Opinião

Citação por meio eletrônico: primeiras reflexões processuais

Autor

  • Iago Batista

    é coordenador Jurídico na Unidas S.A. mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e com LL.M. em Direito Empresarial em curso no IBMEC.

5 de setembro de 2021, 15h12

A Lei do Ambiente de Negócios (14.195/2021), sancionada no último dia 26 com o intuito de promover a modernização do ambiente de negócios nacional e estimular o desenvolvimento econômico, promoveu substancial alteração no Código de Processo Civil (CPC ou 13.105/2015), dispondo que a citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até dois dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário.

A comunicação eletrônica dos atos processuais e até mesmo a possibilidade de citação eletrônica por meio de sistemas da Justiça já existia na Lei do Processo Eletrônico (11.419/2006) e no CPC, em seu antigo artigo 246, §1º. A grande novidade está na possibilidade de citação por "meio" eletrônico, o que se traduz na possibilidade de citação por e-mail e na sanção às empresas que deixarem de confirmar o recebimento sem justo motivo.

A lei estendeu a obrigação, que já era contida no artigo 246, §1º, do CPC, de que as empresas devem manter cadastro atualizado nos sistemas de processo eletrônico dos tribunais brasileiros, tornando obrigatória a confirmação de recepção das citações eletrônicas que ocorrerem via e-mail ("endereço eletrônico") no prazo de até três dias úteis contados do seu recebimento.

A empresa que deixar de confirmar o recebimento no prazo estipulado ou deixar de apresentar "justa causa" será multada em até 5% do valor da causa, sendo a omissão injustificada definida pela nova lei como ato atentatório à dignidade da Justiça.

As alterações, que entraram em vigor com a publicação da nova lei, suscitam muitas questões relativas à efetivação das suas exigências e à técnica processual, tais como:

A definição do que seria considerada justa causa para a ausência de confirmação do recebimento da citação eletrônica. É preciso verificar se o conceito aplicável será o do artigo 223, §1º, do CPC, que define justa causa como "evento alheio à vontade da parte e que a impediu de praticar o ato por si ou por mandatário";

— Como se dará a aferição do envio bem-sucedido da comunicação eletrônica pelo juízo para demonstração de que a citação foi recebida, embora possa não ter sido confirmada pela empresa destinatária;

— Se haverá sanção para as empresas que deixarem de informar e manter atualizados os seus dados cadastrais perante o Poder Judiciário e qual seria essa sanção; a ausência de delimitação da obrigação de cadastro, se vinculada à sede da empresa ou outros parâmetros (como o(s) local(is) do efetivo exercício da atividade empresarial, por exemplo);

— A disposição um tanto quanto confusa quanto ao termo inicial para contestação nos casos de "citação eletrônica" ou de "citação por meio eletrônico", com potencial de suscitar discussões quanto ao tratamento diferenciado para situações quase idênticas: enquanto o começo do prazo em caso de "citação eletrônica" é "o dia útil seguinte à consulta ao teor da citação ou ao término do prazo para que a consulta se dê" (artigo 231, V, CPC), no caso da nova "citação por meio eletrônico", o começo do prazo ocorre no "quinto dia útil seguinte à confirmação, na forma prevista na mensagem de citação, do recebimento da citação realizada por meio eletrônico" (artigo 231, IX, CPC, introduzido pela Lei de Ambiente de Negócios); 

 A necessidade de implementação, pelo CNJ, de uma plataforma unificada de comunicações judiciais, ainda inexistente [1], o que garantiria a instituição de "domicílios judiciais eletrônicos", com padronização do meio de citação e critérios mais objetivos para aferição do recebimento;

 A necessidade de regulamentação da integração entre a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim) e os sistemas do Poder Judiciário para citação das microempresas e empresas de pequeno porte, como passou a exigir o novo §6º do artigo 246 do CPC; e

— Como as empresas e jurídicos internos deverão garantir tanto a atualização do seu cadastro perante todos os tribunais dos estados ou regiões nas quais possuam sede, filial ou exercitem suas atividades, como a confirmação do recebimento das citações eletrônicas, evitando a multa de até 5% do valor da causa.

Com relação a essa última questão, o melhor caminho para as empresas e seus jurídicos internos é se antecipar às possíveis regulamentações e às discussões jurisprudenciais quanto ao descumprimento do dever de confirmar o recebimento por meio eletrônico, evitando o pagamento da multa.

O departamento jurídico deve revisar a sua rotina de trabalho, criando um endereço de e-mail específico para o recebimento de citações e intimações e informando-o no cadastro de todas as plataformas de tribunais aos quais a empresa possa ser acionada. Alguns tribunais já permitem o cadastramento de pessoa jurídica para comunicação dos atos processuais de forma eletrônica e, com as mudanças do CPC, essa adequação tende a se espalhar por todos os estados e regiões do país.

Recomenda-se ainda que o departamento tenha colaboradores designados e treinados para receber todas as comunicações por e-mail e confirmá-las, dando o devido direcionamento para cadastro na base de dados e envio ao advogado ou escritório externo responsável por conduzir o processo, com o registro de qual foi a data de confirmação do recebimento da citação, já que a partir dela é que se saberá o termo inicial do prazo para elaboração da defesa.

Outro fator muito importante para garantir a segurança jurídica e não sofrer com os impactos da alteração legislativa é o investimento em tecnologia.

A captura automatizada de novos processos judiciais, por meio de softwares de gestão jurídica, permite a localização dos novos processos ajuizados contra as empresas logo que são distribuídos.

Com uma boa parametrização das variações dos nomes da empresa a serem buscados, os sistemas de captura conseguem localizar mais de 90% dos novos processos antes mesmo da determinação de citação, gerando o cadastro automático no sistema de gestão do jurídico, caso haja essa integração.

Isso permite que as empresas se antecipem, minimizem e até mesmo zerem o número de revelias, tenham maior prazo para obtenção dos elementos para defesa e evitem a aplicação de multa pela ausência de confirmação do recebimento da citação por meio eletrônico.

Contudo, é importante ressaltar que mesmo com a captura automatizada, o dever de confirmação subsiste, o que impõe outros ajustes de rotina: após o advogado ficar ciente do novo processo capturado, é recomendável que realize o comparecimento espontâneo nos autos, nos termos do artigo 239, do CPC, desincumbindo a empresa do ônus de confirmar o recebimento por e-mail.

Embora tal procedimento antecipe a fluição do prazo para contestação nos casos em que não tenha sido designada audiência inicial de conciliação, parece-nos o mais adequado para garantir uma rotina otimizada do trabalho do departamento jurídico, sendo coerente com as normas fundamentais do processo civil, já que promove o andamento dos processos pautado pela boa-fé, com celeridade e economicidade.

Essa antecipação não será um problema para as empresas que estejam comprometidas em fazer uma boa gestão do seu contencioso e em buscar a solução consensual dos seus conflitos, sobretudo em discussões envolvendo relações de consumo.

Ressalva-se, ainda, que em casos específicos que apresentem alta complexidade pode ser que a empresa necessite do máximo de prazo que a lei lhe faculta. Caberá ao departamento jurídico avaliar caso a caso e tomar a decisão mais acertada visando à melhor estratégia para o exercício do direito de defesa do modo mais favorável aos legítimos interesses da empresa, aguardando o recebimento da citação e registrando adequadamente o termo inicial do prazo para defesa.

É importante, ainda, que a recepção das citações por e-mail continue sendo monitorada, em qualquer caso, como método de dupla verificação do recebimento dos processos, garantindo que eventuais processos não capturados automaticamente também sejam devidamente tratados.

Por fim, caberá aos departamentos jurídicos acompanhar como essas novas disposições  trazidas por uma medida provisória convertida em lei sem a devida abertura ao debate e reflexão com a comunidade jurídica  serão colocadas em prática e adequadas à realidade do Poder Judiciário brasileiro e das empresas, buscando sempre otimizar suas rotinas, gerando eficiência para sua empresa e, ao mesmo tempo, cooperarando na busca por um processo efetivamente célere e justo.

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    é coordenador Jurídico na Unidas S.A., mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e com LL.M. em Direito Empresarial em curso no IBMEC.

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