Opinião

Arbitragem tributária: uma oportunidade para não perder

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27 de outubro de 2021, 16h05

Muito se discute sobre que milagre precisaria ser alcançado para: 1) desafogar o Judiciário; 2) tornar mais céleres os desfechos das lides tributárias; 3) aumentar o percentual de recuperação de créditos em cobrança executiva; e, por fim, 4) incrementar as receitas das Fazendas, em um momento tão crítico de crise econômica e fiscal.

A resposta para todos os problemas acima já foi superada por Portugal, em 2011, no que o presidente do Caad alcunhou de tempestade perfeita para que os parlamentares e o Executivo português se motivassem à concretização e institucionalização da arbitragem tributária, como sugestão do memorando de Troika, na ocasião. 

Depois de uma década de funcionamento, pode-se afirmar que os resultados almejados foram alcançados e o instituto foi, de fato, um exitoso projeto, com resultados dignos de aplausos, como a taxa de recuperabilidade de créditos, a redução estupenda dos desembolsos do Tesouro português nos temas com desfecho favorável aos contribuintes, mas o mais impressionante: a média de conclusão das discussões, em definitivo, da ordem de míseros quatro meses e 18 dias.

No Brasil temos dois PLs que discutem a temática, o PL nº 4.257/2019, do senador Anastasia (PSD/MG), e o de nº 4.468/ 2020, da senadora Daniella Ribeiro (PP-PB).

Com todo o respeito, o PL do senador Anastasia não trata de arbitragem tributária. O projeto, em realidade, versa sobre execução fiscal administrativa (contencioso administrativo de cobrança de dívidas fiscais), ou seja, uma fase pré-judicial de cobrança de débitos tributários.

Apenas seis dispositivos (os sugeridos artigos 16-A a 16-F a serem modificados na Lei nº 6.830/1980) tratam da arbitragem tributária, trazendo a lume o instituto como um substituto aos embargos à execução. É dizer, nesse PL, restringe-se sobremaneira o manejo da arbitragem tributária para que figure apenas como uma faculdade do executado, uma vez já garantido o juízo, vir a poder discutir o tema, pela via da arbitragem, em substituição aos embargos à execução.

Acaso assim venha a ser aprovado, subutiliza-se a arbitragem centralizando-a às hipóteses, apenas, posteriores à constituição definitiva do crédito tributário e à inscrição do crédito em dívida ativa, restrição essa demasiada, que diminui o potencial de abrangência para a rápida solução das controvérsias fiscais e o que é pior, insere o instituto num limbo que, consoante a atual jurisprudência do STJ, por exemplo, perfilhada por alguns Tribunais Regionais Federais (como por exemplo, o da 2ª Região), teria seu espectro de abrangência ainda mais limitado.

Por exemplo, a se manter inalterado o entendimento sufragado pelo Órgão Especial do TRF-2, também na 1ª Seção do STJ, uma vez aprovado o PL do senador Anastasia, nesses termos, a arbitragem tributária, por exemplo, não poderia servir ao propósito de se discutir compensações não homologadas pela RFB, já que, atualmente, essa tem sido uma grave discussão em torno do instituto das compensações e dos embargos, como já tivemos a oportunidade de ilustrar [1].

Mais ainda, perder-se-ia uma grande oportunidade de o novo instituto (da arbitragem tributária) funcionar, efetivamente, como válvula de escape para redução da litigiosidade, do contencioso pré-judicial, limitado a estreita baliza legal que não se justifica, por qualquer razão, senão a de apenas introduzir o assunto para ver-se, na prática, como se comporta.

A verdade é que, por desconhecimento e/ou preconceito velado, as Fazendas ainda torcem o nariz quando ouvem falar em arbitragem tributária, supondo tratar-se de algo semelhante ao verniz da arbitragem comercial, e entendendo, erroneamente, que a decisão a ser tomada por um tribunal arbitral, apenas por ser privado, vinculado a uma entidade institucional privada, teria como preponderância julgamentos favoráveis aos contribuintes.

Até isso a experiência lusitana nos consegue trazer dados e referências animadoras. Lá os percentuais de decisões pró-contribuinte e pró-Fisco, na esfera judicial, são de 60% e 40%, respectivamente: qual não foi a surpresa quando tal rate se manteve também nas decisões arbitrais do Caad?

Já o PL número 4.468/2020, da senadora Daniella Ribeiro, que busca instituir uma arbitragem tributária especial, com o nítido propósito de afastá-la, sob qualquer circunstância — notadamente para não contaminar — da arbitragem comercial, prevista na Lei nº 9.307/96, tem o condão de ser ligeiramente mais abrangente, todavia aplicável apenas à fase pré-constituição definitiva do crédito tributário, ou seja, tem como finalidade solucionar controvérsias sobre matérias de fato no curso de fiscalização [2] ou, ao cabo de ações judiciais encerradas, para os fins de quantificar crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado.

Em linhas gerais, podendo ser instaurada no curso de fiscalização, para prevenir conflitos mediante soluções de controvérsias sobre matéria de fato, não podendo ser instaurado nos casos de créditos tributário já constituído mediante lançamento ou auto de infração e imposição de multa (artigo 1º e parágrafo único). Registre-se a dificuldade de aplicabilidade da sua "regra-mãe" — ao cingir à hipóteses sobre matéria de fato — na medida em que, como sabido, muito da complexa litigiosidade dos conflitos tributários repousa na interpretação das normas jurídicas, ou seja, matérias eminentemente de direito, que portanto, estariam afastadas da arbitragem. Igualmente, lançado tributo ou lavrado auto de infração e imposição de multa, tais hipóteses também estariam infensas à resolução pela via da arbitragem, consistindo injustificável estreitamento da abrangência do instituto.

Outra limitação injustificada diz respeito ao fato de que, segundo o artigo 2º, estaria vedado, outrossim, discussão sobre a constitucionalidade de normas jurídicas. Repare-se que na arbitragem tributária, consciente e voluntariamente, abre-se mão de qualquer grau recursal, de modo que, nesses termos, poucos os contribuintes se sentiriam incentivados a recorrer a arbitragem, abrindo mão do grau recursal, e mais ainda, dispensando a arguição de constitucionalidade de normas jurídicas, considerando que na Constituição Federal de 1988 o capítulo inerente às limitações ao poder de tributar é vasto e bem extenso, soando, pois, nítida incoerência limitar a esse ponto, desincentivando o interesse pela adoção do instituto, que nasceria injustificadamente limitado.

Acerta, todavia, ao vedar a adoção de arbitragem nos casos de decisão contrária a entendimento consolidado pelo Poder Judiciário nas hipóteses de que trata o artigo 927 da Lei 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), bem como julgamentos em sede de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal, por motivos óbvios.

Infelizmente, em nenhum dos PLs vê-se o espectro de abrangência necessário, similar ao que se tem em Portugal, ainda que a sua instituição tenha perpassado por duas balizas legais limitadoras, todavia, com abrangência suficiente para abarcar a grande maioria dos conflitos desejados, e com a vantagem de não ter sido institucionalizado um ambiente elitista, como usualmente se supõe.

O Decreto-Lei nº 10/2011 (que instituiu o Regime Jurídico das Arbitragem Tributária — RJAT, em Portugal) e a Portaria nº 112-A/2011 (Portaria de Vinculação do Ministério das Finanças e da Administração Pública à Jurisdição do Caad), de fato, limitaram a arbitragem (verbi gratia, causas com valor de até no máximo dez milhões de euros) — já previamente limitadas pela Lei número 3-B/2010, de 28 de abril, que concedeu a autorização legislativa para instituição da arbitragem tributária em Portugal, por meio do seu artigo 124º —, além de prever hipóteses específicas para assunção do encargo, como presidentes dos tribunais arbitrais, como titulação especial, de doutorado e/ou mestrado, conforme os casos (tamanha a seriedade e a relevância que quiseram emprestar ao instituto).

Ainda assim, deixaram ao abrigo um leque demasiado largo de hipóteses plausíveis de serem arbitráveis (sob a competência do tribunal arbitral resolver, nos termos do princípio kompetenz-kompetenz), mas o que é ainda mais preponderante, assim o fizeram resolvendo a mais importante das questões envolvendo a arbitragem: a necessária consensualidade.

A lei formal em sentido estrito (decreto-lei) mais do que autorizou, mas vinculou o Ministério das Finanças e a Administração Pública (tributária) à jurisdição dos tribunais do Caad, e assim resolveram a questão da necessária consensualidade do Fisco português para ultrapassar o procedimento arbitral e se vincular à jurisdição, se e somente quando da manifestação, via requerimento, do contribuinte para tanto, e, registre-se, assim o fez, com o cuidado tal de não colocar o ministro das Finanças em maus lençóis, por exemplo, se aventurando numa discussão relevante sobre importante fonte de renda do tesouro português, que ainda não existisse discussão madura o suficiente para decidir-se com segurança sobre o assunto.

É dizer, logrou-obter a necessária consensualidade e vinculação, via ato infralegal — sendo a norma em questão justamente o prévio ato formal de anuência à arbitrabilidade, de vinculação à jurisdição arbitral, todavia, apenas quanto às referidas e expressamente listadas hipóteses, com as limitações previstas — entretanto, ao mesmo tempo, conferiu a segurança esperada no sentido de que apenas aquelas matérias previamente previstas no ato administrativo, de lavra do Ministério das Finanças (Portaria nº 112-A/2012) é que seriam arbitráveis, conferindo, assim, importante cabedal jurídico quanto à garantia da segurança jurídica esperada e necessárias, mas, ainda mais do que isso, conferiu a plena certeza de que o planejamento do Ministério das Finanças não viria a ser atropelado.

De se ver, portanto, que ainda estamos ainda engatinhando e, com todo o respeito, os modelos até agora existentes não lograram resolver importantes questões como as acima aventadas à guisa de exemplo, algo que nem mesmo o modelo sugerido pelo estado do Mato Grosso conseguiu alcançar.

Igualmente e, por fim, há de se ressaltar a magna importância do Conselho Deontológico para a garantia e manutenção da seriedade, da credibilidade, forjada na máxima preocupação com a ética dos árbitros-julgadores aos casos submetidos à análise do Caad, tal como sempre salienta o seu presidente, o juiz conselheiro Manuel Fernando dos Santos Serra, ex-presidente do Supremo Tribunal Administrativo português [3].

Com efeito, se a manifestação do senador Angelo Coronel (PSD-BA) no sentido de não haver a mínima pressa em votar-se a proposta da reforma tributária, apresentada e aprovada na Câmara dos Deputados, for de fato real e não apenas aceno político, ganha-se, pois, mais uma nova oportunidade de que esse tema seja efetivamente discutido, quiçá inserido no texto, pois, como Portugal, estamos ultrapassando a nossa tempestade perfeita. E, como diz o ditado: "Quando passa o cavalo selado, se monta, não se pode perder a oportunidade"…

 

[1] https://www.conjur.com.br/2021-jul-28/brechbuhler-compensacao-embargos-emenda-pior-soneto Acesso em 24.10.2021;4.2457.

[2] "Artigo 12 – A Lei número 9.430, de 27 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação: 'Artigo 48-A – As consultas que envolvam questões fáticas e sua qualificação jurídica poderão ser solucionadas por arbitragem especial tributária, atendidos os requisitos e condições estabelecidos nesta Lei'".

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