Opinião

Audiência conciliatória prévia: solução ou protelação?

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2 de setembro de 2021, 15h05

Ao entrar em vigor, o Código de Processo Civil de 2015 trouxe como inovação a realização de audiências conciliatórias previamente à apresentação de contestação (artigo 334), em consonância com o ideal de que as partes e demais sujeitos processuais devem estimular a busca por meios consensuais de resolução de conflitos (artigo 1º, §3º).

No código anterior, as audiências prévias de conciliação eram limitadas aos processos ordenados pelo rito sumário (artigo 277). Nos processos de rito ordinário, elas ocorriam após a apresentação de defesa pelas partes e após manifestação acerca de provas a serem produzidas, caso não fosse hipótese de julgamento antecipado (artigo 330). Mesmo sendo caso envolvendo dilação probatória, o juiz possuía a faculdade de dispensar a realização da audiência preliminar e sanear desde logo o processo (artigo 331, §3º), caso o direito em litígio não admitisse transação ou as circunstâncias da causa evidenciassem ser improvável sua obtenção.

Embora não se ignore a necessidade e a importância crescente do fomento a meios alternativos de solução de conflitos, essa alteração processual foi desde logo objeto de preocupação, tendo em vista o despreparo dos conciliadores disponibilizados pelos tribunais e o atraso que essa medida poderia trazer ao trâmite processual, considerando a ausência de pessoal suficiente para dar conta das pautas de audiência.

Ademais, o baixo sucesso de tais audiências, que no mais das vezes não redundam em acordos, faz com que todo esse esforço pareça inócuo, de modo que a sua realização passou a ser alvo de crítica, principalmente por parte dos advogados.

A corroborar tal afirmação, os dados do Relatório "Justiça em Números 2020" [1], do Conselho Nacional de Justiça, indicam que somente 12,5% dos casos solucionados pelo Judiciário (assim consideradas as esferas estadual, federal e trabalhista) o foram por meio de conciliação.

Trata-se de um percentual bastante baixo, ainda que em números absolutos a quantidade de casos solucionados pela via consensual venha crescendo ano a ano.

A preocupação ganhou novos contornos por decorrência da pandemia da Covid-19.

De início, com a colocação dos servidores públicos em teletrabalho e a realização das audiências por meio eletrônico — o que já era autorizado pelo Código (artigo 334, §7º) — pareceu-se chegar a um resultado satisfatório, já que dispensados os deslocamentos, facilitando-se (em termos) a participação para as partes e os seus advogados.

Porém, ainda que a tecnologia traga nítidas benesses, há problemas a serem enfrentados envolvendo conexões que falham, dificuldade das partes, advogados e demais envolvidos com plataformas e sistemas, acesso a computador e internet. Há questões peculiares também nas audiências de instrução, em que o contato do juiz com as partes e testemunhas é essencial para colheita e compreensão da prova e é também necessário assegurar que as testemunhas não estejam sendo instruídas pelos advogados e nem tenham contato umas com as outras — o que fica prejudicado no meio virtual.

Com o andamento das campanhas de vacinação está havendo a gradual retomada dos trabalhos presenciais pelos tribunais. Porém, a paralisação dos atendimentos nos momentos mais críticos da pandemia gerou enorme atraso nas pautas de audiência e, considerando-se que a Covid-19 continuará circulando, é medida de cautela restringir os atos processuais presenciais somente àqueles que se façam imprescindíveis.

A continuidade da realização das audiências pelo meio virtual é providência que atende ao interesse dos envolvidos, reduzindo a exposição de todos, promovendo o distanciamento social e assegurando ainda assim a efetividade do ato processual.

Por outro lado, entende-se necessário trabalhar para reduzir as pautas de audiências conciliatórias, priorizando-se a ocorrência das de instrução e julgamento, cuja presencialidade é, senão imprescindível, ao menos recomendada.

Defende-se, portanto, a possibilidade de discricionariedade do magistrado na designação da audiência de conciliação no início do processo, para evitar casos em que, por exemplo, a ausência de data disponível para a prática desse ato no curto prazo pode atrasar excessivamente o início do trâmite processual, fazendo com que o objetivo inicial do instituto não seja alcançado.

Nesse contexto é que se defende que sejam avaliadas pelos magistrados as circunstâncias do caso concreto, o que já se vê pontualmente em alguns processos. A exemplo, se a parte autora relata já ter tentado conciliar previa e extrajudicialmente, sem sucesso, parece pouco provável que a instauração do litígio provoque de imediato alteração no ânimo da parte ré em fazê-lo.

Do mesmo modo, a experiência indica que causas que revelam grande complexidade técnica (evidenciando-se desde o início a necessidade de dilação probatória) também possuem baixa probabilidade de obtenção de conciliação.

Por fim, é preciso refletir sobre a necessidade de que ambas as partes manifestem desinteresse para que a audiência deixe de ocorrer (artigo 334, §4º, I). Não bastaria que apenas uma das partes se manifestasse nesse sentido? Até porque, "quando um não quer, dois não fazem", ou seja, inexistindo interesse de qualquer dos lados, a chance de que se chegue à solução consensual passa a ser pífia, senão inexistente.

Não bastasse isso, considerando que a designação desse evento prolonga o prazo de defesa da parte ré e o próprio processo, por questões estratégicas, é pouco provável que esse se oponha a tal evento, o que acaba trazendo grande desconforto e até prejuízo temporal para a parte autora que fica obrigada a esperar.

Ponderadas tais circunstâncias, entende-se que essa análise judicial da viabilidade do acordo em cada caso, bem como a verificação sobre a disponibilidade da pauta de audiências de cada juízo, seria essencial para garantir que a realização dessas audiências não passe de mera formalidade protelatória.

Assim, seria possível obter maior assertividade na designação dessas audiências e maior agilidade nas pautas que, para esse tipo de evento, poderiam continuar sendo realizadas virtualmente, de modo a movimentar os processos, privilegiando a celeridade processual e dando à conciliação a importância que ela deve ter enquanto meio alternativo de solução de disputa e, portanto, não cabível a todo e qualquer caso indiscriminadamente como tem ocorrido, desacreditando ao instituto.

Desse modo, longe de se pretender reduzir o alcance do importantíssimo instituto da conciliação, entende-se que sua eficiência está condicionada à análise criteriosa, caso a caso, dos elementos mencionados, em especial da vontade das partes em participar da audiência.

A disposição para a realização de concessões mútuas é o elemento decisivo para que se chegue ou não a um acordo. Realizar uma audiência ao arrepio do interesse dos envolvidos no litígio é inegavelmente pouco eficaz, protelando indevidamente o processo.

 

[1] Disponível em https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/.

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