Opinião

O Nutri Escolha e o direito dos consumidores à informação

Autor

  • Henrique Lian

    é advogado doutor em Filosofia pela USP e diretor de Relações Institucionais e Mídia da Proteste — Associação Brasileira de Defesa do Consumidor.

30 de outubro de 2021, 15h13

Os últimos meses têm sido marcados por debates, tanto na imprensa quanto no Judiciário e nas instâncias do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, sobre a ferramenta Nutri Escolha, introduzida em nosso mercado por meio de uma função do aplicativo da rede Carrefour. Em síntese, os principais argumentos contra a iniciativa têm sido os de que o Carrefour "inventou" um sistema próprio de rotulagem de alimentos; que esse sistema contraria a legislação brasileira; e, finalmente, que o Carrefour utiliza seu poder de mercado para induzir o consumidor a comprar produtos de sua marca própria. Proponho que analisemos cada uma dessas assertivas.

Ao contrário de ter sido desenvolvido pelo Carrefour, o Nutri-Score, base metodológica do aplicativo Nutri Escolha, foi criado pelo Ministério da Saúde da França em 2017, sendo a metodologia de pontuação nutricional mais difundida no mundo. Desde 2018, diversos países da Europa — como Alemanha, Holanda, Espanha, Bélgica e Luxemburgo, Suíça, Eslovênia e Portugal passaram a recomendar sua utilização. Da mesma forma, estudos científicos e associações de nutrólogos, como a Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), comprovaram a eficiência dessa metodologia, tanto no aspecto de facilidade de interpretação quanto na prevenção de doenças crônicas não transmissíveis, como obesidade, diabetes e hipertensão. A funcionalidade introduzida no aplicativo Meu Carrefour é baseada nessa metodologia, traduzindo a tabela nutricional em uma pontuação de fácil entendimento, que classifica os produtos de A até E, utilizando ainda cores para facilitar a leitura, em um sistema visualmente semelhante ao Selo Procel de eficiência energética, tão conhecido e apreciado pelos brasileiros. Além dessa classificação, o aplicativo também considera os preços dos produtos nas lojas físicas ou e-commerce do Carrefour. Assim, a ferramenta realiza um cruzamento de dados, trazendo sugestões de itens da mesma categoria com melhor ou igual pontuação nutricional e com preço mais acessível.

A referida funcionalidade em nada contraria a legislação brasileira, seja a atual, seja a que entrará em vigor em 2022, sendo esta última o resultado de um amplo debate que a Anvisa realizou com a sociedade e que é conhecida como "sistema da lupa". Este destacará a quantidade excessiva de determinados componentes, tais como sódio, gordura e açúcares, sem qualquer classificação de produtos ou considerações sobre preços. O Nutri Escolha não refuta ou contradita o modelo adotado pelo regulador brasileiro e simplesmente vai além, fornecendo, de forma voluntária, mais informações aos consumidores, em clara aplicação do famoso adágio jurídico quod abundat non nocet (o que é abundante não prejudica). Nós, da Proteste, somos os primeiros a defender o modelo adotado pelo regulador brasileiro e não apoiaríamos nada que o contradissesse ou enfraquecesse.

Finalmente, os que se opõem ao Nutri Escolha argumentam que o Carrefour induz à compra dos produtos de sua marca própria e abusa de seu poder de mercado. Este talvez seja o conjunto de argumentos mais surpreendente. Sabemos que um agente só tem poder de mercado se for grande e lucrativo. O Carrefour daria o famoso "tiro no pé" se desejasse boicotar as marcar líderes, evidentemente mais caras, e vender exclusivamente os seus próprios produtos. Esse seria o caminho mais rápido para perder o tal poder de mercado. Cremos, entretanto, que são justamente as grandes empresas, como o Carrefour, que têm a escala e o fôlego necessários para ir além das regras dos mercados onde atuam e estabelecer novos e superiores padrões, sempre de forma voluntária e respeitosa às leis e costumes locais.

Após essa análise resumida, como pede este espaço, quero deixar claro o porquê de a Proteste apoiar a iniciativa do Carrefour. Nós somos uma organização independente, cujas recomendações são estritamente baseadas em ciência e que defende o direito de os consumidores brasileiros usufruírem dos melhores padrões globais de produção e comercialização. Quando realizamos nossos testes (daí o nome Pró Teste), consideramos justamente esses melhores padrões, que muitas vezes vão além da lei brasileira, pois um determinado produto de azeites a automóveis pode estar em perfeita conformidade com a legislação local, mas, ainda assim, deixar muito a desejar em termos de qualidade e até segurança. Não queremos um mercado no qual se aplique o menor denominador comum e que trate o brasileiro como um consumidor de segunda classe. As normas locais devem funcionar como o piso, e não o teto, das práticas empresariais. Alguém acha que se deva, por exemplo, impedir o Grupo Inditex (Zara) de oferecer trocas por 30 dias em suas lojas, simplesmente porque o Código de Defesa do Consumidor só as obriga em caso de defeitos de fabricação ou porque a concorrência não faz o mesmo e limita-se em seguir a lei? Ora, são justamente as empresas como o Carrefour, que buscam aplicar no Brasil o seu melhor padrão global nesse caso, amplamente aceito no país de origem (França), que faz parte da OCDE, ou seja, o grupo de países ao qual o Brasil deseja tanto pertencer e que possui alto nível de respeito e informação aos consumidores —, que têm a chance de "subir a barra" das práticas locais. Sempre que esse tipo de iniciativa se verificar, seja por parte de empresas isoladas ou de associações setoriais, a Proteste apoiará, uma vez que nosso objetivo é contribuir para a construção de um melhor mercado de consumo para todos!

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    é advogado, doutor em Filosofia pela USP e diretor de Relações Institucionais e Mídia da Proteste — Associação Brasileira de Defesa do Consumidor.

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