Opinião

O que colhe quem acolhe? O valor da hospitalidade para o Direito

Autor

  • Marcílio Franca

    é membro do Comitê Jurídico da International Art Market Studies Association árbitro da Court of Arbitration for Art (Rotterdam Holanda) da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (WIPO) e do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul docente da Universidade Federal da Paraíba ex-professor visitante das faculdades de Direito das Universidades de Pisa Turim e Ghent pós-doutor em Direito no Instituto Universitário Europeu (Florença Itália) e procurador-chefe da força-tarefa do Patrimônio Cultural do Ministério Público de Contas da Paraíba.

22 de outubro de 2021, 12h13

A hospitalidade é um valor fundamental para o Direito. Foi a partir do exercício da hospitalidade, do acolhimento do estrangeiro, do migrante, do diverso, do distinto e do distante que se desenvolveram e consolidaram princípios ético-jurídicos como a fraternidade, a solidariedade e a tolerância, bases essenciais para os direitos humanos. O mundo começou a compreender o que era alteridade nas estalagens, nos albergues, nas hospedarias, oferecendo guarida e provisões a quem vinha de longe.

Minas Gerais é uma terra hospitaleira. Tão acolhedora que até mesmo a sua paisagem se curvou em calorosos amplexos montanhosos para poder abraçar o visitante. A mesa generosa e a fartura de boa prosa, servida por autores como Guimarães Rosa, Drummond, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e tantos outros, contribuem para o exercício constante das cordialidades mineiras. Tinha razão Clarice Lispector: "Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!". Não foi à toa que a terra plural das Minas Gerais, aprimorando-se nas artes da hospitalidade, foi berço da tolerância e da liberdade entre nós.

Nos próximos dias 27 e 28, as principais instituições de Minas Gerais se unem à Embaixada da Bélgica no Brasil e ao Consulado Honorário belga em Belo Horizonte para celebrar essa hospitalidade: Há 101 anos, a jovem capital mineira acolhia com requinte e esmero a visita do presidente Epitácio Pessoa e do rei Alberto I, da Bélgica, primeiro chefe de Estado europeu a visitar o país. O rei dos belgas vinha acompanhado da rainha Elisabeth e do príncipe Leopoldo (mais tarde rei Leopoldo III).

Uma longa série de celebrações marcará o centenário da visita real a Belo Horizonte  adiadas desde o ano passado por conta das limitações impostas pela Covid-19. Haverá cerimônias no Palácio da Liberdade, no Tribunal de Justiça, na Assembleia Legislativa, no 1º Batalhão da Polícia Militar, na Câmara Municipal, no tradicional Colégio Santa Maria, na Mina de Morro Velho e no Museu das Minas e do Metal. Um dos pontos altos dos festejos será a inauguração do belo busto do rei Alberto, obra do escultor mineiro José Synfronini de Freitas Castro.

Belo Horizonte era uma capital planejada de 23 anos quando o soberano e o presidente chegaram, depois de passar pelo Rio de Janeiro e por São Paulo. Meses de preparativos, grande expectativa e euforia deixaram a cidade ainda mais bonita. Os desdobramentos sociais, políticos e econômicos daquela visita foram muitos. No campo econômico, recorde-se apenas a criação da siderúrgica Belgo-Mineira (hoje ArcelorMittal), logo em 1921.

A iniciativa das festividades do centenário coube ao desembargador Marcos Henrique Caldeira Brant, superintendente da Memória do Judiciário do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, membro do Instituto Histórico e Geográfico mineiro e integrante do Proname, programa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que cuida da memória do Judiciário brasileiro. Em nome da família Pessoa, registro o agradecimento público ao desembargador Brant pelo honroso convite que me dirigiu para estar presente àquelas merecidas celebrações. Estendo esses agradecimentos ao embaixador Patrick Herrmann, da embaixada da Bélgica em Brasília, e ao cônsul honorário da Bélgica em Minas Gerais, Henrique Machado Rabelo, que se irmanam ao desembargador Brant como anfitriões dessas festividades em torno da acolhida com que os mineiros brindaram um monarca e um republicano, há um século.

Em um mundo tão marcado pela incompreensão e pela intolerância, não poderia chegar em melhor hora a celebração cidadã que Minas Gerais rende ao diálogo, à hospitalidade, à compreensão, ao cosmopolitismo, ao multiculturalismo e à fraternidade. Muito mais do que reverenciar a memória individual do rei Alberto I, o rei Soldado, exemplo de estadista reto e corajoso, ou do presidente Epitácio Pessoa, paradigma do nosso regime republicano, as solenidades de Belo Horizonte marcam, em essência, a comemoração daquela virtude cívica fundamental: a capacidade de estabelecer diálogos, base indispensável da política e da diplomacia  duas outras searas em que os mineiros demonstram tanto savoir faire.

Em 1795, Immanuel Kant publicou o ensaio "Zum Ewigen Frieden". Nele, apontou a hospitalidade como condição essencial para uma paz perpétua. Essa é, sem dúvida, a maior e melhor colheita de quem semeia acolhida.

Autores

  • Brave

    é sócio do Instituto Hispano-Luso-Americano de Direito Internacional (IHLADI) e árbitro da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), da Court of Arbitration of Art (CAfA) e do Tribunal Permanente de Revisão do MERCOSUL (TPR), professor do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

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