação excessivamente onerosa a uma das partes.

No caso julgado, o fato apontado é a desvalorização do Real quando o Banco Central passou a operar em regime de câmbio flutuante, em janeiro de 1999. A medida afetou empresas que tinha empréstimo em dólar, pois suas dívidas cresceram muito rapidamente.

No caso que será apreciado pela Corte Especial, a Nova Moema firmou contrato para obter US$ 10,8 milhões com o Banco Cidade em 1997. O objetivo era usar os valores, obtidos no exterior, para construir um shopping center.

O empréstimo não chegou a ser pago, e com a desvalorização do dólar, disparou: hoje, o valor da causa é de R$ 400,9 milhões, dos quais R$ 82,2 milhões são de honorários sucumbenciais devidos aos patronos do Banco Cidade.

Quando o banco deu início à execução para cobrar a dívida, a Nova Moema embargou sob o argumento de que há excessos que tornam o valor teratológico. Defendeu a aplicação da teoria da imprevisão e a possibilidade de pagar a dívida com base na cotação do dólar à época do empréstimo.

Em fevereiro, a 3ª Turma do STJ apreciou o caso e decidiu de forma contrária aos interesses da empresa embargante. Concluiu que é possível e desejado que se faça a correção cambial dos empréstimos obtidos em dólar antes da crise que gerou a desvalorização do Real em 1999 e ainda não quitados pelo devedor.

Rafael Luz
Ministro Mauro Campbell é o relator dos embargos de divergência sobre o tema
Rafael Luz

Com isso, a Nova Moema, que é representada pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, e pelos escritórios Mundim, Costa Lei e Rolemberg Advogados Associados e Trindade & Reis Advogados Associados ajuizou embargos de divergência em que aponta que a 3ª Turma contrariou posição dos colegiados de Direito Público.

Em outras oportunidades, a 1ª e 2ª Turmas do STJ entenderam que a desvalorização do Real em 1999 foi fato inesperável e imprevisível que causou prejuízos às empresas que tinham contrato assinado com a União, e que portanto essas deveriam ser indenizadas.

A teoria da imprevisão hoje está positivada no artigo 478 do Código Civil de 2002, norma que não estava em vigor em 1997, quando a Nova Moema fez o empréstimo em dólar.

O texto diz que "nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação".

Na petição dos embargos de divergência, a Nova Moema diz que tem direito subjetivo de obter adequação do contrato, com divisão dos encargos, nos moldes firmados pelo STJ, para que não seja obrigada a suportar, sem causa justa, nem jurídica, os danosos efeitos da inesperada variação da moeda.

Everton Amaro/FIESP
Causa tem parecer do ministro aposentado do STJ, Sidney Benetti, a favor da aplicação da teoria da imprevisão
Everton Amaro/FIESP

"Ao afastar a teoria da imprevisão, o acórdão embargado reputou esperada a crise cambial de 1999, divergindo de vários precedentes dessa Corte que a qualificaram, com todo o acerto, de imprevisível", diz a petição.

A imprevisibilidade da crise cambial e seus efeitos sobre o contrato já foram atestados em pareceres dos ministros aposentados do STJ Sidnei Beneti e Ruy Rosado — este morreu em agosto de 2019 — levados aos autos antes do julgamento da 3ª Turma.

Beneti, em 2019, destacou que a Justiça deve determinar que a Nova Moema e o Banco Cidade dividam por igual as consequências da desvalorização do real em 1999.

Por outra parte, a Buena Companhia Securitizadora de Créditos Financeiros encomendou parecer em favor do Banco Cidade em que o jurista Arnoldo Wald, sócio do Wald, Antunes, Vita e Blattner Advogados, apresenta posição contrária.

Wald apontou que a variação cambial não é um evento imprevisível e excepcional. Além disso, não gera "extrema vantagem" à instituição financeira. Segundo o jurista, a alteração na cotação da moeda é risco inerente ao negócio, assumido pelo devedor ao contratá-lo.

Os embargos de divergência na Corte Especial foram admitidos e serão relatados pelo ministro Mauro Campbell, que ainda concedeu liminar para suspender decisão tomada no âmbito da execução contra a Nova Moema que determinou a penhora de todo o faturamento do Shopping Center Colinas e a alienação judicial dos imóveis penhorados que compõem o mesmo.

Clique aqui para ler a petição dos embargos de divergência
Clique aqui para ler a decisão que admite os embargos de divergência
Clique aqui para ler a decisão em tutuela provisória
EREsp 1.447.624

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