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Uso de lei anti-revenge porn para ensaio em revista vazado tem empate no STJ

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19 de outubro de 2021, 20h20

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça vai passar por voto de desempate para definir se a norma do Marco Civil da Internet que confere proteção às vítimas da chamada pornografia de vingança (revenge porn) pode ser aplicada para a situação da modelo que produz ensaio sensual para uma revista, mas tem as fotos vazadas e publicadas sem a sua autorização em blogs.

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Ensaio sensual para revista foi publicado por blogs sem autorização da modelo
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Nesta terça-feira (19/10), o julgamento foi retomado pelo colegiado com voto-vista do ministro Moura Ribeiro, que acompanhou a divergência aberta pelo ministro Marco Aurélio Bellizze. Com o resultado, firmou-se empate por 2 a 2. Quinto a votar, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino pediu vista para melhor analisar o tema.

O caso trata de uma modelo fotográfica que posou nua para a revista Sexy. O ensaio foi publicado em janeiro de 2017 e estava acessível para pessoas maiores de 18 anos mediante pagamento prévio. A publicação dessas fotos em blogs não foi autorizada e ampliou sensivelmente o alcance delas.

A modelo usou a plataforma do Google de denúncia de violação de direitos autorais, mas as páginas que hospedavam as imagens continuaram disponíveis. O conteúdo só foi derrubado após notificação judicial. Sem resistência, a empresa de tecnologia afirmou ter removido 380 URLs.

Para o Tribunal de Justiça de São Paulo, o Google deve ser responsabilizado pelo conteúdo porque, com base no artigo 21 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), deixou de promover a indisponibilização das imagens de nudez da modelo mesmo após o recebimento de notificação.

Essa foi a posição manifestada pela ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, e acompanhada pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

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Constitucionalidade da responsabilização do aplicações de internet como o Google pelo conteúdo de terceiros será julgada pelo STF

Abriu a divergência o ministro Marco Aurélio Bellizze, acompanhado pelo ministro Moura Ribeiro. Para eles, imagens de nudez produzidas com o lícito propósito de lucro e direcionadas a público especifico mediante pagamento pelo acesso das mesmas não podem ser definidas como de caráter privado.

No caso, incidiria a regra do o artigo 19 do mesmo Marco Civil da Internet, que de forma mais geral apenas responsabiliza civilmente provedores como o Google por conteúdo de terceiros apenas quando deixa de remove-los após ordem judicial específica.

O tema está em discussão no Supremo Tribunal Federal, que deve julgar dois que questionam o artigo 19 do Marco Civil da Internet. O objetivo é definir a constitucionalidade da responsabilização de provedores de aplicações de internet por conteúdo produzido por terceiros, exatamente como no caso julgado pela 3ª Turma.

Antes de pautar os Recursos Extraordinários 1.057.258 e 1.037.396, o STF decidiu fazer audiência pública sobre o tema, que estava inicialmente marcada para março de 2020, mas precisou ser suspensa por conta da epidemia. Para o colunista da ConJur, Lenio Streck, o artigo 19 do Marco Civil é constitucional e não viola quaisquer direitos fundamentais.

Lucas Pricken/STJ
Segundo ministro Marco Aurélio Bellizze, Google só precisaria derrubar URLs após decisão judicial específica sobre o caso
Lucas Pricken/STJ

Cabe artigo 19
Ao acompanhar a divergência nesta terça, o ministro Moura Ribeiro destacou que tirar fotos intimas para divulgar em revista ao público adulto e receber contraprestação financeira por isso não é ilícito. "Ilícito é divulgar fotos particulares sem consentimento, o que não é o caso", pontuou.

Isso porque o material de ensaio fotográfico realizado para exploração econômica por revista adulta voltada para público seleto mediante pagamento a acesso não pode ser definido como de caráter privado.

"Não vejo nenhum viés machista, porque minha conclusão seria a mesma se o autor da ação porventura fosse do sexo masculino ou de qualquer gênero. São normas que têm incidência abstrata e genérica sobre fatos diversos", pontuou o ministro vistor.

Antes, o ministro Marco Aurélio Bellizze havia se pronunciado no mesmo sentido. Para ele o objeto do processo não é a proteção do direito personalíssimo da modelo, mas o ressarcimento pelos prejuízos causados pela exploração de imagens licenciadas. Esse direito existe, mas a responsabilidade não é do Google, que inclusive forneceu a identificação dos usuários que compartilharam as fotos ilegalmente.

Gustavo Lima/STJ
Para ministra Nancy Andrighi, Google deveria ter derrubado URLs quando recebeu a notificação extrajudicial da modelo
Gustavo Lima/STJ

Cabe artigo 21
Já segundo a ministra Nancy Andrighi, o fato de uma pessoa ter consentido em ser fotografada por quem quer que seja é insuficiente para tornar público o conteúdo, que é inegavelmente sensível.

Isso porque a modelo não autorizou a exposição pública indiscriminada das imagens sensuais. Embora tenha consentido o ensaio, a publicação das fotos em blogs caracteriza como pornografia não consentida e viola os direitos à imagem, à privacidade e à intimidade.

Por isso, se o Google não atendeu ao pedido de exclusão das URLs formulado na notificação extrajudicial encaminhada, é responsável pelos danos suportados pela modelo.

"O artigo 21 do marco civil não tem a sua aplicação restrita a situações de pornografia de vingança, mas alcança também hipótese de divulgação de foto de nudez tiradas com consentimento da vítima para publicação de determinada revista de acesso restrito, mas veiculadas em outros sites da internet sem sua autorização", concluiu a relatora.

REsp 1.930.256

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