Segunda Leitura

Leis inúteis e omissões do Poder Legislativo exigem maior controle social

Autores

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

  • Maykon Fagundes Machado

    é advogado professor no curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) mestre em Ciência Jurídica (Univali) especialista em Jurisdição Federal (Esmafesc) e em Direito Ambiental pela Faculdade Cers vice-presidente da Comissão de Direito Público do Instituto dos Advogados de Santa Catarina (Iasc) vice-presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB Subseção de Itajaí-SC e membro da Comissão de Desenvolvimento e Infraestrutura da OAB/SC.

17 de outubro de 2021, 8h00

Muito se fala atualmente sobre os excessivos custos da República, seja com os ditos penduricalhos, seja com cartões corporativos, entre outras mazelas do funcionalismo público que acabam ganhando críticas, parte delas acertadas, outras desarrazoadas.

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Entretanto, oportuno destacar que, além de todos os gastos que a nossa República suporta, um deles passa despercebido: o custo legislativo.

Poucos sabem que para a produção de uma legislação há custo. Sim, e muito caro! Relembremos a célebre expressão: "Não existe almoço grátis", de autoria desconhecida, popularizada por Robert Heinlein e objeto de livro de Milton Friedman [1]. Portanto, não há almoço nem legislação grátis.

Considerado isso, a crítica surge no sentido de que o Poder Legislativo brasileiro deve ater-se estritamente a matérias de suma relevância à sociedade, evitando o tramitar de leis inúteis, como, por exemplo, as que resolvem alterar repetidamente nomes de ruas, por vezes excluindo um nome popular e conhecido para colocar o de um político do qual se depende para algo. Entre outras variações, citam-se as leis municipais que declaram municípios como capitais turísticas (exemplo: capital do limão roxo).

Vejamos alguns casos concretos.

Um oportuno levantamento com estudo de caso, feito pelo jornal Valor Econômico em todas as assembleias legislativas do Brasil, dá notícia do custo de até R$ 4 milhões por lei aprovada [2].

Nesse contexto, cita a reportagem, deputados paulistas que aprovaram o Dia da Mulher Cristã e o Dia da Juventude Cristã, da mesma forma que aprovaram o Dia dos Pagãos e das Artes Mágicas, comemorado em 31 de outubro. Se cristãos e pagãos têm o seu dia, todos têm o seu dia. Consequentemente, não haveria necessidade de uma lei para dizer o óbvio. Embora tais dados datem do ano de 2016, a situação continua presente e atualíssima no cotidiano do legislativo brasileiro.

Na mesma reportagem foi constatado, inclusive, que embora a Assembleia Legislativa de Minas Gerais tivesse o maior orçamento brasileiro, com gasto de R$ 1,2 bilhão, o maior custo legislativo vinha da Assembleia gaúcha, que aprovou 136 projetos em 2016 sob um orçamento de R$ 567 milhões, ou seja, R$ 4 milhões por projeto.

Importante lembrar, inclusive, que as análises a serem feitas por órgãos de imprensa jamais devem basear-se somente no aspecto quantitativo, mas, sim, utilizar igualmente, como parâmetro, o critério qualitativo, pois de nada adianta um parlamentar apresentar cem projetos de leis, se 90 deles forem de leis sem utilidade na vida da população.

Ademais, a realidade brasileira até nos estimula a dizer que, tendo essa consciência da tramitação de leis inúteis e do seu alto custo, talvez uma boa função para os parlamentares seria a de pedir retirada de pauta e arquivamento de projetos de lei que em nada contribuem com a República.

Vale aqui ponderar, inclusive, que cada parlamentar, seja municipal, estadual ou federal, não possui limitação de quantos projetos pode apresentar, ou seja, além de o erário custear o seu trabalho, o mesmo erário pode ter um custo com a sua produção que poderá revelar-se inútil.

Na cidade de Itajaí (SC), por exemplo, pretende-se atualmente proibir o sombreamento na praia, após alegado dano ambiental às restingas, por intermédio do Projeto de Lei nº 78, de 2021, que visa em apenas um único artigo a resolver um problema complexo [3].

Independentemente do mérito da iniciativa, impõe-se lembrar que o artigo 40 do Estatuto da Cidade dispõe caber ao plano diretor ser o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana, visto que garante: 1) a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade; 2) a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos; e 3) o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos.

Por sua vez, o §1º do artigo 182 da Carta Magna é expresso ao afirmar ser o plano diretor "o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana". Disso se segue que o PL itajaiense, ademais de criar grande comoção popular, pode vir a ser declarado inconstitucional.

Ora, tudo isso resulta em significativa despesa pública, pois, além do custo da tramitação do PL, parece-nos, em uma análise do custo legislativo, haver ainda grande possibilidade de gastos com a procuradoria municipal que, provavelmente, ingressará com ação perante o Poder Judiciário, alegando a inconstitucionalidade da referida lei.

Mas os custos com a ação do Poder Legislativo podem também ser fruto de omissão. Vejamos dois exemplos.

Em abril deste ano o Congresso Nacional derrubou veto parcial, aposto pelo presidente da República em 2008, à Medida Provisória nº 441/2008, que se converteu na Lei nº 11.907, de 2009, que dispunha sobre reestruturação e recomposição remuneratória de diversas carreiras do Poder Executivo. Segundo Continentino, com tal medida que autorizou a transformação de cargos 12 anos depois, o Congresso "gerou um impacto financeiro imediato de aproximadamente R$ 2,8 bilhões [4], criando ainda uma despesa permanente anual superior a R$ 190 milhões" [5].

A inércia legislativa, além de configurar um abuso de poder ao manter o Poder Executivo refém do Congresso, importa em despesas incalculáveis. Se não for considerado inconstitucional pela Suprema Corte, referido diploma gerará pagamentos da ordem de milhões de reais.

Outro caso de inércia legislativa é o do juiz de Direito catarinense Paulo Marcos de Farias, indicado pelo Supremo Tribunal Federal para atuar no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) em 20/11/2019. Foi sabatinado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal em 3/3/2020 [5], e, a partir de então, a indicação foi abandonada. Além de significar um descaso ao STF, o ato revela algum sentimento de difícil identificação. Naturalmente não podemos supor que algum senador estivesse a provocar a demora "para satisfazer interesse ou sentimento pessoal", o que importaria em crime de prevaricação previsto no artigo 319 do Código Penal, com reação da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).

Tais tipos de atos e omissões do Poder Legislativo, por certo, vão além de equívocos ou simples negligência, importando também em perdas econômicas com reflexos diversos. Cabem aqui reflexões a partir da análise econômica do Direito que, segundo Rau, "procura identificar as regras ineficientes (e por consequência injustas) e ponderar os custos e benefício de determinada política pública" [6]. Ou, como registra Oliveira, "seria a instituição de um Direito eficiente e que conduza à eficiência, enquanto valor econômico primordial. As normas preferíveis seriam, portanto, aquelas que melhor se enquadrassem nesse parâmetro" [7]

Ora, do ponto de vista dos efeitos econômicos de PLs inúteis ou contraditórios, os valores já podem ser mensurados e o foram, convenientemente, na reportagem do Valor Econômico citada. Mas o retardamento de atos de ofício e a quantificação dos prejuízos econômicos não têm sido objeto de estudos. Cremos que considerar a AED, inclusive na perspectiva legislativa, deve fazer parte das preocupações dos legisladores e da cobrança dos eleitores, vez que se lida com recursos públicos.

No entanto, não é razoável supor que o Poder Legislativo, em qualquer de suas esferas, editará lei punindo seus próprios membros. Consequentemente, a punição só poderá vir dos eleitores que, ciente de tais atitudes, podem negar votos aos autores na eleição seguinte. Todavia, para que os eleitores saibam de tais ocorrências, só há um caminho: pesquisas acadêmicas bem divulgadas.

As universidades têm sido pródigas em análises de temas recorrentes, mas não se tem notícias de estudos a respeito de deficiências do Poder Legislativo. É, pois, chegada a hora de instituições sérias investigarem cientificamente tais atos ou omissões, expondo-os publicamente e gerando responsabilidades. Essa pode ser uma forma de grande contribuição ao aperfeiçoamento do Poder Legislativo, que é, dos três poderes, o que mais representa a sociedade.

Quem se habilita?

 


[1] Friedman, Milton, There's No Such Thing as a Free Lunch, Open Court Publishing Company, 1975.

[2] PITOMBO, João Pedro. Assembleias gastam até R$ 4 milhões por lei aprovada. Valor Econômico. Disponível em: https://valor.globo.com/google/amp/politica/noticia/2017/11/25/assembleias-gastam-ate-r-4-milhoes-por-lei-aprovada.ghtml. Acesso em: 09 out. 2021.

[3] SALLES, Kassia. Projeto quer proibir construções que façam sombra em praias de Itajaí. NDMAIS. Disponível em: https://ndmais.com.br/infraestrutura/projeto-quer-proibir-construcoes-que-facam-sombra-em-praias-de-itajai/. Acesso em: 09 out. 2021.

[4] CONTINENTINO, Marcelo Casseb, Diacronia na apreciação de veto presidencial pelo Congresso Nacional. Revista eletrônica Consultor Jurídico, 9 out. 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-out-09/observatorio-constitucional-diacronia-apreciacao-veto-presidencial-congresso-nacional. Acesso em 14 out. 2021.

[6] RAU, Lucas Moraes. Análise do Direito do Trabalho em uma perspectiva moral. In: A análise econômica do Direito e as relações jurídicas atuais: aspectos e reflexõs. Curitiba: CRV 2017, p. 13.

[7] OLIVEIRA, Amando Flávio de. O direito da concorrência e o poder judiciário. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 95.

Autores

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    é ex-secretário Nacional de Justiça no Ministério da Justiça e Segurança Pública, professor de Direito Ambiental e de Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública na PUCPR e desembargador federal aposentado do TRF-4, onde foi corregedor e presidente. Pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibraju).

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    é advogado, mestrando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí, pós-graduado em Jurisdição Federal pela Escola da Magistratura Federal do Estado de Santa Catarina (Esmafesc) e pós-graduando em Direito Ambiental pela Faculdade Cers.

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