Discussão sobre delação

Documentos contradizem versão de Bretas sobre encontro com criminalista

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3 de setembro de 2021, 14h19

O juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, afirmou à Corregedoria da Justiça Federal da 2ª Região (RJ e ES) que se encontrou com o criminalista Nythalmar Dias Ferreira Filho para discutir a confissão do empresário Fernando Cavendish após o primeiro interrogatório dele. Contudo, gravações e documentos apontam que o encontro ocorreu dias antes do primeiro interrogatório de Cavendish, segundo o jornal Folha de S.Paulo.

Fernando Frazão/Agência Brasil
Marcelo Bretas disse que não negociou delação de Fernando Cavendish
Fernando Frazão/Agência Brasil

Os dados indicam que a conversa tinha o intuito de conferir segurança jurídica para a confissão do empresário em ação penal.

Nythalmar fechou um acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República no qual acusa Marcelo Bretas, responsável pelos processos da chamada "lava jato" no Rio, de negociar penas, orientar advogados e combinar suas ações com o Ministério Público.

Segundo a revista Veja, o advogado apresentou uma gravação na qual Bretas diz a ele, em 2017, que vai "aliviar" acusações contra o empresário Fernando Cavendish, delator e que também chegou a ser preso pela "lava jato".

A revista transcreveu a gravação, na qual Bretas afirma: "Você pode falar que conversei com ele, com o Leo, que fizemos uma videoconferência lá, e o procurador me garantiu que aqui mantém o interesse, aqui não vai embarreirar", diz Bretas na gravação. "E aí deixa comigo também que eu vou aliviar. Não vou botar 43 anos no cara. Cara tá assustado com os 43 anos", afirma em outro trecho do diálogo.

Leo seria o procurador Leonardo Cardoso de Freitas, então coordenador da operação no Rio de Janeiro. Os "43 anos" se referem à decisão que condenou o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear, o que gerou temor generalizado nos réus.

Nythalmar contou ter discutido com Bretas e Freitas como a confissão de Cavendish no interrogatório afetaria o acordo de delação ainda em debate. E trechos da gravação mostram o juiz garantindo que a confissão de Cavendish não impediria a posterior celebração de acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal.

Bretas ligou para o procurador para confirmar a informação. Freitas declarou, com a ligação em viva-voz, que se comprometia a continuar defendendo a assinatura do termo mesmo após a confissão. Com isso, o julgador ressaltou que reduziria a pena de Cavendish devido à confissão.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, com base na reportagem da Veja, apresentou representação contra Bretas na Corregedoria da Justiça Federal da 2ª Região (RJ e ES).

Versão de Bretas
O juiz federal disse à entidade que soube da assinatura do acordo de delação pouco antes do interrogatório do empresário em ação penal da operação saqueador. No processo, Cavendish foi acusado de lavagem de dinheiro e distribuição de R$ 370 milhões em propina.

Conforme o julgador disse à Corregedoria, o encontro entre ele, Nythalmar e Freitas sobre a confissão de Cavendish aconteceu "algum tempo depois" do interrogatório. No entanto, áudio obtido pela Folha indica que a conversa ocorreu antes da sessão e visava dar segurança para a confissão do empresário. De acordo com o jornal, o encontro foi promovido na semana anterior à audiência.

No áudio, Marcelo Bretas diz que Cavendish "está com dificuldade em confessar" porque a equipe do advogado Antônio Pitombo, responsável pela defesa dele, tinha ressalvas quanto à confissão sem celebração do acordo de colaboração premiada. Nythalmar, à época, não representava o empresário nesse caso.

Pitombo deixou a defesa de Cavendish em janeiro de 2018. Conforme a Folha, a decisão foi motivada pela discordância sobre a forma de atuação de Nythalmar e a estratégia adotada. Naquele mês, Pitombo afirmou, em artigo na ConJur, que advogados não podem prometer resultados a clientes.

A colaboração premiada de Cavendish foi celebrada em novembro de 2018 e homologada em janeiro de 2019.

Outro lado
Marcelo Bretas disse à Folha que não comentaria o áudio porque não teve acesso à gravação e não sabe ao certo quando ela ocorreu.

O juiz federal declarou à Corregedoria que não teve envolvimento da delação de Cavendish. "É fantasiosa e mentirosa a afirmação de que agi com parcialidade, combinando estratégias ao mesmo tempo com o advogado e com o Ministério Público, além de ser totalmente confusa e absurda a alegação de que, ao mesmo tempo, eu orientava e pressionava os advogados", escreveu o magistrado ao TRF-2.

Leonardo Freitas afirmou que só poderia comentar após ter acesso às informações da delação.

Antonio Pitombo disse à ConJur que não pode se manifestar sobre o acontecido por duas razões: por ética profissional e porque desconhece os fatos que se referem a Nythalmar.

*Texto atualizado às 18h do dia 3/9/2021 para acréscimo de informações. 

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