Mais uma patacoada

Especialistas repudiam ameaças ao STF e reunião do Conselho da República

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7 de setembro de 2021, 15h15

Os novos ataques de Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal e o anúncio de uma reunião não convocada do Conselho da República foram repudiados por profissionais do Direito ouvidos pela ConJur criticaram as declarações do presidente.

Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Agência BrasilBolsonaro voltou a atacar e ameaçar o STF, em especial o ministro Alexandre de Moraes

O constitucionalista Lenio Streck classificou a fala como mais uma “patacoada” de Bolsonaro e lembrou que o Conselho da República é apenas um órgão consultivo, que não tem poder de decisão.

“Convocar para quê? Para enfrentar o caos que ele criou? Parece o caso Riggs v. Palmer de 1895, em Nova York. Elmer mata o avô para ficar com a herança. Desde lá se sabe que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza. Trago esse caso como metáfora. De que outro modo descrever esse estado de horror institucional?”, disse o advogado.

O Conselho da República é um órgão superior de consulta da presidência. Sua função é pronunciar-se sobre intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio ou sobre as questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas.

“Amanhã estarei no Conselho da República, para nós, juntamente com o presidente da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, com esta fotografia de vocês, mostrar para onde nós todos devemos ir”, afirmou Bolsonaro. Acontece que nem Arthur Lira, nem Rodrigo Pacheco e nem Luiz Fux sabiam da reunião do conselho. E o presidente do STF não integra o órgão.

O criminalista Luís Guilherme Vieira questionou se o Conselho da República agora se reúne para julgar fotografias, como dito por Bolsonaro: “Confio que os conselheiros, que têm mandato, portanto, não podem ser exonerados a bel-prazer do presidente, cumpram com suas republicanas missões, não atendendo a convocação de tal jaez, ou o conselho será desmoralizado por Bolsonaro”.

Para Rodrigo Brandão, professor de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, é “absolutamente sem propósito” a convocação do Conselho da República.

“Não se pode usar o argumento da liberdade para se conspirar contra a democracia (sem a qual ela não é protegida), para se justificar medidas gravíssimas que promovem a sua restrição, e para substituir um modelo de separação dos poderes que consiste na sua maior proteção institucional em face do autoritarismo, que naturalmente a solapa”, afirmou em sua página no Facebook.

Integrantes do Conselho da República
Comandado pelo presidente, o conselho é integrado pelo vice-presidente e pelos presidentes da Câmara e do Senado, mas não pelo presidente do STF. O conselho também conta com os líderes da maioria e da minoria na Câmara e no Senado, o ministro da Justiça e outros seis brasileiros natos com pelo menos 35 anos, sendo dois nomeados pelo presidente, dois pelo Senado e dois pela Câmara. Qualquer decisão do Conselho, contudo, só vale se ratificada pela Congresso.

Diante das declarações de Bolsonaro, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse, pelas redes sociais, que já articulou com líderes partidários para que os dois indicados do Senado sejam ele e Omar Aziz, respectivamente, vice-presidente e presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19. O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), já integra o Conselho da República como líder da maioria no Senado.

“Adianto ao presidente que já estamos prontos para tomar seu depoimento. O senhor quer estar na condição de testemunha ou investigado? Estamos ansiosos!”, escreveu Randolfe em seu perfil no Twitter.

Rosinei Coutinho/SCO/STF
Rosinei Coutinho/SCO/STFPelas redes sociais, ministro Alexandre de Moraes voltou a defender a democracia

Ameaças ao Supremo      
Os ataques de Bolsonaro ao Supremo, em especial ao ministro Alexandre de Moraes, também repercutiram no mundo político e jurídico. O vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), disse que qualquer ato de violência contra o Congresso ou o STF tornará inevitável a abertura do processo de impeachment contra o presidente.

O presidenciável Ciro Gomes (PDT) disse que conversou com Alexandre de Moraes e manifestou “respeito e solidariedade” pelo trabalho do ministro, e também se solidarizou com “violentas e descabidas agressões e ameaças”. Já o governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite (PSDB) disse que foi um erro eleger e manter Bolsonaro no cargo.

O presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, convocou uma reunião extraordinária da executiva para, “diante das gravíssimas declarações do presidente da República, discutir a posição do partido sobre abertura de impeachment e eventuais medidas legais”.

O Advogado e professor de Direito Constitucional da PUC-SP Pedro Estevam Serrano disse que Bolsonaro tenta se colocar como guardião da Constituição”, papel que pertence ao Supremo. “O presidente não pode julgar o Supremo, ameaçá-lo e impedir seu pleno funcionamento. É um imenso autoritarismo”, afirmou.

Para o advogado José Luis Oliveira Lima, o presidente "extrapolou todos os limites e deve responder pelos seus atos". "A sociedade civil, a OAB e as entidades de classe devem se posicionar firmemente na defesa do Estado Democrático do Direito e principalmente do STF".

“Com a democracia não se brinca. A ameaça a outros poderes e o flerte com o arbítrio são atos contrários ao estado de direito. A Praça dos Três Poderes não pode ser o quintal onde um presidente cria suas guerras e fantasias, enquanto a economia eh abalada pela inflação e o país ainda convive com uma pandemia brutal", declarou o criminalista Pierpaolo  Cruz Bottini.

O ministro Alexandre de Moraes se manifestou apenas pelas redes sociais e voltou a defender a democracia brasileira, mas sem responder diretamente os ataques de Bolsonaro: “Nesse 7 de setembro, comemoramos nossa independência, que garantiu nossa liberdade e que somente se fortalece com absoluto respeito a democracia”.

Segundo o juiz federal Eduardo André Brandão, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Bolsonaro agiu de forma irresponsável e deu um péssimo exemplo ao pregar desobediência à determinações judiciais e, mais uma vez, lançar ataques pessoais a ministros do Supremo Tribunal Federal.

"As decisões judiciais são passíveis de recursos e podem ser impugnadas, conforme prevê a legislação processual. Portanto, é preciso repudiar discursos de ameaça ou de ódio contra qualquer magistrado. Atitudes desarrazoadas como essa afrontam as instituições da república e atentam contra a estabilidade democrática. Nesse momento, nosso país precisa de pacificação e respeito às leis, sobretudo aos mandamentos constitucionais, para enfrentar os efeitos da pandemia da Covid e a crise econômica, impulsionada pela alta da inflação e crescente desemprego", disse.

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