Contas à Vista

E o Bolsonaro, quem diria, virou líder do MTST

Autor

  • Fernando Facury Scaff

    é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) advogado e sócio do escritório Silveira Athias Soriano de Mello Bentes Lobato & Scaff Advogados.

26 de outubro de 2021, 8h00

Semana passada ocorreu um movimento político dos mais importantes em nosso país: o presidente Bolsonaro, através de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, desbancou Guilherme Boulos como líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), pois, com uma penada, derrubou o teto de gastos (EC 95) criado pelo governo Temer (para os desavisados: trata-se de uma piada). Tem razão o comediante José Simão: "Este é o país da piada pronta".

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Poderia usar também Toquinho e Vinicius de Moraes: "Era uma casa muito engraçada/Não tinha teto, não tinha nada/Ninguém podia entrar nela não/Porque na casa não tinha chão".

Piadas à parte, o governo de extrema direita de Bolsonaro dinamitou o teto de gastos sob aplausos da esquerda, que jamais simpatizou com esse mecanismo financeiro, e sob o espanto do mercado financeiro, que o considerava um instrumento para conter a gastança do setor público.

O problema não está na derrubada do teto de gastos, mas no motivo que levou o governo a o fazer.

A causa imediata da queda do teto foram motivos eleitorais, e não a benemerência governamental, pois seria possível socorrer os miseráveis, que realmente necessitam dos R$ 400 mensais para sobreviver, sem dinamitá-lo. Bastava deixar de lado as emendas de relator, que também possuem nítido caráter eleitoreiro, e que foram ressuscitadas pelo atual governo sem nenhuma transparência, e encontram-se sob a mira do STF e do TCU.

Não se trata de uma questão de receita o governo tem arrecadado como nunca. Trata-se de acomodar sob o mesmo teto esses diversos gastos públicos.

O mecanismo financeiro do teto de gastos foi mal desenhado em sua origem. A lógica de colocar diferentes tipos de despesas sob o mesmo teto acabaria fazendo com que as despesas "mais fortes" expulsassem as "mais fracas". É simples de entender: gastos com pessoal são "despesas fortes", pois são "obrigatórias" e têm um conjunto coeso de pessoas interessadas, de tal modo que dificilmente conseguem ser reduzidas pelo governo; já as despesas com investimentos são "mais fracas", pois as pessoas interessadas se constituem em um grupo mais "difuso", com menos poder para impor o gasto, embora seja igualmente importante para o país, constituindo-se em "despesas discricionárias". Colocadas sob o mesmo teto, a mais fortes seguramente expulsam as mais fracas. E isso vêm ocorrendo desde o início da regra do teto, em 2016, que o governo Temer criou para seus sucessores. Não durou um mandato presidencial.

O desenho do teto de gastos se revelou um rabisco no que tange aos precatórios, pois, a despeito de serem gastos obrigatórios, o Poder Executivo não tem controle sobre seu montante, e se caracterizam como "gastos fracos", em razão de o grupo neles interessado ser muito difuso. Ao serem colocados sob o mesmo teto, ajudaram o governo a o dinamitar.

A peculiaridade é que, no caso, quem dinamitou o teto não foi o interesse em mais investimento público ou em gastos sociais, que continuam desamparados no orçamento, mas o interesse reeleitoral, pois serão realizados gastos com amparo aos mais pobres (o que é necessário), e os gastos com os políticos que constituem a base de apoio ao governo, o que é apenas reeleitoral, não é republicano, é imoral e inconstitucional. Isso aponta para o fato de que a despesa "mais forte" de todas é movida pelo interesse reeleitoral, e não para o bem da sociedade.

Falta a esse governo uma melhor compreensão de seu papel na economia. A explosão da inflação decorre de políticas econômicas erradas, como no caso do preço dos combustíveis, com a Petrobras sendo utilizada em proveito de seus acionistas em detrimento da população em geral, ou em decorrência da inércia em agir defronte à crise hídrica, que já está presente, com imediatos reflexos no preço da eletricidade. Os exemplos poderiam se multiplicar, mas essa é a gênese do problema, sua causa. As consequências são a iminente greve dos caminhoneiros, a carestia, o preço dos combustíveis nas alturas, os aumentos na conta de luz e outros fatos do quotidiano visíveis nas gôndolas dos supermercados. Sem falar na desabalada queda do valor de nossa moeda frente ao dólar — no início do governo Bolsonaro, um dólar valia R$ 3,87 e hoje vale R$ 5,70, cerca de 40% mais caro.

Bolsonaro dinamita o teto de gastos, importantes cargos no Ministério da Economia são desocupados por pedidos de exoneração, o mercado se desespera e a inflação sobe. O mal-estar em nosso país cresce.

O discurso oficial é que estamos melhorando. Será? Não é o que parece.

O cenário é de um quadro do programa do SBT, "Vale tudo por dinheiro", no caso é "Vale tudo pela reeleição".

Não tenho dúvidas de que o Brasil é um grande país. Sobrevivemos às políticas desastradas do segundo mandato do governo Dilma, ao início do desmonte social do governo Temer, e ao destrambelhado governo Bolsocaro — isto é, Bolsonaro. Sobreviveremos, sem dúvida, porém com um país quebrado.

Eu me permito dar duas sugestões jurídicas a quem vier a pilotar o país no próximo mandato: extinguir a reeleição (criada pelo governo FHC) e acabar com as emendas de relator no orçamento. Quem sabe assim, mesmo com a Covid-19 entrando sob controle e seus mais de 600 mil mortos (grande parte deles ocasionados pelo desgoverno atual), consigamos respirar melhor entre 2023-2027.

O próximo governo terá de ser de reconstrução nacional.

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    é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff Advogados.

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