Opinião

A OAB e a bravata contra a 'ostentação' da publicidade

Autor

  • Antônio Gonçalves

    é advogado criminalista pós-doutor em Desafios em la post modernidad para los Derechos Humanos y los Derechos Fundamentales pela Universidade de Santiago de Compostela pós-doutor em Ciência da Religião pela PUC/SP pós-doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade de La Matanza doutor e mestre em Filosofia do Direito pela PUC/SP e MBA em Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas.

15 de outubro de 2021, 15h26

A questão da publicidade na advocacia sempre foi tema controvertido e ensejava reclamações e reivindicações por parte da classe sobre a necessidade de modernização e da adequação das regras de publicidade à realidade das mídias sociais.

Em agosto deste ano, o pleno do Conselho Federal da OAB aprovou o Provimento 205/21 e o texto ensejou uma variedade de interpretações e, com elas, indignações, especialmente acerca da vedação à "ostentação". O tema merece um olhar mais aprofundado a partir da análise dos artigos 3º e 6º da própria norma:

"Artigo 3º  A publicidade profissional deve ter caráter meramente informativo e primar pela discrição e sobriedade, não podendo configurar captação de clientela ou mercantilização da profissão, sendo vedadas as seguintes condutas:
I – Referência, direta ou indireta, a valores de honorários, forma de pagamento, gratuidade ou descontos e reduções de preços como forma de captação de clientes;

II – Divulgação de informações que possam induzir a erro ou causar dano a clientes, a outros (as) advogados (as) ou à sociedade;
III – Anúncio de especialidades para as quais não possua título certificado ou notória especialização, nos termos do parágrafo único do artigo 3 – A do Estatuto da Advocacia;
IV – Utilização de orações ou expressões persuasivas, de auto engrandecimento ou de comparação;
V – Distribuição de brindes, cartões de visita, material impresso e digital, apresentações dos serviços ou afins de maneira indiscriminada em locais públicos, presenciais ou virtuais, salvo eventos de interesse jurídico.
§1º. Entende-se por publicidade profissional sóbria, discreta e informativa a divulgação que, sem ostentação, torna público o perfil profissional e as informações atinentes ao exercício profissional, conforme estabelecido pelo §1º, do artigo 44, do Código de Ética e Disciplina, sem incitar diretamente ao litígio judicial, administrativo ou à contratação de serviços, sendo vedada a promoção pessoal".

E o próprio provimento define o que é ostentação no artigo 6º:

"Artigo 6º  Fica vedada, na publicidade ativa, qualquer informação relativa às dimensões, qualidades ou estrutura física do escritório, assim como a menção à promessa de resultados ou a utilização de casos concretos para oferta de atuação profissional.
Parágrafo único. Fica vedada em qualquer publicidade a ostentação de bens relativos ao exercício ou não da profissão, como uso de veículos, viagens, hospedagens e bens de consumo, bem como a menção à promessa de resultados ou a utilização de casos concretos para oferta de atuação profissional".

Em uma leitura conjunta dos dispositivos resta claro que a preocupação da OAB orbita sobre a captação de clientela e como minorar elementos que propiciem aos que possuem maior capacidade econômica terem algum tipo de vantagem na obtenção de novos clientes, o que a entidade denominou de "ostentação". No entanto, a redação produziu efeito contrário ao não respeitar os limites entre vida privada e profissional das pessoas. Não compete à OAB controlar ou determinar o que uma pessoa pode ou não fazer fora do seu ambiente de trabalho e como modula seu cotidiano nas redes sociais.

A OAB não pode dizer a um advogado que ele não pode postar em suas redes sociais uma conquista, uma foto com um carro novo, com uma viagem, um ingresso em mestrado internacional, entre outras tantas possibilidades, o conceito de limitação à ostentação não pode e não deve se aplicar à vida privada. Ademais, a redação pobre e confusa enseja mais dúvidas do que esclarecimentos a um tema que já era pacificado, tanto pelo Estatuto da Advocacia quanto pelo Código de Ética e Disciplina, pois, como veremos, há regras claras sobre a necessidade de discrição dos advogados e advogadas para a lisura da profissão.

O que a OAB não compreendeu é a permissibilidade cada vez maior da mídia e da publicidade no cotidiano das pessoas. Hoje as redes sociais permeiam o cotidiano das pessoas e muitas delas gostam de mostrar o que fazem ao longo do seu dia para seus seguidores e não há nada que os impeça de fazê-lo. Se isso é adequado, saudável ou produtivo não é a OAB que tem a competência de decidir, apenas e tão somente cada um que pode discernir o que é melhor para si na sua espera privada.

O conceito de ostentação é deveras subjetivo e o que para uns pode ser visto como gestos simples para outros significam ostentação. Tomar um café da manhã em uma viagem e postar significa ostentação? Postar a foto de um anel de noivado diferente e tramado é ostentação? A OAB se colocou em uma seara em que não tem habilidade, ou quiçá condições de controlar. E mais, como fiscalizar ou verificar o que vem a ser ostentação da advocacia no país? Quantas representações no Tribunal de Ética e Disciplina serão apresentadas com base em captação de clientela por ostentação? Mas, de concreto, qual seria o fundamento jurídico que justifica o ato?

A questão da ostentação e sua pretensa regulação pela OAB pode ser encarada como censura à liberdade de expressão das pessoas e, de fato, o Judiciário pode assim decidir, pois existem elementos para tal.

A questão que se coloca é: a OAB tem competência para disciplinar acerca da vida privada da advocacia brasileira? Ou será que o que se busca coibir são as fake news ou uma indução de uma imagem de sucesso com o intuito de seduzir potenciais novos clientes a um eventual êxito no patrocínio de uma causa? Seja na primeira ou na segunda possibilidade, a OAB não tem poder, interesse ou competência para tanto. Há grave infração à liberdade de expressão, preceito este garantido constitucionalmente.

A ostentação na advocacia já foi objeto de ação (mesmo em tão curto período de existência do provimento) que tramita na 5ª Vara Cível da SJDF sob a alegação de censura.

Sobre o tema há a necessidade de se fazer uma distinção, o que ao nosso ver foi equivocada e exagerada por parte da entidade, porque ao se objetivar coibir os excessos, em tese, se colocaria no mesmo patamar toda a advocacia e não haveria o elemento de riqueza para atrelar o sucesso, o que mais parece a preocupação com o Direito norte-americano, em que os grandes escritórios publicam anúncios em revistas de alta circulação, ostentam outdoors e quem possui mais recursos tem mais elementos de captação da clientela. Aqui o que preponderou foi limitar ao máximo a capacidade das grandes bancas de terem um diferencial, mas a redação foi rasa e controversa, com efeitos diversos, como dissemos.

O artigo 6º possui excessos evitáveis e desnecessários, uma vez que o Estatuto da OAB, em seu artigo 31, já previa que o advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe. Na mesma esteira temos o artigo 2º do Código de Ética e Disciplina (CED), bem como os artigos 5º e 39 do mesmo diploma.

Vestir-se bem, de maneira adequada e compatível com a advocacia, leia-se com trajes sociais, é inerente à profissão, mas, se um advogado tem poder aquisitivo para ter um terno de uma grande grife de luxo ou se adquire um modesto não há porque ter qualquer diferença da OAB sobre o tema, já que todos estão em conformidade com o que se espera de um causídico. O que difere da necessidade de postar em uma rede social uma foto do profissional em Dubai, por exemplo, com a legenda: "Férias do melhor advogado do Brasil", tal fato poderia ser vislumbrado como ostentação, porém, a linha subjetiva é tênue e a OAB não deveria disciplinar sobre o assunto, não sobre a ótica que adotou.

O estatuto e o CED já eram claros na questão da lisura e da discrição, portanto, o que o provimento fez foi tentar coibir algo que já era pacificado e inflamou a advocacia para um fato que não era questionado e gerou uma repercussão negativa com razão. Já no tocante à publicidade não dirimiu a controvérsia, e pior: propiciou dificuldades, ou seja, o provimento mais complicou do que esclareceu.

O provimento procurou proteger a advocacia que atua de maneira autônoma, os pequenos escritórios e aqueles que não possuem elevada capacidade econômica para atrair novos clientes, porém, da forma como o texto foi escrito, estes são exatamente os que não possuem a devida e necessária proteção acerca das regras de publicidade, porque as redes sociais continuam sendo reguladas de maneira precária e insuficiente. As publicidades, agora, estão envoltas em questões complexas capitaneadas pela "ostentação". Enquanto isso, o pequeno advogado permanece sem poder fazer sua publicidade caseira e divulgar minimamente seus serviços.

A OAB perdeu a chance de inovar e reformar parte tão sensível do Estatuto do Advogado e criar regras que, efetivamente, contribuam e insiram a advocacia à realidade das redes sociais e da mídia em geral, uma pena. Agora, será necessário se modificar o que acabou de ser criado e promulgado, um desserviço à sociedade jurídica.

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