Embargos culturais

Anísio Teixeira e os dilemas da educação brasileira

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente pela USP doutor e mestre pela PUC- SP advogado consultor e parecerista em Brasília. Foi consultor-geral da União e procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

12 de setembro de 2021, 8h00

Spacca
O educador Anísio Teixeira nasceu em Caetité, na Bahia, em 12 de julho de 1900. Fez seus estudos primários e secundários com os jesuítas. Formou-se em Direito no Rio de Janeiro em 1922. Atuou como inspetor de ensino na então capital federal. Em 1924, de volta à Bahia, assumiu o cargo de diretor-geral de instrução. Durante três anos, de 1924 a 1927, qualificou-se com notável administrador de problemas de ensino. Foi para os Estados Unidos em 1927. Estudou com o grupo de John Dewey, o grande pedagogo norte-americano. Esteve na Universidade de Columbia, comissionado pelo Governo da Bahia.

Em 1931 começou a trabalhar no Ministério da Educação. Em 1932 foi um dos signatários do Manifesto dos Pioneiros, ao lado, entre outros, de Fernando Azevedo. Pensavam um sistema educacional público, gratuito, obrigatório e leigo. Afastou-se da Igreja e sofreu dura campanha de Alceu Amoroso Lima, o nosso grande pensador católico. Em 1935 foi nomeado Secretário-Geral de Instrução Pública no Distrito Federal. No mesmo ano, por causa do levante da Aliança Nacional Libertadora, ao qual por alguns foi identificado, perdeu o cargo. Foi substituído por Francisco Campos, de quem frequentemente discordava em assuntos pedagógicos. Francisco Campos defendia uma educação liberal e progressista, porém efetivava programas de uma educação conservadora e elitista; era muito contraditório.

Anísio então passou por uma época de ostracismo. Tornou-se empresário na Bahia, atuando no ramo de exportação de manganês. Em 1946 foi para a Europa. Viveu em Londres e em Paris. Trabalhou como conselheiro para a educação superior junto à UNESCO. Em 1947 voltou para o Brasil. Foi Secretário de Educação no governo de Otávio Mangabeira, avô de Roberto Mangabeira Unger, filósofo brasileiro que leciona nos Estados Unidos. Mangabeira conta que, quando criança, era amigo dos secretários do avô. Entre eles, Anísio Teixeira.

Em 1951 assumiu o Secretariado-Geral da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior-Capes. Posteriormente, dirigiu o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos-INEP. Em 1962 foi nomeado membro do Conselho Federal de Educação. No ano seguinte foi reitor interino da Universidade de Brasília, substituindo Darcy Ribeiro, que assumiu o Gabinete Civil da Presidência da República, no Governo João Goulart.

Entre 1964 e 1966 Anísio Teixeira foi professor nos Estados Unidos, atuando em Nova Iorque e depois na Califórnia. Retornando ao Brasil atuou como consultor educacional na Fundação Getúlio Vargas. Em 1970 foi honrado como professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faleceu nesta cidade, em 11 de março de 1971. A condições de sua morte são suspeitas e até hoje muito discutidas. Um mistério. O educador foi encontrado morto no fosso do edifício onde residia Aurélio Buarque de Holanda, de quem era amigo.

Anísio não se atormentava com valores que se perdem. Acreditava em valores que se adicionam. A obra de Anísio é permanente reflexão em torno de nossos temas e problemas educacionais. Incomodava-se com uma “educação superior de tipo utilitário e restrito às profissões, esquecendo-se de sua função de formadora da cultura nacional e da cultura científica chamada pura ou desinteressada”. Educar para que? Parece essa uma questão, que na verdade supõe ainda outra: a quem educar?

Anísio estudou com John Dewey nos Estados Unidos e lutou para instituir entre nós modelo de educação pragmática, chamada de Escola Nova. Os tempos de Anísio eram outros. Os dilemas e problemas também eram outros. Profundamente influenciado pelo pragmatismo norte-americano, Anísio Teixeira enfatizava a necessidade de a escola oferecer reais situações de vida e problemas genuínos.

A proliferação e o acesso do aluno a ferramentas de comunicação, representadas pelo mundo virtual, reforça o valor dessa premissa, o que revela a atemporalidade dos problemas enfrenados por Anísio. Creio que sua maior preocupação era a limitação das condições de vida, que impedia o acesso de milhões de pessoas aos processos de educação formal. Criticava subvenções de toda natureza para atividades educacionais “sem nexo nem ordem, puramente paternalistas ou francamente eleitoreiras”.

A pandemia da Covid-19 realça alguns desses problemas. As limitações de acesso a aulas não presenciais, em todos os níveis, é um fator de discriminação, cujos reflexos já sentimos. Ainda de acordo com Anísio, “os métodos eficientes em educação são aqueles que dão alguma coisa a fazer, e como fazer demanda reflexão e observação, e o resultado é alguma coisa aprendida”.

A eficiência da educação predica no aprendizado. Este pressupõe tarefas, no sentido não burocrático da expressão. Tarefas pressupõem o estímulo. E o estímulo se constrói com o interesse, que radica no afeto pelo que queremos aprender. A grande missão educacional, nesse sentido, consiste na magia arcana de se despertar no aluno o gosto pelo estudo. É a origem da expressão “de cor”, que suscita menos uma memorização mecânica, e muito mais uma ação “de coração”, onde metaforicamente residem o afeto e o amor. Talvez essa constatação, entre tantas outras, seja a grande lição desse notável educador.

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