Opinião

O direito de defesa diante da Lei 9.099/95 e as normas supralegais no Jecrim

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18 de outubro de 2021, 10h38

A Justiça Criminal está à mercê de julgar culpados, meio culpados e inocentes, de acordo com a ordem jurídica justa.

Colocar o jurisdicionado no banco dos réus acarreta naturalmente um desconforto pessoal e social de tal sujeito processual, ainda que vigore a máxima da presunção de inocência.

A defesa penal não está só relacionada com a ampla defesa, o contraditório e a dignidade da pessoa humana, mas também com o tempo hábil de defesa para que o controle da racionalidade de uma decisão judicial fique vinculado à completa motivação e fundamentação como efetiva e justa resposta criminal.

A defesa penal se trata de um instrumento artesanal que também obra a fim de contribuir com a ideia de limitar o poder estatal de punir, principalmente, em virtude de cada tipificação penal estar posta em cada caso específico a pessoas e fatos diversos uns dos outros, mediante valoração fática e de dogmática penal aplicável a cada único caso que compreende o julgamento de um acusado.

Cada caso criminal é um caso singular, mesmo que a tipificação penal seja idêntica em muitos casos.

A importância do exercício do direito de defesa é tão significativa socialmente que atos processuais e até condenações penais são passiveis de nulidade caso seja verificada a hipótese de defesa insuficientemente válida e/ou técnica.

Ocorre, porém, que, no âmbito do Jecrim, os tribunais superiores têm confirmando o entendimento jurisprudencial de que o prazo processual penal em tal sistematização de juizado especial está compelido à obediência de contagem de prazo por dias corridos, e não dias úteis, com forte no Código de Processo Penal (CPP), o qual dispõe que os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo e feriados.

Entretanto, a Lei nº 9.099/95, no artigo 92, dispõe que na respectiva lei especial se aplicam subsidiariamente as disposições dos Códigos Penal e de Processo Penal, salvo se as referidas mencionadas codificações forem incompatíveis com a própria Lei nº 9.099/95.

Sendo assim, partindo-se da literalidade da Lei nº 9.099/95, verifica-se também no seu artigo 12-A, embora albergado no "Título II — Dos Juizados Especiais Cíveis", que tal dispositivo legal é incompatível com a forma de contagem de prazo processual do Código de Processo Penal, de dias corridos, pois a mensagem legal do artigo 12-A, da lei especial, impõe a contagem de prazos processuais com base em dias úteis.

Logo, impor no Jecrim a contagem de prazo processual penal por dias corridos — como dita o Código de Processo Penal  parece criar certo conflito com aquilo que o legislador definiu como contagem de prazo processual para casos em que se aplica a Lei nº 9.099/95.

Mas não é só.

A literalidade ou interpretação literal dos supracitados dispositivos legais — dos artigos 92 e 12-A, da Lei 9.099/95 — alia-se também à ideia de conflito de normas, de modo que parece acertado sugerir que cabe ao Judiciário justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuados no caso, enunciando as razões que autorizam a interferência do Código de Processo Penal, como via que afasta as regras legais dos acimas citados artigos da Lei nº 9.099/95.

Diga-se, os tribunais superiores, apesar de externarem o entendimento jurisprudencial de que o prazo processual penal na sistematização do juizado especial está compelido à obediência de contagem de prazo por dias corridos, e não dias úteis, com forte no Código de Processo Penal, não analisam a contagem do prazo processual penal à luz dos artigos 92 e 12-A da Lei nº 9.099/95.

E, no mínimo, por um viés de ciência acadêmica, parece que o princípio da especialidade consegue por si só resolver qualquer dúvida sobre aplicar os artigos 92 e 12-A da Lei 9.009/95, para o fim de contagem de prazo processual penal, no Jecrim, de modo a colocar de escanteio o Código de Processo Penal.

Nada obstante, a ideia posta de que no Jecrim deveria ser aceita a contagem do prazo processual penal em dias úteis, e não corridos, transborda o diálogo das fontes entre os artigos 92 e 12-A da Lei nº 9.099/95 e o Código de Processo Penal.

Isso não só ocorre porque — e como dizia o ministro Celso Mello, do Supremo Tribunal Federal (vide STF, HC 11567)  o processo penal é dinâmico e por conta de ser inviável com que se preveja todas as hipóteses que requerem preservar o devido processo legal, mas também em vista de o exercício do direito de defesa  e que não se restringe à fase inicial do processo crime  estar umbilicalmente ligado à dignidade da pessoa e à oferta de tempo hábil de defesa para uma boa serventia defensiva.

E nem diga-se que a contagem do prazo processual em dias úteis incide em prejuízo da economia e da celeridade processual penal, posto que poucos dias a mais para exercitar a defesa não criam máculas ao mecanismo inerente a uma efetiva justiça, sobretudo ponderando que na seara criminal a condenação criminal acarreta não só uma punição estatal, mas também a perda de direitos ou injustiças.

Além disso, a ideia em comento de que no Jecrim deveria ser aceita a contagem do prazo processual penal em dias úteis, e não corridos, socorre-se ainda do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Internacionais e da Convenção Americana de Direitos Humanos  incorporados na ordem jurídica brasileira por via dos Decretos Federais 592/92 e 678/92, com reconhecimento do Supremo Tribunal Federal, como vias instrumentais da ampla defesa e do contraditório , normas supralegais que vigem abaixo da Carta Constitucional, porém, acima de norma infralegal, isto é, do Código de Processo Penal, assim como, por conta de as referidas normas supralegais oportunizarem de forma mais do que textual a segurança jurídica do acusado e do exercício do direito de defesa de disporem de tempo hábil para preparação segura da defesa do jurisdicionado acusado criminalmente.

Logo, amolda-se à ideia de que as citadas normas supralegais estão em harmonia com os artigos 92 e 12-A da Lei nº 9.099/95.

Significa afirmar, as regras supralegais parecem se sobrepor ao dito do Código de Processo Penal, especificamente no tocante à contagem de prazo processual por dias úteis, e não corridos.

Em síntese, a ideia de afastar do Jecrim a contagem do prazo processual penal por dias corridos homenageia não só a literalidade dos artigos 92 e 12-A da Lei nº 9.099/95, mas também a solução de conflito de normas, o princípio da especialidade, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Internacionais e a Convenção Americana de Direitos Humanos, a Carta Maior e, principalmente, o exercício do direito de defesa, a dignidade da pessoa humana, o devido processo legal, a ordem jurídica justa e a efetividade da Justiça.

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