Por 25 anos

Empregada submetida a condição análoga à de escravo receberá R$ 300 mil

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21 de outubro de 2021, 17h28

Foi homologado um acordo, nesta quinta-feira (21/10), pela 3ª Vara do Trabalho de São José dos Campos (SP), em que uma empregada doméstica receberá mais de R$ 300 mil de indenização após ser resgatada da situação de trabalho análogo à escravidão.

Tingey Injury Law Firm/Unsplash
Empregada foi impedida de qualquer convivência social por mais de duas décadas
Tingey Injury Law Firm/Unplash

A empregada foi resgatada em junho de 2021, após denúncias anônimas, e encaminhada a um abrigo municipal. A mulher trabalhava para uma mesma família, sob condições degradantes, havia 25 anos. O empregador chegou a ser preso em flagrante — mas o acordo prevê sua não persecução penal. 

O ajuste garantiu, no que se refere à defesa dos direitos individuais da mulher de 46 anos, o valor de R$ 200 mil para a compra de uma casa e 80% do valor relativo aos salários dos últimos cinco anos de trabalho, que correspondem a cerca de R$ 70 mil.

A conciliação também garantiu uma pensão no valor de um salário mínimo pelo período de cinco anos e o pagamento da contribuição facultativa ao INSS, também pelos próximos cinco anos, que cessará caso a trabalhadora estabeleça vínculo de emprego.

A trabalhadora já havia recebido, no momento do resgate, o pagamento da rescisão trabalhista de aproximadamente R$ 22 mil e a regularização do vínculo laboral dos últimos 25 anos junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

A proposta foi construída com a participação do Ministério Público Federal, do Ministério Público do Trabalho e da Defensoria Pública da União.

Trabalho análogo à escravidão
A vítima iniciou a prestação de serviços à família aos 13 anos de idade, para a mãe do atual empregador. Na última residência, ela trabalhou de setembro de 1996 até o dia do resgate. Segundo as provas constantes do inquérito do MPT, a trabalhadora era vítima de restrição de liberdade. A empregada se manteve impedida de qualquer convivência social por mais de duas décadas.

A vítima trabalhava em jornada exaustiva e sem repouso semanal. Ela inclusive era levada para viagens com a família, de forma que pudesse manter a prestação de serviços durante os momentos de lazer dos empregadores.

O empregador alegou que o salário era pago em conta corrente da mãe da empregada doméstica, com quem ela não mantinha contato próximo; na prática, a trabalhadora não recebia qualquer remuneração.

Em abril de 2021, a Polícia Militar recebeu uma denúncia de maus tratos e, ao se dirigir à residência denunciada, lavrou boletim de ocorrência, para investigações posteriores. Em junho, a procuradora do MPT Ana Farias Hirano obteve decisão cautelar para ingressar no domicílio onde trabalhava a vítima.

Integrantes do MPT — em conjunto com auditores fiscais do Trabalho, Polícia Federal e funcionários do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) — foram à casa e comprovaram as irregularidades; o empregador foi preso em flagrante e a empregada, encaminhada a um abrigo municipal.

A Defensoria Pública da União foi procurada por representantes do MPT e do MPF com o objetivo de atuar no caso para garantir os direitos individuais da trabalhadora no acordo a ser firmado com o empregador.

"Foi um trabalho coordenado entre MPF, MPT e DPU, com participação da prefeitura, que ainda fornece abrigo e apoio à vítima", disse o procurador da República Fernando Lacerda Dias. "O acordo viabilizou amplo ressarcimento à vítima, que vai ter condições de retomar sua vida plena e autônoma, mas também garantiu segurança jurídica aos investigados, com encerramento de possíveis demandas individuais, trabalhista e penal. Acho que o resultado foi bom para todos".

Para a procuradora Ana Farias Hirano, o trabalho conjunto entre as instituições garantiu o melhor desfecho possível para assegurar direitos que podem ser usufruídos de forma imediata, sem a necessidade de tramitação judicial.

"Contudo, é importante pontuar que nenhum dinheiro no mundo será capaz de reparar a perda de 25 anos vivendo em condições análogas à escravidão, mas ao menos propiciará condições mais confortáveis de vida à trabalhadora daqui para a frente", ressaltou.

"Foi muito importante a participação das três instituições no caso, cada uma focada nas suas especialidades, pois a atuação em harmonia permitiu a rápida resolução do conflito, restando clara a necessidade de a DPU participar cada vez mais desse tipo de ação integrada com os demais órgãos, uma vez que entre suas atribuições está a defesa da vítima e a busca de seus direitos individuais", destacou o defensor público Federal Djalma Pereira.

O acordo firmado entre as partes foi subdividido em três cláusulas com especificidades de atuação da DPU, do MPF e do MPT. A cláusula de "ressarcimento à vítima" foi atribuição da Defensoria Pública da União; o item "termo de ajustamento de conduta trabalhista", do Ministério Público do Trabalho; e a parte de "acordo de não persecução penal", do Ministério Público Federal. Com informações da assessoria de imprensa do MPF-SP.

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