Em nome da imparcialidade

Arizona, nos EUA, extingue recusas peremptórias na seleção do júri

Autor

8 de setembro de 2021, 9h59

O Tribunal Superior do Arizona, nos EUA, anunciou que, a partir de 1º de janeiro de 2022, a seleção do júri para julgamentos criminais e civis no estado não mais terá recusas peremptórias ou imotivadas (peremptory challenges), um recurso que permite a advogados e promotores eliminar candidatos a jurados sem qualquer justificativa há centenas de anos — ou, praticamente, desde que o júri começou a existir no país, ainda na época colonial.

123RF
A ordem expedida pelo tribunal superior em 20 de agosto, mas só divulgada agora, modifica o código de processo penal e o código de processo civil do estado apenas para extinguir as recusas peremptórias, porque elas dão margem à discriminação racial. Frequentemente, pessoas negras são eliminadas do júri, em julgamentos de réus negros. Essa e outras formas de discriminação resultam, muitas vezes, em anulação do julgamento.

O recurso da recusa motivada (challenge for cause) continuará disponível a advogados e promotores. Mas eles devem apresentar uma boa razão, tal como a de que o candidato a jurado será incapaz de oferecer um veredicto justo ou de ser imparcial, por preconceito, por conhecer o caso, se foi divulgado pela mídia, e por experiências pessoais.

De qualquer forma, o juiz irá considerar a razão e poderá negar a recusa, se achar que o jurado poderá ser imparcial. Uma situação frequente, em que o juiz aceita a alegação de recusa motivada, é a de jurados que têm opinião formada — por exemplo, a de uma pessoa que é contra a pena de morte, em um julgamento criminal em um estado em que a pena de morte é uma sentença possível.

O tribunal superior decidiu extinguir a recusa peremptória na seleção do júri após a divulgação de um estudo feito no Condado de Maricopa, no Arizona, que mostrou uma grande disparidade na eliminação sem causa de candidatos a jurados: os promotores eliminaram desproporcionalmente pessoas negras e os advogados de defesa eliminaram desproporcionalmente pessoas brancas em casos criminais, segundo esse estudo.

Nos EUA, a controvérsia sobre a recusa peremptória é antiga. Em 1986, por exemplo, a Suprema Corte decidiu, no caso Batson v. Kentucky, que a eliminação de grupos de pessoas baseada em raça viola o direito à igualdade das partes. Nessa decisão, o ministro Thurgood Marshall escreveu, em voto separado, que o fim do racismo na seleção do júri só pode acontecer com a eliminação total da recusa peremptória.

Os advogados de defesa estão divididos nessa questão. Mas os juízes, de uma maneira geral, a aprovam, porque ela gera casos de condenação errada e anulação de julgamentos, que podem custar caro aos réus e suas famílias, bem como aos cofres públicos.

A comunidade jurídica dos EUA está na posição de esperar para ver o que vai acontecer no Arizona e subsequentemente, no resto do país. Acredita-se que a medida tomada pelo tribunal superior do Arizona irá, provavelmente, ser copiada por muitos estados dos EUA — a começar pelo Mississippi.

Recentemente, a Suprema Corte dos EUA mandou soltar Curtis Flowers, um cidadão negro, que foi levado a seis julgamentos pelo mesmo promotor, Doug Evans, em Mississippi. Em todos os julgamentos, Evans eliminou candidatos negros a jurados, além de cometer outras más condutas, o que resultou em anulação de julgamentos.

Finalmente, a justiça concluiu que Flowers era inocente. Mas ele passou anos na prisão e isso custou US$ 500 mil ao estado de Mississipi em indenização: US$ 50 mil por ano, pelo período de 10 anos.

Em março deste ano, ele moveu uma ação civil contra Evans e mais dois investigadores da polícia que o ajudaram a fabricar provas. Flowers deixou para os jurados desse processo civil a decisão sobre o valor da indenização.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!