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A promessa do open finance: desafios para sua efetivação no Brasil

Autores

  • Cynthia Barbosa de Almeida

    é advogada atuante com compliance bancário com foco na nova economia especializada em Direito Penal Econômico pelo IBCCRIM/Universidade de Coimbra Gestão de Riscos Fraudes e Compliance pela Fundação Instituto Administração Compliance pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas/SP.

  • Otavio Venturini

    é consultor jurídico professor universitário doutorando e mestre em Direito pela Fundação Getulio Vargas-SP presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade) e advogado com destacada atuação em temas de direito público corporativo e compliance.

24 de outubro de 2021, 8h00

Na esteira de evolução do projeto do open banking, o open finance (ou sistema financeiro aberto) propõe-se a englobar não apenas o sistema bancário, mas o sistema financeiro como um todo. Em suma, isso significa dizer que as instituições do sistema financeiro nacional (bancos, fintechs, seguradoras, cooperativas etc.) poderão, mediante autorização de seus clientes, compartilhar informações financeiras por meio de plataformas digitais.

A promessa do Bacen, nas palavras de seu chefe de regulação, é fazer o maior projeto de sistema financeiro aberto do mundo [1]. Ousado, o projeto é divido em quatro etapas [2]:

1ª fase: compartilhamento de dados das instituições participantes  início em fevereiro de 2021
Na primeira fase, apenas as instituições financeiras participantes compartilham informações padronizadas sobre produtos e serviços bancários tradicionais que possuem. Desde o primeiro momento, há expectativa de que novas soluções sejam desenvolvidas no mercado financeiro, como: comparadores de serviços e tarifas, apps de aconselhamento financeiro e planejamento familiar, iniciação de pagamento em mídias sociais, marketplace de crédito etc.

2ª fase: compartilhamento de dados cadastrais e transacionais sobre serviços bancários  início em agosto de 2021
Na segunda fase, os usuários que quiserem poderão solicitar o compartilhamento de seus dados cadastrais e transacionais (por exemplo: informações sobre suas contas e cartão de crédito ou outros produtos de crédito utilizados) entre as instituições participantes. Nessa etapa, são iniciadas as ofertas dos melhores produtos e serviços de acordo com os perfis de cada usuário (suitability).

3ª fase: iniciação de transações de pagamentos instantâneos (Pix) por iniciadores de transação de pagamento e entrada gradual de novos arranjos — início em outubro de 2021
A terceira fase também se iniciará com o consentimento do cliente, quando haverá compartilhamento de serviços de iniciação de transações de pagamento e de encaminhamento de proposta de operação de crédito.

4ª fase: compartilhamento de informações sobre produtos de investimentos, previdência, seguros e câmbio, entre outros  início em dezembro de 2021
Na quarta fase, novos serviços financeiros entrarão para o escopo de compartilhamento do open finance (por exemplo: cotações de câmbio, rentabilidade de investimentos, seguros, previdência complementar, abertura de contas-salário etc.). Nesta última etapa, há expectativa de que soluções cada vez mais integradas, personalizadas, acessíveis e com maior gama de produtos e serviços passem a integrar e diversificar o mercado.

Dessa forma, o open finance promete facilitar a portabilidade do histórico financeiro dos usuários para qualquer instituição do sistema financeiro nacional autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil (Bacen). A dinamização e facilitação da portabilidade favorece o aumento significativo da oferta de produtos e serviços, e, como consequência do estímulo à competição entre as instituições, revela potencial para proporcionar melhores taxas e condições de ofertas. Em suma, uma proposta que parece apresentar aspectos positivos para a regulação do sistema financeiro e para o mercado como um todo, notadamente: 1) para o funcionamento e regulação do mercado, estimulando maior competição [3], variedade e eficiência nos serviços; 2) para as instituições autorizadas a funcionar pelo Bacen, no que diz respeitos às possibilidades de prospecção de clientes e espaço para inovar, ainda mais, em produtos e serviços; e 3) para o consumidor, ao promover maior liberdade e poder de gestão do seu histórico financeiro e melhores ofertas de produtos e serviços de instituições que, eventualmente, sequer teve relação de consumo anterior.

O Bacen, alinhado com a Agenda BC+ [4], espera que o open finance traga inovação, transparência no fluxo de informações, melhores condições de crédito, mais facilidade para comparar produtos e serviços, novos modelos de negócio e uma maior inclusão financeira da população. As expectativas são grandes, já que no Brasil as fintechs têm contribuído de forma significativa, dando maior acesso a produtos financeiros para cidadãos "desbancarizados". Para o regulador, é importante que fintechs e os demais players do mercado financeiro nacional continuem aproveitando as janelas de oportunidade regulatórias para fomentá-lo e integrar o dinheiro que antes circulava apenas em espécie ao sistema. Tudo isso, além de proporcionar melhores condições e variedade para os consumidores, também ajuda o regulador a aprimorar suas estatísticas, formas de supervisão e a entender próximos passos para sua agenda.

Tudo parece muito promissor, mas será que o open finance irá, realmente, "decolar"? A questão passa tanto pela necessidade de mudança de hábitos dos usuários e aceitação do modelo quanto pelos desafios regulatórios impostos à sua efetivação no Brasil. Quanto à mudança de hábitos dos consumidores, o êxito do Pix e a inovação dos pagamentos instantâneos  que vêm batendo recordes tanto em volume de transações, quanto de valores transacionados — fornecem um cenário animador. Por sua vez, entre os desafios regulatórios, a adequação à legislação de proteção de dados em todos os seus aspectos e à segurança dos dados surgem, nesse primeiro momento, como aspectos cruciais para o operacionalização do open finance. Vale mencionar que, recentemente, o Bacen comunicou o primeiro vazamento de dados cadastrais do Pix que estavam sob a guarda e responsabilidade de uma instituição financeira brasileira, a demonstrar que o tema e as práticas necessitam evoluir [5].

As diretrizes regulatórias do open finance procuram enfrentar esses desafios por meio de: 1) imposição de regras e padrões rigorosos de segurança cibernética; 2) ambiente com diversas camadas de segurança (autenticação do consumidor e das instituições participantes); 3) restrição de players, limitando a atuação somente a instituições autorizadas; 4) regras de responsabilização de instituições financeiras; e 5) supervisão de todo processo pelo Bacen.

O open finance é um projeto complexo e que envolve diversas instituições e diferentes frentes de negócio; além disso, foi acompanhado pelo desdobramento, praticamente simultâneo, de projetos importantes, como a agenda de recebíveis e o Pix. Tudo isso faz com que esse projeto fosse postergado ou tivesse fases prorrogadas mais de uma vez. Os desafios de supervisão para o regulador são grandes, a implementação de suas etapas é desafiadora para os participantes e todos aguardam a sua conclusão para acompanhar os impactos no mercado.


[1] Relato de João André Pereira, chefe do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do Banco Central. Acesso em 13/10/21 e disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/08/estamos-criando-o-maior-open-banking-do-mundo-diz-banco-central.shtml.

[2] Acesso em 13/10/21 e disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/openbanking.

[3] Focando principalmente no setor de meios de pagamento, vale recordar duas mudanças que trouxeram evolução para o setor e o ajudaram a se tornar um ambiente mais competitivo: fim da exclusividade entre Visa e Visanet e Mastercard e Redecard (decisão da Secretaria de Direito Econômico em 2009) e interoperabilidade dentro dos arranjos e entre arranjos de pagamento distintos (introduzida pela Lei nº 12.865/2013).

[4] Agenda BC+ é a agenda de trabalho do Bacen e é estruturada de acordo com quatro pilares: 1- Mais Cidadania Financeira; 2- Legislação Mais Moderna; 3- SFN mais eficiente; e 4- Crédito Mais Barato.

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    é advogada atuante com compliance bancário com foco na nova economia, especializada em Direito Penal Econômico pelo IBCCRIM/Universidade de Coimbra, Gestão de Riscos, Fraudes e Compliance pela Fundação Instituto Administração, Compliance pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas/SP.

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    é advogado, professor, mestre e doutorando em Direito e Desenvolvimento pela Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas/SP, vice-presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

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