Opinião

A Justiça do Trabalho vai acabar?

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31 de outubro de 2021, 9h13

Uma questão muito ventilada nos últimos tempos é se os contratos trabalhistas estão se extinguindo. Eu respondo que não, que nunca se extinguirão. Isso porque enquanto houver trabalho humano, haverá relações do trabalho, com contratos que visem à regulação da prestação de serviços, tempo à disposição, períodos de interrupção da prestação de serviços e sua extinção.

Pode ser que os direitos e o processo do trabalho não sejam os mesmos daqueles que conhecemos desde a década de 1940. A forma de prestação de serviços sofrerá alterações significativas (tais como as que vimos com a pandemia), sobretudo com a elevada carga tributária que envolve uma relação empregatícia típica, o que em tempos de crise (permanente) coloca ao Direito a demanda de regular.

Como é comum das relações humanas, inclusive aquelas estabelecidas em volta das prestações de serviços em que conflitos se ergam e, certamente, o Estado será instado a solucionar, é onde mora o problema de extinguir-se direta ou indiretamente (tornando-a incompetente ou dificultando o acesso) a Justiça especializada do Trabalho.

Temos consolidado um Direito Constitucional do Trabalho, em consonância com inúmeras normas internacionais de proteção ao trabalho. Além disso, um determinado complexo de princípios, regras e institutos jurídicos assume caráter de ramo jurídico específico e próprio quando alcança autonomia perante os demais ramos do Direito que lhe sejam próximos ou contrapostos.

Exemplo dessas peculiaridades são as negociações coletivas e greves, além de temas como duração do trabalho, salário, com sua natureza e efeitos próprios, poder empregatício, bem como inúmeros outros assuntos, para aferir-se à larga extensão das temáticas próprias.

Impor a um servidor público sem conhecimento para compreender as peculiaridades dessa ciência seria um desafio a ser superado, sobretudo com a vastidão de precedentes advindos das cortes regionais do Trabalho. E aqui vai uma crítica aos próprios agentes do Estado responsáveis pela solução de conflitos sociais, sobre a autodeclaração de incompetência para examinar e processar matérias atinentes às relações do trabalho, isso aliado à reforma trabalhista de 2017, a qual diminuiu a importância do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho, do mesmo modo como decisões do STF.

Podemos elencar que desde a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 45, que daria uma nova cara para a Justiça do Trabalho, o Supremo Tribunal Federal vem ceifando a competência da Justiça especializada. A exemplo, temos a ADIN 3.395-DF, que declarou a incompetência da JT para processar e julgar contratos administrativos temporários e nulos; o RE 569.056, que declarou a incompetência da JT para determinar os recolhimentos previdenciários decorrentes do contrato de emprego reconhecido; o Tema 550, RE 606.003, que declarou a incompetência para julgar pedidos de representantes comerciais; o Tema 305, RE 607.520, que versou sobre a incompetência para ações de cobrança de honorários promovidas por profissionais liberais; o Tema 992, RE 960.429, que declarou a incompetência da JT para julgar pedidos relacionados aos concursos públicos promovidos pelas entidades da Administração Pública, inclusive por empresas públicas e sociedades de economia mista; o Tema 544, RE 846.854, o qual declarou a incompetência da JT para julgar a abusividade de greve de servidores públicos celetistas da Administração direta, de autarquias e de fundações de direito público e, por fim, o Tema 190, RE 586.453, que declarou a incompetência para julgar pedidos envolvendo os fundos de pensão de empresas que formam o grupo empresarial com a empregadora (Tema 190, RE 586.453). Somam-se a isso as recentes inovações legislativas que geram medo ao trabalhador, criando ônus ao pleitear perante a Justiça Trabalhista.

Respondendo ao questionamento realizado no título deste artigo, afirmo que há uma séria tendência de que essa Justiça especializada torne-se um braço (uma vara) da Justiça federal comum.

Não bastando, com a reforma trabalhista, a solução de conflitos de relação de emprego por meio da arbitragem passou a ser admitida nos contratos individuais de trabalho, possibilitando que empregado e empregador possam incluir no contrato de trabalho uma cláusula determinando que, em caso de conflito, as partes recorrerão ao juízo arbitral, e não ao Judiciário. Trata-se de uma modalidade que pode ser aplicada apenas aos contratos cujo valor da remuneração do empregado supere a duas vezes o limite dos benefícios da Previdência Social, ou seja, remuneração superior a R$ 11.678,90.

Destaca-se que a escolha do árbitro deve ser unânime entre chefe e funcionário, mantendo a igualdade de condições entre ambas as partes. Há também a possibilidade de optar por um colegiado arbitral constituído por três árbitros, de forma que o primeiro seja indicado pelo empregador, o segundo pelo empregado e o terceiro escolhido de maneira mútua, este último sendo responsável por presidir o colegiado.

É fundamental que advogados e clientes passem a considerar a arbitragem como uma resolução de conflitos, benéfica tanto para as partes envolvidas quanto para a sociedade como um todo, seja pela celeridade, seja pelo sigilo que envolve as decisões das câmaras arbitrais, adjetivos muitas vezes ausentes na prestação jurisdicional.

Mas o trabalho sempre permanecerá existindo, seja entre empregado e empregador, Administração e servidor e entre empresas. O instrumento de pactuação desse trabalho continuará existindo independentemente da existência ou não da Justiça laboral, e seus termos deverão ser muito bem pensados e acordados. Certamente, com fim da Justiça laboral colocar-se-á todos em uma igualdade virtual, o que inevitavelmente acarretará um prejuízo imensurável ao welfare state a que se prega pela Constituição Federal, cabendo aos operadores desses contratos fazer prevalecer esses primados pétreos.

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