Opinião

PEC 05/2021: a quem incomoda o controle do Ministério Público?

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21 de outubro de 2021, 7h14

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 05, de 2021, se aprovada pelo Congresso, mais do que ser uma disputa política como tem sido colocado, tenta contornar uma situação jurídica dúbia. Por um lado, a PEC quer equacionar a disputa de poder outorgada a membros do Ministério Público da União.

A proposta suscitará uma questão de constitucionalidade, já que pela redação da Constituição (artigo 128) o Ministério Público da União compreende quatro ramificações (MP Federal, MP Militar, MP do Trabalho e Ministério Público de Distrito Federal e Territórios — MPDFT). Mas essa posição do MPDFT originariamente sempre foi problemática, pois o constituinte o equiparou ao Ministério Público dos estados nos parágrafos 3º e 4º do mesmo dispositivo.

Por isso, alterar a composição de membros do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), prevista na PEC 05, de quatro para três entre os quadros do Ministério Público da União (artigo 130-A, II) pode ter a constitucionalidade questionada. E questionamento com base nesse mesmo reenquadramento pode ser feito com a redação proposta ao artigo 130-A, III, já que entre os outros três membros indicados poderia haver um do MPDFT, e não só dos Ministérios Públicos dos estados, como é hoje.

De qualquer forma, como o Ministério Público é uno e indivisível, conforme o artigo 127, §1º, da Constituição, essa remodelagem na composição do CNMP significa, mesmo, uma disputa de poder sobre controle dos atos dentro da própria instituição, e não se vê na alteração vício de inconstitucionalidade. Pela proposta, não se remodela propriamente o Ministério Público, e, sim, se reacomoda a composição interna de um órgão de controle. Como visto, o próprio constituinte deu as pistas, nos parágrafos 3º e 4º, do artigo 128, de que o MPDFT é assemelhado aos Ministérios Públicos dos estados. Portanto, por essa linha, retirar a indicação de componentes do CNMP dos quadros do Ministério Público da União não ofende a repartição como um todo.

E, de mais a mais, na alteração proposta há um acréscimo de inciso (inciso VII), uma vez que, com a indicação de três (e não mais quatro) membros pelo MP da União, esse "quarto membro" poderia vir, alçado pela indicação de órgãos do poder legislativo. Ou seja, a representatividade dos órgãos do Ministério Público da União poderia vir com as indicações do Poder Legislativo.

De qualquer sorte, vale repetir: o tema não é de repartição de atuação direta dos representantes do Ministério Público, e nem deveria dizer respeito a interesses corporativos, e, sim, diz respeito à modelagem de controle de atos no exercício da função. Isso não interessa só ao Ministério Público, mas à sociedade como um todo.

A abertura à indicação não só de juízes, mas de ministros de Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça para a composição pode trazer luz ao comportamento dos representantes do Ministério Público, pois questões de condutas podem chegar a essas cortes em âmbitos de recursos ou ações autônomas. Quem controla juridicamente os atos processuais pode, sim, integrar ato plural para coibir as condutas de membros do Ministério Público. Se um juiz de primeira instância pode ter assento no CNMP, por que ministro de corte superior não pode? Materialmente, não há vício de inconstitucionalidade. Ao contrário, melhora a possibilidade de controle.

O que enfraquece a democracia é justamente a dificuldade em se controlar os atos de agentes públicos. A proposta de alterar a composição e atender à melhor repartição de representatividade entre órgãos do Ministério Público e maior participação do parlamento em indicação de seus membros não altera a independência, tampouco a autonomia do Ministério Público. Aliás, os próprios nomes sugeridos pelo parlamento devem ser, necessariamente, do Ministério Público.

A propósito, o Ministério Público, como instituição, não é um poder, como Judiciário e Executivo, e mesmo o Conselho Nacional de Justiça — esse, sim, para a apreciação de atos de um poder — possui indicação vinda do Parlamento, e não se aponta a inconstitucionalidade. No limite, portanto, por que o Poder Legislativo pode indicar alguém para controlar os juízes como o faz ao indicar integrantes do CNJ (103-B, XIII, CF), mas não pode indicar — inclusive sendo alguém necessariamente do MP — para controlar o Ministério Público?

Quanto à alteração para que se passe a prever que o corregedor do CNMP não seja mais necessariamente integrante dos quadros do Ministério Público, vale novo paralelismo com o órgão de controle do Poder Judiciário, o CNJ, mas aí por outra razão. É verdade que de acordo com o artigo 103-B, §5º, da Constituição Federal, um ministro do STJ deve funcionar como corregedor. Mas é, como cantou Milton Nascimento, cobrando o que fomos que iremos crescer.

É vendo o que falta que se chega adiante: órgão de controle plural e democrático, tanto das atividades de juízes quanto da de promotores, e de qualquer agente público, deve ser isento o suficiente e não engessado. Daí que a oportunidade é inclusive de aproveitar para acabar com o engessamento do próprio dispositivo a respeito do corregedor no CNJ.

Ao fim e ao cabo, um cidadão de notável saber jurídico e reputação ilibada pode até ser ministro do STF (artigo 101, caput), por que não poderia essa mesma pessoa ser corregedora dos atos do Judiciário e do Ministério Público, uma vez integrante de respectivos conselhos? Qual a razão para a categorização dessas atribuições em cada um dos conselhos?

O Ministério Público, assim como o Poder Judiciário, ou qualquer atuante representante do Estado, não está imune a melhores regras de controle. Numa esfera pública, as coisas devem ser assim: controles fortalecem os seus integrantes, a falta de controle é que estimula a fragilidade da instituição.

A proposta não fere autonomia da instituição, muito ao contrário. Não se constrói uma instituição forte, como se pretende, alijando-a de um controle plural e democrático. Não se prestigia a autonomia e independência de qualquer instituição ao se posicionar contra a melhora em regras de fiscalização do exercício dos atos dos agentes públicos que a integram. Dizer que a PEC fere a autonomia, que enfraquece a instituição, é, sim, fazer coro a um lobby que incentiva o corporativismo. Quem tem medo do controle?

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