Opinião

Sobre finanças públicas e a Constituição

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27 de outubro de 2021, 18h06

Dez dias antes da promulgação da Constituição brasileira, com o apoio da Academia Internacional de Direito e Economia, coordenei, pela Fecomercio de Minas Gerais, em Contagem, um congresso durante três dias para discutir todos os títulos, capítulos e seções da futura Constituição.

Spacca
Participaram do evento mais de 30 conferencistas, entre ministros da Suprema Corte, magistrados de tribunais de diversas áreas, senadores e deputados, professores universitários, jornalistas e especialistas de variados setores.

Após as conferências iniciais de Francisco Rezek, Ruy Mesquita e minha, o encontro desdobrou-se com quatro painéis simultâneos de duas horas pelos três dias seguintes.

Os textos de todas as palestras foram publicados pela Editora Forense Universitária, ainda no ano de 1988, sob o título "Constituição Brasileira 1988 Interpretações".

No conclave, em diversos painéis, mas principalmente naquele dos orçamentos (artigos 165 a 169), comentava-se que no momento em que se atrelassem constitucionalmente todas as despesas a uma fonte de receita previsível e não inflacionária caminharíamos a passos largos para derrubar a inflação.

O fracasso dos planos econômicos anteriores (Cruzado, Bresser e Verão), e sua renovação com os Planos Collor I e II, não modificou a percepção de que se a Lei Suprema fosse respeitada, a inflação seria debelada.

Fernando Henrique, no momento em que, como ministro da Fazenda, debelou o déficit público, acumulou um confortável colchão de reservas internacionais e combateu a constelação de índices corretores da deterioração monetária com a URV, obrigando todos eles a desembocarem naquela moeda de conta criada e mantendo uma moeda de pagamento corroída pela inflação, simultaneamente, conseguiu em alguns meses ter apenas duas moedas (a de conta e a de pagamento) e, no momento em que eliminou a moeda de pagamento em vigor, transformando a de conta em pagamento, criando o real, derrubou a superinflação que abalava o país. Com reservas, suportou os ataques cambiais e sem "déficit público", não pressionou a moeda.

Com o real, cumpriu-se em 1º/7/1994 o princípio constitucional de controle orçamentário, num país que passou a ter direito de ter uma moeda.

Hoje, confesso estar preocupado com o auxílio emergencial proposto pelo governo, nada obstante o caráter social inequívoco da proposta governamental.

Creio ter sido incorreta a avaliação de seu aspecto social pelo possível efeito inflacionário que poderá, em pleno 2022, afetar muito mais a classe menos favorecida do país do que o aumento da renda a ser oferecido nominalmente pelo governo nos dias atuais.

Como observador desvinculado de qualquer partido, corrente ideológica ou obsessão por destruição do governo, que se espalhou pelos meios de comunicação, parcela da magistratura e do Congresso Nacional, gostaria de ponderar o seguinte:

A recuperação econômica dependerá do crescimento empresarial, ou seja, de investidores, que dependem, de um lado, de segurança jurídica e da estabilidade das leis e, de outro lado, de uma moeda estável, em que o mínimo da inflação, sempre existente, não a corroa.

Acontece que uma inflação elevada afasta investidores e barra a evolução econômica, a que se acresce que só tem real reajuste anti-inflacionário a burocracia oficial dos três poderes, que se auto protege, tornando ainda mais grave a estagnação econômica. É de se lembrar que a mão de obra oficial no Brasil é superior a 13%, contra a média da OCDE, inferior a 10%.

Ora, o presidente Michel Temer, com o teto de gastos, adaptou-se aos princípios constitucionais dos artigos 165 a 169, esquecidos por tantas administrações.

Ocorre que a quebra da regra de ouro orçamentária pode dar um aparente alívio momentâneo, mas do ponto de vista orçamentário gera dependência semelhante à química, pois o impacto inflacionário futuro, que sempre afeta as classes menos favorecidas, obrigará uma aceleração de reajuste no porvir, com descontrole orçamentário, perdendo o Banco Central o controle da moeda, que passa a estar à deriva pelo fenômeno denominado "dominação fiscal".

Reconheço que este governo, apesar dos equívocos, teve excelente performance na agricultura, no comércio exterior, na infraestrutura, tendo até mesmo entregue mais de 350 milhões de vacinas para os governadores e prefeitos distribuírem como quisessem, excluídos da CPI por determinação do STF.

Tudo isso não é divulgado pelos meios de comunicação e, quando o é, ou é em sessões de pequena visibilidade e em formato reduzido. Por isso, não tenho os preconceitos que se formaram contra o governo. Considero, todavia, que a quebra do teto de gastos poderá, a curto prazo, desordenar o orçamento, afastar investimentos, atrasar a recuperação econômica e, apesar do alívio momentâneo, a longo prazo gerar, pela espiral inflacionária, um mal maior à classe menos favorecida da população.

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