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Lima e Mocarzel: Sobre os 25 anos da Lei de Arbitragem

26 de outubro de 2021, 18h07

Por Tiago Angelo de Lima, Laura Mocarzel

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Em 23 de setembro deste ano, a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96) celebrou o 25º ano desde sua criação e, desde então, tem representado importante instrumento para o aumento da confiabilidade e celeridade na resolução de litígios por meio da arbitragem no Brasil, e passou, para tanto, por incontáveis desafios.

Antes da Lei de Arbitragem ser promulgada no país, o método de resolução de conflitos pela via arbitral não era tão benquisto em território nacional por diversos motivos: a falta de leis consolidadas, de autonomia do juízo arbitral, de segurança jurídica e da confiança do mercado e das pessoas em geral na utilização do procedimento. Isso porque a arbitragem, na prática, aparentava ser um campo inseguro e de difícil implementação no Brasil, tendo em vista o forte vínculo com o Poder Judiciário.

Nesse particular, é essencial destacar dois dos principais desafios enfrentados nesse campo: 1) as cláusulas compromissórias não apresentavam caráter vinculativo de suficiente força para implementar a arbitragem automaticamente caso as partes não ratificassem a manifestação de vontade exposta na cláusula após o surgimento do conflito; e 2) a sentença arbitral deveria, necessariamente, ser homologada no Poder Judiciário, o que comprometia a celeridade e a autonomia da arbitragem, duas de suas principais vantagens hodiernamente experimentadas [1].

Após a promulgação da Lei de Arbitragem, tais desafios foram, paulatinamente, sendo superados com a introdução e aplicação dos artigos 7º e 18 que, respectivamente, garantiram à arbitragem: 1) a autonomia das cláusulas compromissórias para instaurar o procedimento e, em caso de resistência da parte, a possibilidade de compromisso arbitral; e 2) o reconhecimento do árbitro como juiz de fato e de direito, sendo desnecessária a homologação da sentença arbitral pelo Poder Judiciário.

Desde então, especialmente pela segurança jurídica conferida ao procedimento após a implementação de uma lei sólida, a arbitragem tem tido um espaço cada vez maior no país, com inovações que merecem destaque.

A título de exemplo, tem-se a criação de uma arbitragem ainda mais célere e que objetiva ser menos custosa aos litigantes: a arbitragem expedita. Tal procedimento foi introduzido em 2017 para que os litígios de até US$ 3 milhões possam ser parte de uma arbitragem abreviada, com tabela reduzida de taxas e honorários.

Ainda no campo das inovações de grande destaque, merece atenção a "carta arbitral", medida recém-aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que institui documento responsável por estreitar a relação de cooperação entre o Poder Judiciário e a arbitragem, uma vez que é utilizado para oficializar a solicitação do juízo arbitral para que o juiz togado determine o cumprimento da solução estabelecida na arbitragem. Com isso, há o fortalecimento da agilidade no cumprimento das sentenças arbitrais, o que representa mais uma vantagem na arbitragem enquanto método de resolução de conflitos [2].

Ademais, destacam-se dois projetos de lei (PLs 4257/2019 e 4468/2020, ambos em tramitação no Congresso Federal) que, cada um ao seu modo, buscam instituir a arbitragem tributária mediante condições específicas. Por exemplo, no caso do PL de 4468/2020, a arbitragem seria instituída para "prevenir conflitos mediante solução de controvérsias sobre matérias de fato". Já no escopo do PL de 4257/2019, o critério principal seria a existência de garantia à execução por depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia.

Embora tantos avanços sejam motivos evidentes para celebração quando nos deparamos com os 25 anos da lei, em uma análise geral, ainda restam alguns desafios a serem enfrentados. Tem-se discutido principalmente a publicação de sentenças arbitrais, ainda que preservada a identidade das partes, com o fito de formação de precedentes das câmaras arbitrais nacionais.

Há, de maneira geral, interesse do mercado em possuir maior acesso ao que vem sendo decidido nas arbitragens brasileiras. Contudo, enfrenta-se ainda demasiada resistência pelas partes em concordar em ter a sua sentença arbitral publicada para terceiros, mesmo que garantido o sigilo quanto às partes litigantes.

Sobre esse propósito, é válido destacar a admirável iniciativa da Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM), que, em dezembro de 2018, disponibilizou a 1ª edição de seu Ementário de Sentenças Arbitrais [3], abrindo precedente para que os outras câmaras arbitrais se inspirem a instrumentalizar medidas semelhantes.

Também representam nova fronteira a ser ultrapassada as intituladas arbitragens coletivas, as quais começam a ganhar relevado destaque no mercado brasileiro, embora ainda pouco experimentadas.

Em uma análise do procedimento arbitral brasileiro, o doutrinador Rômulo Greeff Mariani (2015) afirma que, somados os critérios de arbitralidade aos bens em geral tutelados nas ações coletivas latu sensu, os direitos individuais homogêneos são arbitráveis e os direitos difusos e os direitos coletivos latu sensu podem ser levados à arbitragem apenas a respeito da forma de cumprimento das obrigações [4]. Nessa conjuntura, o autor destaca que algumas hipóteses se adaptarão à arbitragem com maior facilidade, como, por exemplo, o que já tem acontecido no caso dos litígios societários, principalmente no que tange o mercado de capitais.

Contudo, mesmo diante dos avanços relacionados à adoção da arbitragem envolvendo direitos coletivos, ainda existem inúmeros obstáculos a serem enfrentados para a consolidação da prática do procedimento no país. Tanto é assim que ainda existem poucos procedimentos dessa natureza, sendo os maiores exemplos àqueles envolvendo a Petrobras [5] e a IRB [6].

De plano, vale destacar a problemática no tocante à questão do dever de sigilo nas arbitragens coletivas. Como já mencionado, a confidencialidade é elemento intrínseco ao procedimento arbitral, o que, por outro lado, é incompatível com a própria essência da ação coletiva. Nesse sentido, Ana Luiza Nery ensina que "o princípio constitucional da publicidade deve ser observado na arbitragem coletiva, no intuito de dar-se ciência à coletividade acerca da negociação entabulada pelo poder público e o administrado sobre a submissão de questão de interesse coletivo à arbitragem." [7]

Contudo, é sabido que o princípio da publicidade muitas vezes não é atendido nas demandas arbitrais envolvendo direitos coletivos, o que, como já mencionado, causa um grande desestímulo àqueles que cogitam instaurar um procedimento arbitral nessa seara.

Outro obstáculo a ser enfrentado é o desalinhamento entre o Poder Judiciário e a Justiça arbitral, o que acaba por causar grande insegurança jurídica. Tomando como exemplo os procedimentos arbitrais envolvendo a Petrobras, foram noticiadas na mídia especializada diversas decisões conflitantes entre a corte arbitral e a justiça comum [8].

A própria resolução envolvendo a carta arbitral, já mencionada acima, é no sentido de buscar a melhora na cooperação entre as cortes arbitrais e a Justiça comum, a fim de dar mais efetividade e celeridade à prestação jurisdicional.

A questão das despesas processuais também é outro ponto nebuloso no tocante às arbitragens coletivas, tendo em vista os altos valores quando comparados com a Justiça comum — especialmente pela necessidade do pagamento de honorários arbitrais.

A problemática reside justamente no fato de que a legislação brasileira, visando a preservação dos direitos da coletividade, garante a isenção do pagamento de custas processuais nas ações coletivas (artigo 18 da Lei nº 7.347/85 e artigo 87 do Código de Defesa do Consumidor). Contudo, a Justiça arbitral ainda não adotou entendimento uniforme com relação ao pagamento das custas na arbitragem coletiva, tema que ainda é objeto de questionamento pela doutrina e, de fato, afasta potenciais interessados na adoção do procedimento.

Na tentativa de superar tal obstáculo, algumas câmaras arbitrais buscaram criar regras mais expressas com relação a indivíduos titulares de direitos individuais homogêneos a serem discutidos no procedimento arbitral, especificamente no tema de custas processuais — mesmo que com inúmeras diferenças entre si. O Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), por exemplo, dispõe em seu regulamento que o valor da taxa de administração devido ao juízo arbitral será reduzido em 50% para cada uma das partes, caso façam parte do mesmo polo e sejam representadas pelos mesmos advogados [9].

Nas disposições do regulamento da CAM, por outro lado, há a determinação de que a partes representadas por apenas um advogado deverão pagar apenas uma taxa de administração [10].

Além da diminuição das custas devidas por partes litigando no mesmo polo, outra modalidade cada vez mais comum é o chamado de financiamento de arbitragem por terceiros (ou third-party funding), ocasião em que uma pessoa (alheia à lide e chamada de financiador — que poderá ser, por exemplo, uma instituição financeira ou um fundo de investimento) se compromete a arcar com os custos da arbitragem para uma das partes, recebendo, em contrapartida, uma parcela dos valores obtidos com eventual êxito do procedimento.

Essa possibilidade é extremamente importante, justamente porque pode ser a única maneira de viabilizar o acesso ao procedimento arbitral para uma das partes — inclusive, já existem fundos nacionais e internacionais especializados no serviço de financiamento de litígios. Por exemplo, a arbitragem movida pelos sócios minoritários da Petrobras, que tramita perante a CAM, está sendo financiada por fundo pioneiro nesse mercado [11].

Mesmo diante dessa modalidade de pagamento dos custos do procedimento — o que, de acordo com a vasta maioria dos especialistas, é um grande avanço no tocante ao acesso à arbitragem — ainda existem alguns pontos que causam certa insegurança às partes envolvidas, especialmente quando a questão é analisada pela ótica do dever de transparência. Afinal, deve a parte envolvida na arbitragem informar sobre a existência de financiamento de terceiro em seu favor? Mais do que isso: deve o contrato de financiamento firmado entre as partes ser apresentado à contraparte e ao tribunal arbitral?

Tais questões ainda são controversas e geram dúvida razoável aos envolvidos no procedimento, especialmente pela redação do artigo 14, §1º, da Lei de Arbitragem, que determina a revelação, pelos árbitros, de qualquer fato que possa colocar em xeque sua independência e imparcialidade. Isso porque, eventual relação — caso seja descoberta no deslinde do procedimento — entre o financiador e o árbitro pode gerar incerteza no tocante à validade da sentença proferida.

Justamente para evitar conflitos dessa natureza, algumas das câmaras de arbitragem buscaram conferir regras ou recomendações mais robustas no tocante ao financiamento de terceiros na arbitragem. O CAM-CCBC, por exemplo, publicou uma resolução na qual "recomenda às partes que informem a existência de financiamento de terceiro na primeira oportunidade possível", e ainda esclareceu que "da posse de tal informação, convidará os árbitros a procederem à checagem de conflito e revelarem qualquer fato que possa gerar uma dúvida justificável sobre sua independência e imparcialidade" [12].

No mesmo sentido é a recomendação feita pela Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem do Centro das Indústrias dos Estados de São Paulo e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo — Ciesp/Fiesp [13].

Adicionalmente, a United Nations Commission on International Trade Law (Uncitral) publicou um esboço contendo disposições sobre a regulamentação do financiamento de terceiros na solução de disputas entre investidores e estados (ISDS) [14]. A minuta inclui, por exemplo, disposições preliminares, requisitos de divulgação, modelos de proibição do financiamento de terceiro e, nesse caso, possíveis sanções.

Conforme se observa, a arbitragem no Brasil está, há muito, consolidada. O próprio interesse em tornar públicos ementários e sentenças arbitrais decorre do fato de que determinadas matérias, ao longo do tempo, foram quase que integralmente dirimidas por tribunais arbitrais, sem que haja jurisprudência relevante dos tribunais estatais sobre temas relacionados, por exemplo, a operações de fusões e aquisições, ou mesmo de contratos complexos de construção.

Não obstante, uma vez consolidada a prática no país, colocam-se novas questões em discussão, haja vista que o sucesso do instituto o torna desejável para a resolução dos mais diversos tipos de litígio no país. Felizmente, não só o ordenamento pátrio, como também as próprias câmaras arbitrais brasileiras têm avançado, com o cuidado e a precaução que o tema merece, no aperfeiçoamento do instituto, ampliando-o para situações diversas, o que é extremamente desejável para o desenvolvimento do país.

O maior acesso à arbitragem, seja por meio de facilitação de financiamento de procedimentos, bem como pelo amparo de litígios diversos, essencialmente os litígios de natureza coletiva, culminará, substancialmente, com a ampliação do acesso à Justiça aos brasileiros. É o que se espera para os próximos 25 anos da arbitragem no Brasil.


[1] CARMONA, Carlos Alberto (coord.). Arbitragens Coletivas no Brasil., pgs. 13-14.

[3] Ementário elaborado pela CAM. Disponível em: https://www.camaradomercado.com.br/pt-BR/ementario.html. Acesso em 8.10.2021.

[4] CARMONA, Carlos Alberto (coord.). Arbitragens Coletivas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2015, pp. 110-111.

[7] Ana Luiza Nery, Arbitragem Coletiva, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 292.

[9] Item 12.3.1: "Caso mais de uma parte do mesmo polo seja representada pelos mesmos advogados, cada uma delas terá o abono de 50% (cinquenta por cento) do valor correspondente à Taxa de Administração devida ao CAM-CCBC." (https://ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/resolucao-de-disputas/arbitragem/regulamento-2012/).

[10] "1. A taxa de administração é devida em sua integralidade por cada uma das partes do procedimento. No caso de múltiplas partes, cada uma delas deverá arcar com a taxa de administração, salvo se representada pelos mesmos patronos ou sociedade de advogados, hipótese na qual será cobrada uma única taxa." (https://www.camaradomercado.com.br/pt-BR/arbitragem–custas-e-despesas.html).

[13] "3-A.1. A presença de um terceiro financiador pode ser relevante para avaliar a independência e imparcialidade dos árbitros, especialmente se houve relacionamento prévio ou atual entre os árbitros e o terceiro financiados. Portanto, recomenda-se que a parte de procedimento arbitral que beneficie de financiamento de terceiros revele a existência do financiamento e a qualificação completa do terceiro financiador na primeira oportunidade e por escrito. A Secretaria da Câmara encaminhará a informação às demais partes do procedimento, bem como aos árbitros, mediadores ou membros do Comitê de Prevenção e Solução de Controvérsias para que, em sendo o caso, cumpram seu dever de revelação" (https://www.camaradearbitragemsp.com.br/pt/res/docs/ Resolucao_n_6.2019.pdf).