Opinião

O Regimento do Senado e a sabatina de André Mendonça

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20 de outubro de 2021, 14h06

O protagonismo da jurisdição constitucional no Brasil por vezes obscurece a existência de soluções mais prosaicas para determinados impasses, como demonstra a prematura impetração, por dois senadores da República, de mandado de segurança contra a omissão do presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal na indicação de relator da Mensagem nº 36/2021, por meio da qual o presidente da República indicou André Mendonça para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal.

Felizmente, o Supremo Tribunal Federal, em decisão muito bem fundamentada, recusou-se a interferir, atento inclusive à circunstância de que a escolha de seus ministros, como contrapeso ao seu próprio poder, deve caber apenas ao presidente da República e ao Senado Federal.

Nessa decisão, o ministro Ricardo Lewandowski transcreveu trecho da petição inicial do mandado de segurança, em que os senadores impetrantes afirmam que teriam sido utilizados "todos os instrumentos possíveis pelas vias institucionais para que a autoridade coatora cumprisse tempestivamente com o seu dever de pautar reunião do colegiado para chancelar ou rejeitar o nome indicado".

A afirmativa é inconsistente. A arguição do candidato indicado pelo presidente da República na CCJC é prevista no artigo 383, II, do Regimento Interno do Senado. A ela segue o relatório que, se aprovado, passa a ser chamado de parecer, a ser posteriormente apreciado no Plenário (artigo 383, V e VII).

É verdade que o presidente da CCJC tem a competência de definir a pauta e designar relatores (artigo 89, I e III, do regimento), mas isso não significa que ele disponha de um autêntico poder de veto, capaz de impedir a manifestação da maioria dos senadores em sentido diverso.

Segundo o artigo 81 do regimento, o "lugar na comissão pertence ao partido ou bloco parlamentar", e não ao senador. Assim, ele pode ser substituído, mesmo contra sua vontade. Tratando-se de um membro da comissão, a substituição se dá por iniciativa do líder, mas para a substituição do presidente o regimento exige que o ato do líder seja precedido "de autorização da maioria da respectiva bancada" (§2º). No caso, trata-se da bancada do Bloco Parlamentar Vanguarda, composto por DEM, PL e PSC e cujo líder é o senador Wellington Fagundes.

Mesmo que o bloco resolva manter o atual presidente da CCJC, o regimento prevê outros remédios para fazer frente à sua omissão.

O artigo 336, III, prevê que pode ser requerida urgência "quando se pretenda incluir em Ordem do Dia matéria pendente de parecer". Em outras palavras, a falta do parecer da CCJC não é impeditivo absoluto à apreciação da mensagem presidencial pelo Plenário do Senado, desde que a urgência seja proposta "por um quarto da composição do Senado ou líderes que representem esse número"' (artigo 338, III) e seja aprovada no próprio Plenário (artigos 340, III, e 345, III). 

Uma vez aprovada a urgência, o parecer deve ser apresentado em prazo exíguo, podendo ser oral se houver "motivo justificado"' (artigo 346, III e §2º).

Portanto, tanto a maioria do bloco parlamentar composto pelo presidente da CCJC quanto um quarto dos senadores, independentemente do bloco que componham, podem encerrar a obstrução à apreciação da Mensagem nº 36/2021.

É o Senado, e não o Supremo Tribunal Federal, que conta com os mecanismos necessários a resolver a questão. A obstrução faz parte do jogo parlamentar e seria absurdo qualificá-la como crime , mas a existência desses mecanismos regimentais impede que ela seja confundida com poder de veto de um único senador. Se ela permanecer, pode ser indicativo de que não há maioria suficientemente engajada para rompê-la.

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