Opinião

Sobre a contagem dos prazos dos processos administrativos

Autor

  • Flavine Meghy Metne Mendes

    é pesquisadora do Centro de Estudos de Regulação e Governança dos Serviços Públicos conferencista consultora jurídica doutoranda em políticas públicas pela UFRJ e autora de artigos científicos na ambiência regulatória.

2 de setembro de 2021, 18h19

No rol dos princípios aplicáveis às relações administrativas entre reguladores e regulados, a segurança jurídica, ou princípio das expectativas legítimas, exige do Estado uma postura atenta e comprometida com as garantias constitucionais do processo.

A esse respeito, cumpre notar que, em sua raiz, está estabelecido direito constitucional óbvio. A segurança jurídica é a essência da garantia da ordem e demanda mais do que clareza, para que se possa atender aos desafios atuais. Nesse passo, cumpre ter em mente a estrutura constitucional que comanda as ações do Estado, em que a centralidade dos direitos fundamentais constitui vetor das ações econômicas e sociais, inspirando o conteúdo das regras legais.

Tal requisito exige, portanto, esforços ativos no sentido de remover obstáculos à participação dos cidadãos na vida política, econômica, jurídica e social. Em síntese, compete às autoridades públicas promover condições para que os princípios da liberdade e igualdade dos cidadãos sejam efetivamente usufruídos.

Em alusão a essas premissas, a Lei Estadual nº 5.427, de 1º/4/2009, que dispõe sobre a relação jurídica entre a Administração Pública e os administrados, reforçou, por meio de seus dispositivos, o princípio da segurança jurídica, bem como as garantias constitucionais do processo.

Trata-se de uma importante conquista para a Administração Pública,  competindo rememorar que, até o advento da lei de processo administrativo, os operadores do Direito contavam com a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, suprimindo-se, dessa forma, lacunas na seara do Direito Administrativo.

Com a edição da lei processual específica no âmbito da Administração Pública estadual, fica, em tese, afastada a aplicação subsidiária do CPC, competindo lembrar que são pressupostos da aplicação subsidiária a omissão normativa e a compatibilidade entre a omissão e a norma que se pretende aplicar.

A partir das alterações promovidas pela Lei nº 13.105/2015, que define a criação e implementação do Novo Código de Processo Civil, a comunidade jurídica passou a se beneficiar da simplicidade procedimental inaugurada, contando com procedimentos menos burocráticos e mais acessíveis à advocacia pública e privada.

Para ilustrar, todos os prazos processuais passaram a ser computados em dias úteis, revogando-se expressamente a regra de 1973, que dispunha da contagem de forma corrida. Trata-se de pleito cobrado há muito tempo nas ambiências doutrinária e prática do Direito Processual Civil, havendo, sobretudo, respaldo da OAB.

Ocorre que, não obstante a contagem dos prazos processuais tenha representando grande conquista por parte dos profissionais da área jurídica, o mesmo não aconteceu sob o crivo da Lei Estadual nº 5.427, de 1º/4/2009, permanecendo mantida a vetusta regra de 1973, ou seja, a contagem dos prazos de modo contínuo e, com ela, a proliferação de entendimentos doutrinários e regulamentações dissonantes.

Em paralelo à colisão doutrinária instaurada, encontra-se em andamento o Projeto de Lei do Senado nº 35, 2018, que altera a Lei nº 9.784, de 29/1/1999 (regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública federal), estabelecendo a contagem de prazos em dias úteis. Ao que tudo indica, a proposição legislativa materializa tendência doutrinária na defesa da teoria geral do processo (princípios e regras básicas) a todos os demais ramos do Direito.

A formalização das escolhas públicas nesses moldes, notadamente a consciência de que o processo administrativo traz consigo uma racionalidade estável e coerente, cujos efeitos se espraiam nos demais ramos do Direito, demanda, em semelhança à ratio que inspirou a redação do artigo 219, CPC, esforços normativos assecuratórios à proteção dos direitos dos administrados e, portanto, unicidade de regras básicas inerentes às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

 

Referências bibliográficas
MENDES, Flavine Meghy Metne. Processo normativo das agências reguladoras: atributos específicos à governança regulatória. São Paulo: Giz Editorial.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Poder, direito e Estado: o direito administrativo em tempos de globalização – in memoriam de Marcos Juruena Villela Souto. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 141.

RODRÍGUEZ-ARÃNA MUNÕZ, Jaime. Direito fundamental à boa administração. Tradução de Daniel Wunder Hanchem. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

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