Opinião

Considerações sobre danos morais, valor e justiça

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21 de outubro de 2021, 17h07

Antes de adentrar no que são danos morais e qual o valor justo para sua fixação, imprescindível compreender o básico de responsabilidade civil. O Código Civil de 2002 dispõe em seu artigo 186 que:

"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".

Evidente que a obrigação de quem causa dano é repará-lo, ainda que esse dano seja exclusivamente moral.

O dano moral refere-se à honra, à personalidade, à imagem e ao psicológico. Não obstante isso, a jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, concede a reparação de danos morais em casos de transtornos, aborrecimentos e desvios produtivos.

É justamente esse o primeiro ponto a ser observado: quando os danos morais são cabíveis. Para tanto, a jurisprudência considera que somente acontecimentos capazes de romper com o equilíbrio psicológico do indivíduo são ensejadores de danos morais, sob pena de ocorrer verdadeira banalização do instituto [1].

Evidente que nem todos os fatos que as pessoas consideram desagradáveis, constrangedores, humilhantes ou ofensores são aptos a caracterizar o dever de indenizar.

Para que sejam fixados danos morais, indispensável conduta ilícita e antijurídica capaz de romper o equilíbrio psicológico, afetar a honra e causar danos.

Havendo a conduta, o dano sofrido e o nexo causal entre a conduta e o dano, surge o dever de reparar (artigos 186 e 927 do Código Civil e artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal).

A maior controvérsia quanto aos danos morais está no quantum indenizatório a ser fixado a título de reparação. Isso porque o dano moral tem natureza estimativa [2]. O ofendido entende que o valor deve ser o mais alto possível, mas quase nunca o ofensor e o magistrado entendem da mesma forma.

Importante frisar que a reparação de danos morais tem caráter exemplificativo e pedagógico a fim de evitar casos semelhantes futuros. Logo, sua fixação deve atender à dupla função: reparar o dano para minimizar a dor da vítima, que busca o Judiciário com intuito conter o abuso praticado, e punir o ofensor para que o fato não volte a se repetir.

O valor não pode ser irrisório; contudo, não pode ser alto ao ponto de caracterizar enriquecimento ilícito.

Vigora no Direito americano a teoria do valor do desestímulo, sobretudo por meio da aplicação dos punitive damages. Os punitive damages são definidos como: "Indenização outorgada em adição à indenização compensatória quando o ofensor agiu com negligência, malícia ou dolo".

William L. Prosser [3] afirma que os punitive damages (às vezes chamados de exemplary damages) consistem numa soma adicional, acima da remuneração, para a vítima, concedida com a finalidade de punir o réu e de adverti-lo a não o fazer novamente, além de intimidar terceiros com o exemplo, também servindo como caráter pedagógico.

Os punitive damages, até à metade do século 20, não eram frequentes nos Estados Unidos. Mas, a partir daí, a concessão de indenizações punitivas se tornou um dos mais controversos e importantes aspectos da responsabilidade civil no Direito americano. Tal forma de fixação de danos morais tem sido defendida como método saudável de desencorajar desleixos e má prestações de serviços.

Também é adotada como remédio parcial para o processo civil americano permitir a compensação das despesas de litígio gastas pela vítima, incluindo honorários advocatícios, bem como forma de retirar dos demandantes o desejo de vingança e ingressarem em canais pacíficos, além de servirem para corrigir longa série de pequenos casos de indignação e opressão.

Percebe-se que boa parcela da doutrina e da jurisprudência brasileiras aponta conclusão semelhante a dos Estados Unidos. Para essa parcela, a indenização não tem como única finalidade a recomposição do dano material e a compensação pelo dano moral, mas também a possibilidade de servir como instrumento de punição ao agente causador do prejuízo, da forma como atuam os punitive damages dos Estados Unidos.

Tanto que, para Sérgio Cavalieri Filho [4]:

"A indenização punitiva do dano moral surge como reflexo da mudança de paradigma da responsabilidade civil e atende a dois objetivos bem definidos: a prevenção (através da dissuasão) e a punição (no sentido de retribuição)".

Por outro lado, boa parte da jurisprudência fixa os danos morais em valor em torno de R$ 3 mil, fundamentando suas decisões no princípio da razoabilidade e da proporcionalidade.

Esse valor, para grandes empresas, nem de longe atinge a finalidade dos punitive damages, de modo que casos de inscrição indevida de nomes em cadastro de inadimplentes se mostram recorrentes, costumeiros e cotidianos, muitas vezes pela mesma dívida questionada judicialmente, caindo por terra o caráter pedagógico.

Há diversas formas de danos morais e dependem da lesão e do direito violado; há, inclusive, danos morais in re ipsa (que não dependem de comprovação).

Todo o dano deve ser reparado, inclusive os danos causados à honra e à moral dos indivíduos.

Destarte, imprescindível a fixação de danos morais em valor que repare o dano, puna o ofensor e coíba (o réu e terceiros) a praticarem o mesmo fato gerador dos danos morais. Contudo, importante no momento da fixação dos danos morais observar que a fixação não pode caracterizar enriquecimento ilícito, mas que o valor adotado pela jurisprudência de R$ 3 mil não cumpre, nem de longe, a reparação do dano, tampouco coíbe novas práticas ou serve de exemplo.


[1] Acórdão 1202592, 07165435620198070016, Relator: FABRÍCIO FONTOURA BEZERRA, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 19/9/2019, publicado no DJE: 2/10/2019.

[2] Acórdão 1100848, maioria, Relator: EUSTÁQUIO DE CASTRO, Relator Designado: MARIO-ZAM BELMIRO, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 24/5/2018).

[3] PROSSER, William L. Handbook of the Law of Torts. 4. ed. Eagan (MN): West Publising Co., 1971.

[4] CAVALIERI. Sérgio Filho. Programa de responsabilidade civil. 11.ed. São Paulo: Atlas, 2014.

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