Fábrica de Ideias

A inovação na pauta do Banco Central

Autores

  • Otávio Damaso

    é diretor de Regulação do Banco Central do Brasil já ocupou os cargos de chefe de Gabinete do presidente do Banco Central e de secretário-adjunto de Política Econômica no Ministério da Fazenda presidiu os Conselhos de Administração da Caixa Econômica Federal do IRB Brasil RE e do Banco do Estado do Ceará formado em Economia na Universidade de Brasília funcionário de carreira do Banco Central desde 1998.

  • Henrique Machado

    é é ex-procurador do Banco Central do Brasil pós-graduado em Direito Público pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e em Direito Econômico da Regulação Financeira pela Universidade de Brasília (UnB) membro da Comissão de Mercado de Capitais da OAB/RJ. professor convidado da FGV-Rio OAB/DF IDP e Kope advogado e sócio do escritório Warde Advogados.

9 de setembro de 2021, 13h00

Na última terça-feira (1º/9), Henrique Machado, presidente do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE) Mercado, conversou com Otávio Damaso, diretor de Regulação do Banco Central do Brasil (BCB) sobre o impacto de iniciativas regulatórias em andamento e as perspectivas para o futuro próximo, abordando temas atuais como Pix, open banking, Pix, finechs, sandbox regulatório e LIFT Lab. O debate se insere no ciclo de diálogos promovido pelo IREE Mercado, que já contou com a participação do presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Marcelo Barbosa (veja o resumo aqui). A seguir, você verá uma síntese dos principais temas discutidos no webinar.

Pix     
Ha cerca de quatro anos, o BC iniciou estudos para o desenvolvimento de um sistema de pagamentos instantâneo simples, barato e seguro, inspirado em iniciativas na Europa, especialmente Suécia, e Ásia, particularmente na China. Hoje o Pix é uma realidade — e um sucesso, com mais de 300 milhões de chaves cadastradas, 100 milhões de usuários e movimentação de cerca de meio trilhão de reais desde seu lançamento em novembro de 2020. Assim, vale a pena destacar algumas das lições aprendidas nessa jornada.

Quando se decide realizar um projeto desse porte, é preciso definir orçamento e competências e responsabilidades internas, além de um exame minucioso da conformidade com a regulação vigente e da necessidade de adaptações, com a criação de novas normas. As prioridades no desenho da solução foram uma boa e segura experiência do cliente e o modelo de tarifação.

No futuro próximo, como já divulgado oficialmente pelo BC, haverá o Pix saque e o Pix troco, permitindo transações de saque em estabelecimentos comerciais, o Pix boleto e o Pix offline, ampliando o escopo de serviços e a conveniência para os cidadãos.

Na agenda regulatória do Banco Central (BC), denominada de Agenda BC#, uma das dimensões de atuação da autarquia é o incentivo à competitividade, permitindo o ingresso seguro de novos entrantes no mercado financeiro mediante a adaptação da regulação em face dos riscos e das inovações impulsionadas por avanços tecnológicos. O Pix é uma iniciativa que se encaixa na dimensão de competitividade da Agenda BC# porque proporciona a possibilidade de estabelecimento de novos entrantes com soluções inovadoras e práticas, aumentando o bem-estar do consumidor de produtos e serviços financeiros.

Open banking
Outra iniciativa que se insere na dimensão de competitividade da Agenda BC# é o open banking, que toma como ponto de partida a noção de que os dados de movimentação financeira e investimentos pertencem ao próprio cliente. E, diante dessa constatação, o consumidor de produtos e serviços financeiros tem o direito de compartilhar esses dados de forma padronizada, organizada, digital e segura com outras instituições financeiras a fim de obter propostas alternativas em termos de operações de crédito e transações de pagamentos. Essa premissa é fundamental para aumentar a competitividade no setor, permitindo que o open banking seja a base para uma série de inovações e novos modelos de negócios.

A fim de ilustrar as possibilidades criadas pelo open banking, podemos citar o compartilhamento de informações para cálculo do limite e taxa de juros de cheque especial, um produto que não é objeto de competição atualmente, e a facilitação do cálculo da taxa de juros e do montante de financiamento imobiliário a partir de dados acerca do histórico de crédito e relacionamento. Outra possibilidade é a consolidação de dados de uma empresa de pequeno ou médio porte que tem contas em vários bancos, mas não possui um fluxo de caixa unificado. Nesse caso, uma fintech poderia permitir essa agregação de dados, facilitando a gestão financeira e, ao mesmo tempo, oferecendo uma visão mais abrangente sobre a capacidade financeira daquela empresa para fins de obtenção de crédito.

A ideia geral é a de que o open banking pode permitir que "você crie seu próprio banco", mediante a oferta personalizada de serviços, mesclando produtos de diferentes bancos e reunindo em um único lugar todos dados necessários para a contratação da operação.

Segurança
No Brasil, é possível afirmar que os bancos possuem um elevado nível de credibilidade no que diz respeito à salvaguarda dos dados de seus clientes. Atualmente, a preservação da integridade desses dados é um dever decorrente da Lei do Sigilo Bancário e o open banking não conflita com essas regras só participam da iniciativa as instituições que são autorizadas, reguladas e fiscalizadas pelo BC.

Ademais, o compartilhamento só pode ocorrer com a autorização do cliente, que indica quem pode acessar seus dados, quais são os dados a serem compartilhados e qual o escopo de seu tratamento. No desenvolvimento das soluções pelas instituições participantes, também vale destacar as regras de governança estabelecidas pelo BC, a fim de garantir a representatividade, o acesso não discriminatório e a mitigação de conflitos de interesse.

Maior open banking do mundo?
Não seria exagero afirmar que temos hoje no Brasil a iniciativa mais abrangente de open banking do mundo, desenvolvida em ritmo bastante acelerado, a partir da observação, pelo BC, de experiências internacionais, particularmente no Reino Unido, Cingapura, Hong Kong e Austrália.

A implementação do open banking, conforme anunciada pelo BC# é dividida em quatro etapas, iniciando com o compartilhamento de dados de produtos e serviços das instituições participantes (fase 1), seguido do compartilhamento de dados cadastrais e de transações dos clientes (fase 2), atualmente em curso. Então, haverá a implementação de serviços de iniciação da transação de pagamentos e encaminhamento de proposta de crédito (fase 3), seguida do compartilhamento de informações relativas a investimentos (open finance), seguros (open insurance) e previdência complementar (fase 4). O cronograma e maiores informações podem ser encontrados aqui.

Fintechs
Há atualmente dois tipos de fintechs reguladas pelo BC: as Sociedades de Crédito Direto (SCD) e as Sociedades de Empréstimos entre Pessoas (SEP), disciplinadas pela Resolução CMN no 4.656/2018. As SCDs podem oferecer operações de crédito com capital próprio e as SEPs realizam a intermediação de operações de crédito entre indivíduos. Até agosto de 2021, temos 52 SCDs autorizadas e 9 SEPs. A lista de instituições autorizadas pode ser encontrada no site do BC.

No passado recente, temos visto que várias instituições não financeiras estão começando a ingressar no mercado financeiro obtendo a autorização para atuar como SCDs, a fim de oferecer soluções financeiras para suas operações comerciais e seus clientes. O risco associado a essas instituições é mitigado pela impossibilidade de captação de depósitos.

Nesse contexto, merece destaque o impacto do Pix na concorrência no setor bancário, ao favorecer as soluções oferecidas por fintechs e bancos digitais que não contam com agências físicas, viabilizando saques fora da rede de ATMs utilizadas pelos bancos tradicionais. Ainda, o compartilhamento de dados de clientes proporcionado pelo open banking favorece o desenvolvimento de novos modelos de negócios e soluções para o consumidor de produtos e serviços financeiros.

Sandbox regulatório e LIFT Lab
O primeiro ciclo do sandbox regulatório do BC ainda está em curso, com a análise de propostas, de modo que não é possível formular conclusões acerca do seu impacto. A ideia é recepcionar soluções inovadoras com a flexibilização de regras e a autorização para funcionamento dentro de determinados limites, criando um ambiente controlado para experimentação em termos de negócios e regulação.

A solução inovadora não necessariamente precisa fazer uso de uma nova tecnologia, pois o foco é a inovação no modelo de negócio, com o aumento da eficiência, redução de custos e diversificação de serviços. Um diferencial é a relação com as demais dimensões da Agenda BC#, tais como sustentabilidade e a competividade (especialmente por meio da integração com o Pix e diálogo com o open banking).

Antes do sandbox regulatório, alguns projetos foram gestados no âmbito do LIFT Lab, com empresas que propuseram soluções inovadoras e hoje estão crescendo no mercado, envolvidas em operações societárias relevantes. O LIFT Lab procura contribuir para a educação financeira, segundo uma via de mão dupla: com a educação financeira os cidadãos aprendem a gerir suas finanças e se organizar e as instituições financeiras passam a lidar, desse modo, com clientes mais sofisticados e preparados. O consumidor precisa de conhecimento para que possa fruir melhor dos produtos e serviços oferecidos.

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    é diretor de Regulação do Banco Central do Brasil, já ocupou os cargos de chefe de Gabinete do presidente do Banco Central e de secretário-adjunto de Política Econômica no Ministério da Fazenda, presidiu os Conselhos de Administração da Caixa Econômica Federal, do IRB Brasil RE e do Banco do Estado do Ceará, formado em Economia na Universidade de Brasília, funcionário de carreira do Banco Central desde 1998.

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    é ex-procurador do Banco Central do Brasil, foi chefe de gabinete do ministro presidente do Banco Central entre 2009 e 2010, foi secretário do Conselho Monetário Nacional, secretário-executivo adjunto do BC e secretário-executivo do Comitê de Regulação e Fiscalização dos Mercados Financeiro, de Capitais, de Seguros, de Previdência e Capitalização (Coremec), entre 2010 e 2016, foi diretor da CVM de julho de 2016 a dezembro de 2020, pós-graduado em Direito Público, pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), e em Direito Econômico da Regulação Financeira, pela Universidade de Brasília (UnB), membro da Comissão de Mercado de Capitais da OAB/RJ, professor convidado da FGV-Rio, OAB/DF, IDP e KOPE, advogado e sócio do escritório Warde Advogados.

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