O golpismo no Brasil: de como cumprir a CF é atitude revolucionária
2 de setembro de 2021, 8h00
Na semana passada, falei sobre como os grandes filósofos explicam os golpistas brasileiros. Retomo aqui as frases, todas verídicas. Absolutamente verídicas. Já que, si non è vero...
Assusta, agora, o manifesto da Federação da Industria de Minas Gerais, que atira contra o STF, criticando-o porque estaria julgando contra a liberdade de expressão.
O manifesto mineiro também critica o fato de o Tribunal estar impedindo que dinheiro público seja usado para financiar sites bolsonaristas. Sim, é isso mesmo que você está lendo. A FIEMG concorda com o financiamento de sites que espalham fake news. Vejam por vocês mesmos: "Falamos de investigações e da possibilidade de desmonetização de sites e portais de notícias que estão sendo acusados em inquéritos contra as fake News".
Interessante é que era de se esperar que uma Federação emitisse uma nota pela democracia e não contra a democracia.
Resumidamente, a Federação faz um manifesto a favor de uma espécie de direito fundamental à ofensa, ao Contempt of Court. Enfim, o manifesto sustenta um direito fundamental a pregação contra a própria democracia que sustenta o direito de a própria Federação se manifestar. Auto-contradição performativa. Esse é o nome. Ou, em outras palavras, ode ao golpismo. É disso que se trata.
Essa é clássica. A liberdade de expressão, a democracia, a Constituição sendo usadas contra elas mesmas, contra seus próprios fundamentos. O STF diz que não pode se pode patifar com dinheiro público, porque a Constituição tem princípios que dizem que não pode patifar com dinheiro público, e bingo, "ativista"! O engraçado é que essas pessoas que não sabem nada de Direito não sabem explicar o que é ativismo.
Bem disse o ministro Lewandowski em artigo na Folha de S. Paulo na data de 29/8/2021: intervenção armada é crime inafiançável e imprescritível. Simples assim. Isso está na Constituição. Além disso, há a jurisprudência do STF, o Código Penal Militar, a Lei de Segurança Nacional e o Código Penal.
Os democratas devemos estar atentos. Não podemos ficar olhando a algo como "A Crônica de Uma Morte Anunciada", como no livro de Gabriel Garcia Márquez. Bom, não é por falta de aviso. Os golpistas estão nos avisando. Já há tempo. No Brasil, o golpe é anunciado até em outdoor. E cá estamos.
2. Da reunião de filósofos para falar sobre golpe e o golpismo
Muito bem. Fazendo esse repositório, e agora vacinado, pensei que seria uma boa ocasião para reunir um novo encontro de juristas e filósofos do direito na Dacha (como aqui e aqui) para investigar mais a fundo a epistemologia do golpismo. Chamei muita gente e compartilho com os leitores da ConJur os resultados desse encontro epistêmico.
2.1. Austin, positivista, já chegou dizendo: o direito é uma coisa, seus méritos ou deméritos são outra. Seguiu Austin: "Mas os golpistas, que não têm méritos, destroem o direito. E esse é um juízo puramente descritivo!"
2.2. Bentham, que ouvia de canto, disse: "E vou além. Um código ideal deve envolver uma proibição expressa do golpismo!"
2.3. Hart, concordando com os mestres, acrescentou: "ora, como falar em regra de reconhecimento se golpista não sabe seguir uma regra?!"
2.4. Dworkin, esperto, louco para dar uma alfinetada em Hart, disse: "ora, vocês positivistas estariam ocupados demais descrevendo o golpismo. Esse é o problema do positivismo. São a coerência e a integridade do direito que exigem que não haja espaço para golpes, golpistas, golpismos e quejandos!"
2.5. Kelsen, que não gostou da provocação, mas gostou da ideia, já veio dizendo que não tem essa de descrição do golpismo. Como fazer ciência com quem é anticiência?!
2.6. Waldron, que gostava dos dois lados nessa briga que não era briga, já veio colocando panos quentes: "Amigos, vocês sabem que gosto de disagreements. Quem não gosta de desacordos são os golpistas. Que bom que temos o direito para segurar essa bagunça toda. Que se aplique a lei!"
2.7. Shapiro já emendou dizendo que, nessa, Waldron tinha razão: se o direito é a institucionalização de nossos planos sociais, o golpismo patifa com todos os planos.
2.8. Raz, coçando a barba, sacramentou: "o direito reivindica autoridade legítima. E se o golpista G tem as razões 1, 2 e 3 para dar um golpe g*, basta que o direito diga 4 que, 1, 2 e 3 estão cancelados. E o golpista é sempre ilegítimo e nunca é autoridade!"
2.9. Judith Shklar, defensora do legalismo, veio e disse: "Waldron tem razão quando diz que temos desacordos. Mas acho que todos podemos concordar numa coisa: golpismo só é bom para o golpista. E sempre pode surgir outro golpista. Logo, o golpismo é burro. Fiquemos com o direito!"
2.10. E então apareceu Warat. E disse: bebamos vinho, porque discutir golpismo é perda de tempo. Positivistas e dworkinianos, inteligentes que são, concordam que golpismo é estupidez. "Es uma tonteria. Boludez", concluiu, com seu tradicional portunhol. E arrematou: "Chega de papo. Os inteligentes não precisam, com os burros não adianta. Como fazer uma epistemologia de um vácuo epistêmico?"!
Pois é. Fomos todos para o vinho. Tinha bastante: já estou estocando comida de há muito.
3. # Cumprir a Constituição é atitude revolucionária
Por fim, fica o meu meme ou #: Hoje em dia, cumprir a Constituição é um gesto revolucionário!
Ao final, uma obviedade do óbvio: Cumprir a Constituição jamais pode ser algo que destrua a democracia. Quem usa a CF para falar contra a democracia e fazer ode ao golpismo é inimigo da democracia. Simples assim. Como bem disse o ministro Lewandowski. E todos os filósofos que participaram do convescote na minha Dacha nas montanhas da Serra Gaúcha.
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