Opinião

Reflexos da assinatura da Convenção de Singapura pelo Brasil

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15 de outubro de 2021, 13h40

No dia 2 de junho deste ano, o Brasil se tornou o 54º país signatário da Convenção sobre Acordos de Liquidação Internacional Resultantes de Mediação das Nações Unidas, a Convenção de Singapura sobre Mediação, uma norma de Direito Comercial Internacional elaborada pela Comissão das Nações Unidas sobre Direito Internacional Comercial (Uncitral).

Com a assinatura da referida convenção — ainda pendente de envio ao Congresso Nacional, que poderá ser promulgada por meio da edição do competente decreto legislativo —, verifica-se o reconhecimento da importância da mediação não apenas no cenário doméstico — o ordenamento jurídico brasileiro —, mas especialmente no âmbito internacional. Isso pois a convenção permite que partes de países distintos apliquem facilmente e invoquem acordos de mediação para além de suas fronteiras.

Antes da assinatura da convenção, o Brasil possuía como parâmetro internacional de resolução de conflitos a Convenção de Nova York sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, internalizada pelo Decreto nº 4.311, de 23/7/2002. Nesse contexto, assim que ratificada pelo Congresso, a Convenção de Singapura sobre Mediação assegurará que um acordo firmado pelas partes em uma mediação internacional — em especial aquelas que tratam de questões comerciais — torne-se vinculante e exequível de acordo com um procedimento simplificado.

Em vigor desde 12/9/2020, a convenção ora analisada cria uma estrutura uniforme e harmonizada para a aplicação facilitada de acordos internacionais de liquidação mediada, conferindo maior agilidade ao processo de execução do acordo. Busca-se tornar mais eficiente e simplificada a mediação em conflitos comerciais internacionais, contando, para tanto, com um tratamento jurídico uniforme às diferentes jurisdições ao redor do globo. A assinatura da convenção também funciona como atrativo de investidores e empresas estrangeiras ao Brasil, eis que o Judiciário brasileiro é, evidentemente, um conhecido óbice à atração de capital estrangeiro no pais.

A mediação é reconhecidamente um dos meios adequados de resolução de controvérsias que permite às partes que cheguem, com o auxilio de um mediador — terceiro neutro que auxilia as partes a restabelecerem a comunicação para construir uma solução que atenda aos interesses e as necessidades de todos os envolvidos no conflito —, a um acordo negociado. Nesse sentido, ao facilitar a aplicação de acordos internacionais advindos de mediações, são diversos os ganhos trazidos ao país que signatário da convenção.

Nessa esteira, quais seriam os benefícios da assinatura da Convenção de Singapura para o Brasil? Notadamente nos acordos internacionais, a matéria que permeia grande parte dos conflitos é o comércio internacional. Outrossim, ao aderir a Convenção de Singapura sobre Mediação, são abertas portas para maior segurança jurídica no país, eis que investidores estrangeiros, por exemplo, não ficarão reféns do problemático e moroso Judiciário brasileiro. Isso pois, certamente, a condução de disputas comerciais internacionais fora do Judiciário é  critério relevante para atração de capital estrangeiro no país alvo de investimentos.  

Ora, em relações comerciais internacionais, as quais normalmente envolvem quantias da ordem de dezenas de milhões de reais, os empresários/controladores das companhias não veem com bons olhos o fato de ter de aguardar por décadas o deslinde de controvérsias. Não raras vezes, as empresar sequer podem aguardar tão longo período de tempo para solucionar seu problema, sob risco de comprometer a manutenção das atividades empresariais destas.

Assim, a Convenção de Singapura mostra-se um verdadeiro incentivo às empresas para que invistam no Brasil e sintam-se seguras para tanto. Cabe salientar ainda que a assinatura da Convenção pelo Brasil tende a impactar significativamente a avaliação do país no relatório Doing Business do Banco Mundial, o qual avalia a facilidade de fazer negócios em quase duzentos países ao redor do globo.

Para além da segurança jurídica conferida às empresas estrangeiras, que passarão a enxergar de maneira mais positiva a realização de negócios com empresas brasileiras, tem-se a facilitação na resolução de conflitos, de modo a desafogar o Judiciário brasileiro. Ademais, o procedimento da mediação possui como uma de suas principais características a preservação das relações entre as partes do conflito; no âmbito do comércio internacional, no qual muitas vezes as relações comerciais são duradouras e de longo prazo, essa manutenção da relação entre as partes é imprescindível para as relações comerciais.

Não obstante, o processo de mediação é bastante flexível, contribuindo para que os envolvidos possam definir como procederão a fim de obter o melhor acordo possível para ambas as partes. Ainda, a mediação é, em muitos casos, mais eficiente em termos de custo e tempo de resolução do que outros processos de resolução de disputas, como o processo judicial ou a própria arbitragem.

Ora, por óbvio que quando as partes, soberanas na tomada de decisão e construção de um acordo válido internacionalmente, chegam a um consenso sobre a matéria alvo do conflito, há maior eficiência da solução, bem como celeridade e cooperação entre as partes. Em especial tratando de complexas relações comerciais, muitas vezes tendo especificidades bastante técnicas, ao surgir conflitos das referidas relações, não há ninguém mais qualificado para dirimir tais conflitos do que as próprias partes neles envolvidas.

Cediço que os conflitantes são os maiores conhecedores da matéria alvo do imbróglio. Nessa esteira, desde que abertas ao diálogo, as partes do conflito possuem na Convenção de Singapura uma importante ferramenta para solucionar de maneira célere e eficiente qualquer tipo de problema advindo de relações comerciais internacionais. Enfatiza-se, agora, a possibilidade de empresas brasileiras e empresas estrangeiras que celebrem negócios com empresas do Brasil, utilizarem desse método adequado de resolução de conflitos, a mediação.

A assinatura da Convenção de Singapura é um importante passo para o Brasil rumo aos avanços da globalização e flexibilização de fronteiras internacionais. Em um contexto dinâmico, no qual as relações comerciais são extremamente rápidas, ávidas por celeridade e flexibilização de burocracias, não se pode perder tempo com demorados processos judiciais ou leis e normas que vão na contramão da eficiência na resolução de conflitos comerciais.

Ante à rápida homologação e maior efetividade dos acordos fruto da autocomposição, em especial no âmbito empresarial e comercial, o Brasil dá largo passo rumo à atração de capital estrangeiro e, considerando-se o atual cenário econômico, à retomada da economia nacional pós-pandemia.

Nesse ínterim, é bastante relevante a utilização da mediação e da autocomposição como um todo para dirimir conflitos comerciais oriundos da pandemia da Covid-19, eis que a grande maioria dos contratos de comércio internacional foi afetada de alguma forma pela pandemia. Com isso, volta-se ao problema do congestionamento do Judiciário, que, para além do "normal" do Judiciário brasileiro, passou a sofrer com milhares de causas relacionadas à pandemia, como inadimplementos contratuais.

A bem da verdade, tem-se na assinatura a Convenção de Singapura pelo Brasil, novo benefício, qual seja a mais célere e eficiente retomada da economia pós pandemia. Nesta toada, é possível ressaltar também o aumento de pedidos de recuperação judicial de empresas nacionais: houve aumento de 30% nos pedidos de recuperação judicial entre os meses de maio a agosto de 2020 quando comparado ao ano anterior, de acordo com o Boa Vista SCPC.

Frisa-se aqui que, com a assinatura da convenção ora analisada, tais empresas que solicitaram sua recuperação judicial poderiam celebrar acordos com demais empresas e fornecedores a fim de manter sua atividade empresarial, evitando a recuperação judicial. Tal fato é evidenciado pela Recomendação nº 58 do Conselho Nacional de Justiça, que "recomenda aos magistrados responsáveis pelo processamento e julgamento dos processos de recuperação empresarial e falências, de varas especializadas ou não, que promovam, sempre que possível, o uso da mediação".

Verifica-se, portanto, que a assinatura da Convenção de Singapura pelo Brasil traz uma enorme gama de benefícios não só ao ordenamento jurídico pátrio, mas também à economia brasileira. A possibilidade de descongestionamento do Judiciário, a garantia de maior segurança jurídica, facilitação da manutenção das atividades empresarias das companhias endividadas e com risco de insolvência e o incentivo à retomada econômica pós-pandemia são alguns dos benefícios trazidos pela Convenção ao Brasil, para além da evidente atração de capital estrangeiro.

É um grande passo para o país em matéria de cooperação judiciária internacional, de modo a inserir o Brasil no rol dos países com a possibilidade de realização de acordos comerciais internacionais efetivamente válidos e executáveis. Com a maior segurança jurídica e facilidade de solucionar conflitos, o país volta ao campo de visão dos investidores estrangeiros, o que traz incontáveis benefícios à economia e à sociedade nacionais como um todo.

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