Opinião

A superação de um dilema processual relacionado ao agravo interno

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24 de outubro de 2021, 11h28

A comunidade jurídica, de uma forma geral, reconhece a dificuldade de recursos serem conhecidos no Superior Tribunal de Justiça, seja pela quantidade de requisitos formais, seja pela jurisprudência defensiva que impera naquela corte.

Falando de jurisprudência defensiva, não são raras as vezes em que o Superior Tribunal de Justiça revisita seus entendimentos para dar uma nova roupagem a algum óbice de conhecimento, alimentando a dicotomia entre julgamento célere e julgamento equânime.

Na sessão da Corte Especial da última sexta-feira 20/10, foi a vez de se debruçar novamente sobre um óbice recursal pouco admirado pelos advogados em geral: a Súmula 182/STJ, a qual dispõe que não deve ser conhecido o agravo interno que deixa de impugnar especificamente todos os fundamentos da decisão agravada.

O referido verbete, desde sua publicação, em 1997, foi alvo de questionamento por advogados e por alguns ministros, pois obrigava a parte a recorrer até mesmo dos pontos da decisão que, apesar de desfavorável, lhe convencia da baixa probabilidade de êxito. Afinal, por que não poderia a parte recorrente abrir mão de um ou outro argumento e insistir apenas no que entende ser viável de provimento pela corte superior?

Durante mais de 20 anos de debate, o principal argumento que sustentava a aplicação de forma marcial do referido verbete se inspirou no princípio da dialeticidade, o qual tem significado bastante intuitivo: tudo aquilo que foi dito na decisão recorrida deve ser imprescindivelmente contradito no respectivo recurso.

Esse entendimento era utilizado originalmente para negar conhecimento ao agravo em recurso especial, que é interposto contra a decisão que inadmite o recurso especial nos tribunais de origem.

Ocorre que, apesar de ter uma aplicação lógica no agravo em recurso especial, o transporte descriterioso dessa exigência para o agravo interno faz surgir fissuras no raciocínio jurídico, justamente por conta das diferentes naturezas das decisões que são impugnadas por cada um desses dois recursos.

No agravo em recurso especial, a decisão impugnada é incindível, constituindo uma unidade, uma unicidade. Isso significa que a referida decisão ou admite o recurso especial ou o inadmite, não havendo espaço para admissão parcial. Em outras palavras, ou sobem todas as alegações ou não sobe nenhuma.

A consequência prática de se admitir a admissão parcial do recurso especial seria que ascenderiam para o Superior Tribunal de Justiça dois recursos decorrentes de uma mesma situação: um recurso especial com as alegações que foram admitidas e um agravo em recurso especial com as que não foram, o que causaria um indesejável alvoroço processual, além impedir a corte superior de adentrar nas alegações que, apesar de inadmitidas, compõem o recurso especial.

Ou seja, para o agravo em recurso especial, a exigência de impugnação específica de todos os fundamentos da decisão agravada é medida criada a partir de raciocínio jurídico coerente e consistente com a sistemática recursal.

Por outro lado, a unicidade/unidade não está presente na decisão recorrível por agravo interno. É que, diferentemente do que ocorre na decisão atacável por agravo em recurso especial, o ministro relator pode, por decisão monocrática, analisar de forma independente cada uma das alegações lançadas pelas partes, tecendo razões para o acolhimento ou rejeição de cada uma.

Por consequência, a parte prejudicada pode interpor agravo interno impugnando apenas aquilo que lhe convém, sem prejuízos de abrir mão daquilo que já não mais vislumbra chance de vitória após a análise dos fundamentos exarados pelo ministro relator.

Tal medida permite a simplificação do agravo interno, já que evita que a parte tenha de empenhar esforços para insistir em alegações que sabidamente não serão acolhidas. Trata-se de questão de saúde processual, capaz de reduzir o desgaste das partes e de economizar o tempo dos próprios ministros.

Há de ser feita apenas uma ressalva. Os fundamentos da decisão que não serão impugnados devem ser autônomos, independentes entre si.

Isso quer dizer que, caso uma mesma alegação seja rejeitada por dois fundamentos distintos, o agravo interno deve impugnar ambos, pois são fundamentos vinculados a uma mesma alegação. Por outro lado, caso duas alegações distintas sejam rejeitadas por fundamentos distintos, a parte pode, em agravo interno, impugnar apenas uma delas, abrindo mão daquela que não mais tem interesse em recorrer.

Com base nessas especificidades, ao julgar os Embargos de Divergência 1.424.404/SP, cujo acórdão ainda não foi publicado, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, maior órgão jurisdicional da nossa Corte Cidadã, pacificou o entendimento de que o agravo interno pode impugnar parcialmente a decisão agravada, de modo que a não impugnação de alguns pontos ensejaria apenas a preclusão, ao invés do não conhecimento total do recurso.

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