Opinião

A modulação dos efeitos das decisões judiciais em matéria tributária

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28 de outubro de 2021, 17h06

No cotidiano do brasileiro é fácil constatar o quão complexo e inseguro é o Direito Tributário, seja em razão das constantes modificações legislativas, seja pela dificuldade de cumprimento das obrigações principais e acessórias.

Vejamos a reforma da legislação do imposto sobre a renda da pessoa física e jurídica, que aguarda a análise e aprovação pelo Senado Federal, após ter sido aprovada na Câmara dos Deputados com diversas incongruências, mormente por não cumprir seu proposito, que é a redução da carga tributária e da simplificação da tributação.

Acrescido a isso o brasileiro ainda lida com a insegurança que decorre justamente do poder que possui como princípio basilar a própria busca pela segurança nas relações sociais e jurídicas. As decisões conflitantes emanadas pelos nossos tribunais, administrativos ou judiciais, a cada dia se tornam mais fatídicas à sociedade.

Podemos citar, como exemplo, o julgamento do Funrural, no qual o STF declarou a constitucionalidade, depois a inconstitucionalidade e, posteriormente, ao apreciar a Lei nº 10.256/2001, voltou a defender a constitucionalidade da cobrança.

Acrescido a essas decisões conflitantes, nos deparamos com um problema ainda mais desastroso aos empresários, aos investidores e, por consequência, a toda a sociedade, que são as decisões que declaram a inconstitucionalidade de algum tributo, contudo, posteriormente modula os efeitos dessa decisão.

O normal seria que os efeitos de uma decisão que declara determinado tributo ou fato gerador inconstitucional surtam consequências desde a edição daquela norma, atingindo fatos anteriores a decisão. Ocorre que, excepcionalmente, é possível a modulação desses efeitos, desde que reste demonstrados relevante interesse social, segurança jurídica e quando há alteração da jurisprudência dominante dos tribunais superiores.

O instituto jurídico da modulação de efeitos delimita o marco temporal de aplicação das decisões do STF, tanto em sede de julgamento de repercussão geral quanto das ações diretas de (in)constitucionalidade. A competência da Suprema Corte para modular os efeitos das decisões por ela proferidas, com efeitos transcendentes, está prevista no artigo 27 da Lei nº 9.868/99.

Todavia, como citado a modulação em matéria tributária, ao invés de estabelecer uma segurança jurídica, vem desencadeando exatamente o oposto à economia nacional, ao empresariado e à sociedade, pois, como nos deparamos, os tribunais superiores estão se apoiando nas razões apresentadas pelo Fisco na busca dessa modulação, se pautando, assim, nos interesses estatais, que podem até se assemelhar, mas não é exatamente o interesse social, que deve ser visado, como exemplo é criticável o acolhimento de argumentos como segurança do erário.

Ademais, se tornou corriqueiro o uso dos embargos de declaração como instrumento para o enfrentamento da modulação dos efeitos da decisão, desvirtuando a função típica desse recurso (suplantar omissão, obscuridade ou contradição), como já enfrentamos a modulação por meio dos embargos de declaração pode, inclusive, trazer a reboque a modificação de conteúdo do julgado que já está produzindo seus efeitos, na contramão do propósito para o qual foi criado aquele recurso e, bem assim, o instituto da modulação.

Temos no julgamento do RE 574.706/PR, datado de 15/3/2017, uma ótima exemplificação da teoria citada acima. O Supremo, naquela decisão, reconheceu a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, sob o sábio argumento de que os valores de ICMS não constituem faturamento, uma vez que apenas transitam no caixa da empresa, sendo posteriormente repassados ao Estado. Essa decisão foi objeto de embargos declaratórios opostos pela União, com a finalidade de se aclarar a decisão, ou seja, definir qual o ICMS a ser excluído da base de cálculo e, ainda, para que houvesse a modulação.

O STF, em julgamento concluído em 13/5/2020, definiu que o ICMS a ser excluído da base de cálculo é o destacado em notas fiscais de venda, modulando os efeitos da decisão para se aplicar apenas aos fatos geradores ocorridos após a primeira decisão, de 15/3/2017, ressalvando quem havia entrado com ações anteriormente a essa data.

Extrai-se desse posicionamento que mais uma vez o Supremo Tribunal Federal estabeleceu uma enorme insegurança no mundo jurídico que atingiu diretamente a economia brasileira, criando uma discrepância entre as empresas que discutiram a demanda anteriormente a 2017 e as que, obedecendo ao ordenamento jurídico e acreditando na validade e constitucionalidade da norma, além de recolherem o tributo não recorreram ao Judiciário para discutir o fato. Aquelas puderam repetir os últimos cinco anos e estas apenas poderão se valer da decisão para os fatos geradores posteriores a março de 2017.

Observe a desarmonia econômica, em que empresas de um mesmo setor terão milhões de reais a restituir, ao passo que outras, nenhum valor. Uma decisão judicial interferiu diretamente no mercado e na livre concorrência, sendo capaz de distorcer friamente o mercado.

Outrossim, uma outra grave consequência decorrente da modulação temporal das decisões em matéria tributária, sem alguma técnica preestabelecida, abre porta à criação de normas intencionalmente inconstitucionais, garantindo a arrecadação indevida de tributos por conta dos entes tributantes, na expectativa de que, em caso de modulação temporal, os tribunais superiores resguardem os cofres públicos.

A desmoralização do sistema já se estabeleceu, é hora de a sociedade jurídica colocar um basta nessa indiscriminada modulação, afinal o Poder Judiciário está se tornando um agente desestabilizador da atividade econômica.

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