À Prova de Revisão

Suprema Corte dos EUA nega pedido liminar para barrar lei antiaborto do Texas

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10 de setembro de 2021, 16h25

O Legislativo do Texas aprovou e o governador sancionou a lei antiaborto mais draconiana do país provavelmente inconstitucional. Mas a lei passou no teste da revisão judicial da Suprema Corte dos EUA. Em uma decisão de apenas um parágrafo, a corte negou um pedido de liminar para barrar a entrada em vigor da lei do Texas que bane o aborto após a sexta semana de gravidez um período tão curto que dificilmente a mulher saberá que está grávida.

John C. Thomas / Freepik
Suprema Corte dos Estados Unidos
John C. Thomas / Freepik

A lei obriga médicos e clínicas de aborto a fazer um ultrassom para detectar batidas cardíacas no feto, o que pode ocorrer após seis semanas. Se elas forem detectadas, o aborto é proibido.

A Suprema Corte admitiu que a lei provavelmente levanta "sérias questões de constitucionalidade". Parece óbvio porque ela viola precedente de 1973 da própria corte, que legalizou o aborto em todo o país. A corte decidiu, então, que um aborto pode ser feito até que seja determinada a "viabilidade fetal", o que normalmente ocorre entre 22 e 24 semanas de gravidez.

Mas alegou, em seu curto despacho, que as autoras do pedido de emergência — organizações pró-aborto, como Planned Parenthood e Whole Woman’s Health — não satisfizeram o "ônus processual" de apresentar fortes argumentos que prevaleceriam no julgamento do mérito; por exemplo, que seriam irreparavelmente prejudicadas se a lei não fosse bloqueada, que o balanço das equidades as favorece e que a suspensão da lei é consistente com o interesse público.

A corte argumentou que as autoras de ações semelhantes não podem processar uma lei. Também não podem processar o estado, que tem imunidade soberana. Se quiserem processar alguém, devem mirar as pessoas encarregadas de executar a lei, normalmente autoridades federais ou estaduais. No caso da lei do Texas, autoridades estaduais.

E aí está a "jogada" legislativa concebida pelos parlamentares republicanos do Texas. A lei não encarrega autoridade estadual alguma de executar a lei. Por exemplo, se a lei encarregasse a polícia ou a promotoria de processar os violadores da lei, as organizações poderiam processá-las para bloquear a entrada em vigor da lei. Se obrigasse o Conselho de Medicina e cancelar a licença de médicos que violassem a lei, poderiam processar o conselho.

Em vez disso, a lei atribui a qualquer cidadão, indefinido na lei, a capacidade de processar clínicas de aborto que violarem as normas, bem como médicos, enfermeiros, atendentes, qualquer pessoa que conduzir a mulher à clínica ou a ajudar de qualquer forma a fazer tal procedimento.

Obviamente, não é possível mover uma ação contra alguém que não se sabe quem é, com o objetivo de bloquear a entrada em vigor da lei, porque ninguém processou ninguém até agora. Assim, a Suprema Corte permitiu que a lei entrasse em vigor.

Dessa forma, um vizinho, um amigo ou um familiar que descobrir que uma mulher fez um aborto após a sexta semana de gravidez, poderá mover ações privadas contra os "infratores" em diversas jurisdições, com a garantia de receber uma recompensa de US$ 10 mil por ação vencedora (a ser paga pelos "violadores da lei").

A ministra Sonia Sotomayor, da ala liberal da Suprema Corte, argumentou, em voto dissidente, que isso cria no Texas uma nova categoria de caçadores de recompensa argumento que também é repetido pelas organizações pró-aborto. E esses até agora desconhecidos caçadores de recompensa texanos serão, então, os executores da lei.

Todos os custos do processo, incluindo honorários advocatícios dos "executores da lei", deverão ser pagos pelas clínicas e pessoas processadas, nunca pelos autores da ação, diz a lei. Isso deverá inviabilizar economicamente as operações das clínicas, que terão que investir muito tempo e dinheiro para se defender em cidades diferentes.

A lei abre exceção para abortar a mulheres em risco de morte. Mas não exclui casos de gravidez por estupro ou incesto. Questionado sobre a ausência dessa proteção às mulheres, o governador Greg Abbott declarou que vai eliminar todos os estupradores das ruas do Texas, porque vai prendê-los e processá-los.

A decisão foi tomada por 5 votos a 4, em um procedimento da Suprema Corte conhecido como "shadow docket" (pauta obscura), em que não há audiências para discutir o caso com as partes, nem todas as petições usuais são apresentadas.

A corte tem seis ministros conservadores e três ministros liberais. O voto dissidente de um ministro conservador veio do presidente da corte, John Roberts. Ele escreveu que a corte deveria bloquear temporariamente a entrada em vigor da lei, para que as cortes inferiores pudessem julgar o caso. E decidir se o estado pode, realmente, evitar a responsabilidade por suas leis, delegando-a à população em geral.

A corte também decidiu que, por não julgar a constitucionalidade da lei, partes contrárias a ela poderão, a qualquer tempo, questioná-la na justiça, desde que o façam de maneira apropriada.

O Departamento de Justiça dos EUA (DoJ) anunciou na quinta-feira (9/9) que irá se encarregar a mover uma ação contra o estado do Texas, para bloquear a vigência da lei. No entanto, o procurador-geral Merrick Garland não esclareceu como vai vencer as objeções técnicas apontadas pela última decisão da Suprema Corte.

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