Proibido, mas se quiser pode

Cota extra para pessoas com Down é inválida, mas não pode ser anulada, diz PGR

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31 de outubro de 2021, 14h45

O procurador-geral da República, Augusto Aras, opinou pela declaração de inconstitucionalidade, sem pronúncia de nulidade, da Lei estadual  11.034/2019, de Mato Grosso. A norma prevê a concessão de cota adicional de 2% das vagas oferecidas em concurso público para pessoas com síndrome de Down. A manifestação foi feita em parecer encaminhado na quinta-feira (28/10) ao Supremo Tribunal Federal.

Rosinei Coutinho/STF
Augusto Aras disse que lei que criou cota para pessoas com Down não pode ser anulada
Rosinei Coutinho/STF

O entendimento considera o fato de que, mesmo tendo como propósito ampliar o acesso de pessoas com deficiência ao trabalho, a norma fere o princípio da isonomia. É que a lei não apresenta “justificativa racional” para a escolha das pessoas com síndrome de Down, entre as deficiências intelectuais, como destinatárias exclusivas da reserva adicional de vagas para cargos públicos.

A manifestação do procurador-geral foi apresentada na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.634, proposta pelo governador do estado. Ao questionar a norma, o chefe do Executivo argumentou a existência de vício de iniciativa e inconstitucionalidade material. A lei chegou a ser vetada, mas a restrição foi derrubada pela Assembleia Legislativa.

Ao analisar os argumentos, o PGR rebateu a alegação de que a proposta não poderia ter sido apresentada por deputado, pontuando tratar-se de matéria decorrente diretamente do texto constitucional. Já em relação ao mérito, entendeu que, ao escolher pessoas com síndrome de Down, a norma traz prejuízo às demais pessoas com deficiência.

O PGR destacou a importância da inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, propósito previsto em um vasto conjunto normativo nacional como a própria Constituição Federal e o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015).

Também mencionou trechos da convenção internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência, da qual o Brasil é signatário, e que tem força de emenda constitucional.

A convenção prevê obrigações do Estado em reconhecer o direito das pessoas com deficiência ao trabalho, em igualdade de oportunidades com os demais cidadãos, em ambiente aberto, inclusivo e acessível. O PGR salientou que essa garantia, nos setores público e privado, é “medida concretizadora da dignidade humana”.

No entanto, afirmou que, mesmo entre as deficiências intelectuais, conceder privilégio indiscriminado e sem justificativa com amparo constitucional afronta o princípio da isonomia. “O objetivo de promover e viabilizar a ocupação laboral das pessoas com síndrome de Down não prescinde do respeito à isonomia como exigência de tratamento igualitário, bem como proibição de tratamento discriminatório”, disse Aras no parecer.

Outro aspecto analisado pelo procurador-geral na manifestação foi uma eventual decisão judicial que estendesse as pessoas com outras deficiências, o acesso às vagas reservadas (2%). Nesse caso, ocorreria uma decisão interpretativa com eficácia aditiva. No entanto, conforme explicou o PGR, essa interpretação à luz da Constituição, não pode alterar o conteúdo ou o sentido inequívoco da norma.

“Uma vez que a Lei estadual 11.034/2019 teve o propósito exclusivo de conceder cota adicional de 2% das vagas de concurso público para pessoas com síndrome de Down, não compete ao Judiciário estender o benefício para as demais pessoas com deficiência ― nem mesmo consideradas as deficiências de igual natureza―, sob pena de atuar como legislador positivo”.

Apesar de ser inconstitucional, o parecer é no sentido de que a lei não seja declarada nula, mas seja mantida válida. Ao defender que não haja a pronúncia de nulidade da lei mato-grossense, Augusto Aras citou o princípio do não retrocesso, cujo propósito é proteger os direitos sociais conquistados por atos anteriores à norma questionada.

A aplicação do entendimento ocorre quando há uma compreensão de que faz menos mal à Constituição a manutenção do ato inconstitucional que a sua total exclusão do sistema normativo, dado o risco causado pelo vácuo normativo para a regulação da vida em sociedade. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

Clique aqui para ler o parecer
ADI 6.634

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