Vontade do Doador

Judiciário não deve afastar encargo em doação de imóvel público, diz STJ

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18 de outubro de 2021, 7h30

Ao aceitar a doação de imóvel público com encargo como condição para o aperfeiçoamento do negócio jurídico, o donatário assume o ônus de cumprir a obrigação estipulada. A invalidação dessa cláusula pelo Poder Judiciário é admitida apenas em situações absolutamente excepcionais.

Rafael Luz
Afastamento do encargo como condição para doação é medida absolutamente excepcional, segundo ministro Cueva
Rafael Luz

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial ajuizado pela Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) para anular o processo em que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal afastou cláusulas restritivas impostas na doação de um terreno no Distrito Federal em favor do Grêmio Esportivo Brasiliense.

O voto do relator, acompanhado à unanimidade, anulou o processo pela ausência de intervenção do Ministério Público na origem, em prejuízo ao interesse público. Ainda assim, avançou ao mérito do recurso para definir o tema de fundo em discussão.

No caso, a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) — que foi sucedida pela Terracap — doou imóvel de 160 mil metros quadrados ao clube esportivo em 1962, mas estabeleceu condições para o usufruto do local.

Assim, deveria construir uma praça de esportes, a sua respectiva sede social e, ainda, não alienar, locar ou emprestar, a qualquer título, o imóvel doado, sob pena de revogação da doação.

Exatamente 56 anos mais tarde, o clube ajuizou ação com o objetivo de afastar esses encargos, que constam da matrícula do imóvel. O juiz de primeiro grau julgou o pedido improcedente, mas o TJ-DF deu provimento à apelação.

A corte entendeu que não se pode permitir a manutenção de cláusula restritiva de caráter perpétuo, sob pena de se inviabilizar a utilidade do direito de propriedade.

Depois de acolher a preliminar de nulidade do processo pela falta de intervenção do Ministério Público, o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, avançou para concluir que é inviável o afastamento das cláusulas alusivas ao encargo fixado no momento da doação.

Isso porque, ao aceitar a doação com encargo, o donatário assume, por força do disposto no artigo 553 do Código Civil, o ônus de cumprir a obrigação estipulada. Se houver interesse público ou geral, a execução dessa cláusula pode inclusive ser requerida pelo Ministério Público, mesmo após a morte do doador, conforme o parágrafo único da norma.

Para o relator, o TJ-DF afrontou de forma grave e direta a cláusula geral contratual do artigo 422 do Código Civil que obriga os contratantes a guardar os princípios de probidade e boa-fé na execução e conclusão do contrato.

A posição foi a mesma manifestada pelo Ministério Público Federal, que em parecer destacou que o tribunal distrital converteu a propriedade resolúvel em propriedade plena "de forma graciosa e com dano jurídico e econômico ao erário". 

"Como se sabe, a invalidação das cláusulas restritivas impostas na doação é admitida apenas em situações absolutamente excepcionais, para garantir o perecimento da coisa ou a sua utilidade, ou, ainda, desde que o encargo seja impossível ou ilícito", disse o ministro Cueva.

"No caso, todavia, nenhuma dessas circunstâncias foi sequer suscitada pelo recorrido, tendo ele se beneficiado do imóvel por mais de meio século, de forma gratuita, sem lhe dar, em contrapartida mínima, a destinação especial que motivou a doação formalizada pelo ente público", concluiu.

A conclusão da 3ª Turma sobre o tema foi unânime. Votaram com o relator os ministros Nancy Andrighi, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro. Não participou do julgamento o ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

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REsp 1.821.562

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