Licitações e Contratos

A nova Lei de Licitações e as mudanças estratégicas nas empresas

Autor

  • Jonas Lima

    é sócio de Jonas Lima Advocacia especialista em Direito Público pelo IDP especialista em compliance regulatório pela Universidade da Pensilvânia ex-assessor da Presidência da República (CGU).

10 de setembro de 2021, 8h00

O cenário de transição para o regime instituído pela Lei nº 14.133/2021 envolve várias questões inovadoras, mas algumas delas se destacam com mais ênfase para o ambiente de planejamento estratégico das empresas privadas que se dedicam às licitações e aos contratos de governo.

Spacca
1 – Atenção com as fusões e aquisições e os administradores não sócios
Será necessária a preparação estratégica em matéria de fusões e aquisições, pois, nos termos dos artigos 14, § 1º, e 160 da lei, ficou evidente que empresas de mesmo grupo ou sucessoras de outras podem ser atingidas em seus interesses em casos de sanções aplicadas anteriormente. Entretanto, será essencial comprovar um ilícito e a intenção de burlar a sanção, sendo que o processo demandará ampla defesa e contraditório.

Mas fica o alerta, pois a situação tratada terá amplitude, inclusive, sobre os administradores não sócios das empresas. Em síntese, atenção redobrada a partir de agora nas operações societárias e nas responsabilidades que podem recair até mesmo sobre colaboradores.

2 – Contabilidade dos 2 últimos exercícios
Se já ocorriam polêmicas para algumas empresas quanto a ajustes em contabilidade de um só exercício, especialmente sobre índices contábeis a serem considerados na habilitação, agora mais ainda haverá a necessidade de afinar o trabalho com contadores das empresas, pois o artigo 69, inciso I, da lei trouxe a novidade da exigência de balanço patrimonial, demonstração de resultado de exercício e demais demonstrações contábeis dos 2 (dois) últimos exercícios sociais.

Isso mudará de forma radical os planejamentos comerciais e tributários, porque agora para licitação a empresa será vista de forma mais abrangente em seu histórico e não se pode remediar ou alterar, facilmente, certas situações em contexto como esse, de alargamento do tempo a ser considerado para a documentação contábil da empresa.

3 – Mais atenção com subcontratados
Pela primeira vez se tem uma norma como a do artigo 67, § 9º, da lei, tratando da documentação relativa à qualificação técnico-profissional e técnico-operacional com a possibilidade de que seja feita exigência de atestados de potenciais subcontratados, em até 25% do objeto licitado; [GCeS1] ou seja, haverá necessidade de estabelecer uma visão mais apurada e de longo prazo com eventuais parceiros e fornecedores com os quais a licitante se dedique a trabalhar.

Agora, mais que nunca, será essencial atentar para o desempenho passado de cada um deles, porque isso será considerado na composição para habilitação.

4 – Cadastro unificado de licitantes e histórico a considerar
A criação do cadastro único de fornecedor, nos termos do artigo 87 da lei, instrumento que com a regulamentação passará a ser utilizado por entes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, facilitará por demais o acesso e minimizará riscos para licitantes, no aspecto de "esquecimento de documentos", nas mais diversas licitações.

Ocorre que isso terá efeito colateral de dar maior integração de informações sobre sanções, sendo oportuno lembrar que, nos termos dos artigos 88, §4º, e 36, §3º, da lei, serão considerados dados do "desempenho pretérito" da empresa em outros contratos públicos, isso sendo contado em eventual pontuação técnica nas futuras licitações, o que demanda que se tenha uma visão diferente sobre a gestão do cadastro da empresa e rigoroso compliance.

5 – Prazos para tomada de decisões
A nova lei veio a concretizar garantias da razoável duração do processo e segurança jurídica quando, por exemplo, fixou em seu artigo 92, incisos X e XI, respectivamente, a previsão de que editais estabeleçam contratos com prazo para a decisão sobre pedido de repactuação e para a decisão sobre pedido de reequilíbrio, além do artigo 123, § 1º, com o prazo de 1 (um) mês, prorrogável, para decisão sobre requerimentos.

Essa nova forma de tramitação procedimental exigirá da empresa que sua equipe fique atenta aos detalhes para evitar incertezas e perda de prazos ou de tempo em suas demandas ligadas aos contratos administrativos.

6 – Menor tolerância com atrasos de pagamentos
Pelo artigo 137, 2º, inciso IV, da lei, haverá direito de extinção do contrato após dois meses de atraso de pagamento pela Administração, o que não é o ideal, mas já reduz 1/3 o tempo em relação ao que se tinha na Lei nº 8.666/93.

De todo modo, as empresas precisam passar essa nova diretriz aos seus gestores de contas para que possam bem fazer valer essa regra, que vem minimizar a descapitalização ou perda de fluxo de caixa.

7 – Mais respeito à ordem cronológica de pagamentos
O disperso regime aplicável aos assuntos de pagamento em ordem cronológica continha a figura penal relativa ao pagamento fora de ordem de exigibilidade das faturas por ente público, mas com o artigo 141 da nova lei essa obrigação ganhou reforço como padrão, salvo exceções bem delimitadas, o que dará mais objetividade para comprovação dos casos de efetiva burla na ordem cronológica. Além disso, a situação é também referenciada na nova figura típica do artigo 337-H do Código Penal.

Essa será outra matéria a exigir diligências rotineiras por parte das empresas.

8 – Pagamento de parcela incontroversa de fatura
Finalmente, com o artigo 143 da lei evitar-se-á que faturas inteiras tenham tramitação paralisadas e voltem ao fim de ordem cronológica, porque a nova lei permite pagamento de fatura na parcela incontroversa, deixando pendente apenas a parte em que se entender haver alguma divergência.

Isso demandará atenção especial de cada empresa contratada, para não deixar esse direito sendo relegado ou esquecido. Trata-se, na verdade, de uma essencial ferramenta de maior sustentação econômico-financeira a ser constantemente considerada.

9 – Nulidades, consequências práticas e saneamento
Muitas situações deixarão de ter nulidades a inviabilizarem de imediato licitações e seguimento de contratos, pois a sistemática estabelecida nos artigos 71 (saneamento de irregularidades e consideração sobre o que for insanável) e 147 (nulidade condicionada ao estudo e à avaliação das consequências práticas da decisão a ser tomada, mediante vários fatores), exigirá exercício nunca visto de preservação de atos administrativos e possibilidade de reverter falhas que possam ser saneadas em licitações e em contratos, como mencionado.

Isso poderá levar a algo favorável ou contrário, a depender da visão de um interesse ou outro, de quem estiver em determinada posição como de adjudicatário ou contratado ou excluído ou prejudicado, de modo que dirigentes precisam se atentar para essa nova forma de lidar com a processualística, que tende a reduzir a quantidade de procedimentos em tribunais de contas e na via judicial, pois muitas situações poderão ser revolvidas na esfera administrativa, com uma relevante diferença prática em relação ao que se tinha no regime legal anterior.

10 – Prioridade na tramitação de processos judiciais
Com a nova redação do artigo 1.048, inciso IV, do Código de Processo Civil, objeto de inclusão pelo artigo 177 da lei, agora licitantes podem requerer aos magistrados prioridade em seus processos anteriores ou novos, sobre licitações e contratos, para evitar maiores prejuízos decorrentes de demora judicial. Isso tende a evitar perda de objeto e sentido prático de várias ações de empresas, licitantes ou contratadas, o que precisará ser avaliado por departamentos jurídicos internos e escritórios de advocacia que trabalhem para as empresas.

Cabe concluir lembrando que alguns tribunais de contas possuem em seus regimentos internos normas que tratam da aplicação de "leis processuais aplicáveis subsidiariamente" aos seus processos. Isso significa que, em tese, essa inovação tende a trazer reflexos em parcela dos processos dentro dos tribunais de contas, por força específica das referências constantes de seus regimentos internos.

Conclusão
De tantas mudanças que a lei traz nas mais variadas áreas, como nas modalidades licitatórias, nos procedimentos de controle e outras, existem algumas que devem ser consideradas de cunho muito estratégico para determinadas implementações dentro das empresas privadas.

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    é advogado especialista em licitações e contratos, pós-graduado em Direito Público pelo IDP e Compliance Regulatório pela Universidade da Pensilvânia e sócio do escritório Jonas Lima Sociedade de Advocacia.

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