Não dá tempo

Indefinição legislativa torna impugnação de candidaturas um tormento para o TSE

Autor

26 de outubro de 2021, 8h50

A Justiça Eleitoral segue com um problema inatacável: a impossibilidade de julgar todas as impugnações a registro de candidatura antes do término do período eleitoral. As soluções estão fora do alcance da corte: dependem de definições legislativas que, para as Eleições de 2022, já não serão possíveis.

TSE
Com prazos atuais, TSE raramente consegue dar palavra final sobre impugnação de candidaturas antes das eleições

O problema é de prazo. O artigo 11 da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) determina que partidos e coligações solicitem o registro de seus candidatos até as 19h de 15 de agosto do ano em que se realiza o pleito. A votação, por determinação constitucional, ocorre sempre no primeiro final de semana de outubro.

A impugnação ao registro de candidatura, por sua vez, deve ser feita no prazo de cinco dias após a publicação do pedido, conforme o artigo 66, parágrafo 3º da mesma lei.

Esse cenário confere cerca de 45 dias para que as impugnações e seus recursos galguem todos os degraus pelas instâncias ordinárias até chegar ao Superior Tribunal Eleitoral, que fatalmente dará a palavra final sobre o caso concreto.

É um prazo insuficiente, ainda que a Justiça Eleitoral seja, de longe, a mais célere do Brasil. Dados do levantamento Justiça em Números 2021 (com dados de 2020), do Conselho Nacional de Justiça, mostram que, no primeiro grau, o prazo médio para sentença é de três meses.

A consequência é que muitos candidatos concorrem sub judice e têm sua situação analisada depois de eleitos. Se cassados, podem gerar eleições complementares e mais gastos. Por isso, o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso definiu a necessidade de cassar alguém que foi escolhido pela vontade popular como "um tormento".

"É o pior papel que temos que desempenhar. Mas é nosso papel, em cumprimento da Constituição e da legislação", acrescentou, em evento na tarde de segunda-feira (25/11), quando o tribunal lançou o banco unificado de inelegibilidades, que vai facilitar o trabalho da Justiça eleitoral.

O número de candidatos vem, também, crescendo. Em 2014, 26,1 mil pessoas requereram registro de candidaturas aos cargos de presidente, vice-presidente, governador, vice-governador, senador, deputado federal, deputado estadual e deputado distrital, dos quais 21,9 mil encontraram-se aptos. Quatro anos depois, esse número aumentou 11,1%, para 29 mil, com 26 mil aptos.

Barroso vê duas saídas e diz que tem insistido junto ao Congresso Nacional para que analise alguma delas.

Roberto Jayme/ASCOM/TSE
Para ministro Barroso, saída é antecipar registro das candidaturas ou criar pré-registro que permita verificar situação
Roberto Jayme/ASCOM/TSE

Antecipar o registro
A primeira delas é a ampliação do prazo entre o registro das candidaturas e as eleições. Essa hipótese estava contemplada no Projeto de Lei Complementar 121/2021, chamado de Novo Código Eleitoral, que tramitou às pressas no Congresso, mas não foi aprovado até 2 de outubro — um ano antes das eleições de 2022 e, portanto, data limite para alterar regras em relação ao pleito seguinte.

O projeto, que foi apresentado por um grupo de deputados, passou na Câmara e aguarda votação no Senado, prevê, no artigo 201, que o pedido de registro de candidatura seja apreciado até as 19h de 1º de junho, o que significaria prazo de 120 até a data as eleições.

Há outras propostas ainda mais generosas. O Projeto de Lei 5.320/2020, do deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), adianta para 15 de maio o registro, o que totalizaria 140 dias até a eleição. A justificativa é a sociedade brasileira não suportar mais conviver com a indefinição da legalidade da inscrição de determinado candidato aos cargos eletivos.

"O que se pretende é que o Judiciário dê uma resposta em tempo hábil sobre a homologação ou não de determinada candidatura, não podemos mais permitir a dúvida sobre a possibilidade ou não do cidadão votar em seu candidato de preferência e ao final saber que a candidatura não foi homologada pelo Tribunal Eleitoral", diz o projeto, tramita apensado.

Antes, em 2018, o deputado Marcos Rogério (DEM-RO) propôs no Projeto de Lei 10.871/2018 que o registro seja feito de 20 de junho a 5 de julho (90 dias até a eleição), citando na justificativa que, considerando todos os prazos processuais, "a conta não fecha" para que sejam julgados até a eleição, em prejuízo à segurança jurídica. O PL tramita apensado. O prazo é o mesmo sugerido pelo PL 1.032/2019, do deputado federal Gustavo Fruet (PDT-PR), que também tramita apensado.

flickr.com
Congresso nacional tem dezenas de projetos de lei que dariam mais tempo para Justiça Eleitoral analisar candidaturas
flickr.com

Pré-registro de candidatura
A outra possibilidade, segundo o ministro Barroso, é estabelecer um sistema de pré-registro de candidatura feito no início do ano eleitoral. Isso permitiria aos candidatos terem toda a documentação preparada com antecedência. Uma vez aprovada a pré-candidatura, já seria possível inclusive oferecer impugnação.

A proposta que melhor ecoa esse conceito é o Projeto de Lei 4.893/2019. A ideia é que aqueles que pretendam concorrer requeiram ao juiz eleitoral de seu domicílio o exame de sua situação eleitoral para fins de habilitação prévia de sua candidatura entre 1º de fevereiro e 31 de março (185 dias antes da eleição).

Nesse momento, a Justiça Eleitoral vai conferir se o cidadão goza de seus direitos políticos, se votou regularmente nas eleições, se atendeu a convocações da Justiça Eleitoral, se tem multas eleitorais a pagar e se deixou de apresentar contas em campanhas passadas.

O pedido de habilitação prévia será publicado por edital, inclusive na internet, e poderá ser contestado pelos partidos políticos ou pelo Ministério Público. A decisão declaratória da Justiça Eleitoral deverá ser proferida até 15 de maio (140 dias antes da eleição).

Essa proposta, no entanto, já foi rejeitada pelo Congresso. O projeto foi apresentado pelo deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP), mas a ideia constava no PL 8.612/2017, de autoria da Comissão Especial para a Reforma Política. Em outubro daquele ano, a Lei 13.488/2017 foi aprovada como minirreforma eleitoral sem esse trecho. Atualmente, o PL aguarda designação de relator.

Na mesma linha, o PL 5.025/2020 propõe que o postulante a candidatura majoritária deverá requisitar à Justiça Eleitoral a declaração provisória de regularidade de candidatura em até 90 dias antes das convenções partidárias, que atualmente ocorrem de 20 de julho a 5 de agosto. Ou seja, até 21 de abril (160 dias antes da eleição).

Essa declaração será requisito obrigatório para que um pré-candidato possa ser escolhido nas convenções. Autor do projeto, o deputado Felício Laterça (PSL-RJ) cita a existência de candidaturas e campanhas artificiais que manobram nas lacunas da legislação eleitoral com objetivo de macular a legitimidade e autenticidade do processo de eleição brasileiro.

O objetivo é antecipar, ainda que em caráter provisório, a manifestação da Justiça Eleitoral quanto aos requisitos de elegibilidade. "Com isso, as candidaturas aprovadas em convenção partidária já nasceriam com a presunção de veracidade e de boa-fé necessária para a manutenção da normalidade e da legitimidade do processo eleitoral", diz, na justificativa do PL, que tramita apensado.

Como só vale para cargos majoritários, a declaração provisória de regularidade do presidente e vice-presidente seria conferida pelo TSE; a do governador e vice, pelos Tribunais Regionais Eleitorais; e a de prefeitos e vice, na zona eleitoral correspondente.

Fernando Frazão/Agência Brasil
Prazos exíguos para analisar candidatura faz com que eleitor, muitas vezes, vote em candidatos sem saber se poderá ser eleito
Fernando Frazão/Agência Brasil

O momento de julgar
O drama vivido pela Justiça Eleitoral quanto aos pedidos de registro de candidaturas passa pelo momento correto de julga-las, tema que também está em discussão no Congresso. O PL 5.639/2020 cita o colossal volume de pedidos como um "impeditivo incontornável" à Justiça especializada. Assim, propõe que, nos 20 dias que antecedem a eleição, sejam suspensos os julgamentos de recursos eleitorais interpostos em face de sentença que julgar improcedente a impugnação de registro de candidatura deferido.

"Entendemos ser inaceitável que a atuação do Estado às vésperas de eleição comprometa, ainda que involuntariamente, a neutralidade da competição eleitoral e desequilibre a reta final da disputa eleitoral, motivo pelo qual contamos com o apoio dos nobres pares para a aprovação desta proposição", justifica o deputado Gilberto Abramo (Republicanos-MG), autor do PL, que aguarda designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC).

O Congresso também discute o que fazer com os votos dados a candidaturas que forem impugnadas e derrubadas pela Justiça eleitoral após o pleito. Os parágrafos 3º e 4º do artigo 175 do Código Eleitoral determinam que, nessa hipótese, os votos poderão ser computados para o partido no caso de eleições proporcionais (deputado e vereador).

Como mostrou a ConJur, essa mesma previsão constava da Resolução 23.554/2017 do TSE, que orientou o proceder para a eleição de 2018. Em outubro de 2020, a corte decidiu passar por cima dessa regra para anular os votos de um candidato que teve o registro cassado.

O PL 2.766/2019 propõe a mesma solução, pela alteração do artigo 175 do Código Eleitoral, baseado justamente no fato de a formalização dos registros de candidatura se superpor ao início do período eleitoral. Segundo o deputado Cláudio Cajado (PP-BA), isso impede que conheçamos, de antemão, quem pode ou não disputar o pleito.

"Acontece que não parece razoável essa transferência de votos à legenda de um candidato que disputou as eleições e teve o seu registro indeferido enquanto considerado inelegível", cita, na justificativa para o PL, que aguarda designação de relator.

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!