Soberania e negócios

Para diminuir dependência estrangeira, brasileira quer substituir WhatsApp

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15 de outubro de 2021, 17h19

No período em que os militares afastaram os civis do poder no Brasil, enquanto parte do oficialato fazia política, outra trabalhou na busca da autossuficiência do país em áreas estratégicas. Com o mundo em transe, o ranking das potências passou a ser definido menos pelo poder de fogo e mais pela capacidade tecnológica de cada país.

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Queda do WhatsApp no Brasil evidenciou a dependência do Brasil de tecnologia internacional
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O mais recente apagão do WhatsApp trouxe a discussão da dependência brasileira no capítulo da Internet. Não só brasileira. O ex-homem mais poderoso do mundo, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden resolveu abrir o jogo: é preciso conter o poder e as aquisições de companhias como Google, Facebook, Apple e Amazon, conforme noticiou o jornal The New York Times. Os países mais dependentes que os EUA têm que se virar para não voltar ao tempo colonial.

Em busca de um lugar ao sol, pelo menos uma empresa brasileira desenvolveu um aplicativo com potencial para substituir o WhatsApp: a mesma que, no início dos anos 90, robotizou serviços das antigas empresas de telecomunicações como o teledespertador e o 102 automático, também, já no início dos anos 2000, revolucionou o processo investigatório no Brasil, com a criação do Guardião — a Dígitro de Santa Catarina. O novo mensageiro foi batizado UNA. Mas o modelo de negócios da Dígitro é mais ousado que o Telegram e o Whats. Ele já foi lançado como serviço pago.

O UNA foi concebido para grupos, como escritórios, empresas ou redes maiores. Mas não depende dos desígnios de quem está em outro país e está ao alcance da justiça brasileira. Segundo a Dígitro, seu aplicativo, assim como o WhatsApp e outras ferramentas, permite plena comunicação, com troca de mensagens e mídias, porém estaria blindado a instabilidades, ataques externos e vazamentos indevidos.

Entre as vantagens oferecidas, a empresa anuncia que é capaz de oferecer salas de audiências seguras e com transcrição mais assertiva — exatamente porque foi feita com base na língua portuguesa e por brasileiros.

Dependência econômica
De acordo com uma pesquisa feita pela empresa de pesquisas Opinion Box, em parceria com o site de notícias Mobile Time, 98% dos brasileiros têm o aplicativo do WhatsApp instalado em seu smartphone, e 86% deles fazem uso do aplicativo diariamente.

A pesquisa também mostrou que hoje a ferramenta de comunicação já é usada muito além da troca de mensagens e áudio. Os entrevistados afirmaram que criam grupos, fazem ligações, chamadas de vídeo, e até pagamentos pelo aplicativo.

Com a epidemia de Covid-19, que teve início em março de 2020, o WhatsApp passou a ser usado em larga escala como ferramenta de negócios. A pesquisa aponta que 55% dos entrevistados disseram que fizeram a primeira compra pelo aplicativo durante esse período.

Além disso, 76% dos ouvidos afirmaram que se comunicam com empresas através do WhatsApp e 52% compram produtos e serviços pelo aplicativo.

A pesquisa ajuda a explicar por que diversos pequenos empresários foram impactados pela instabilidade que ocorreu no início do mês. Muitos comerciantes que vendem seus produtos quase que exclusivamente por WhatsApp relataram que durante o apagão tiveram problemas para falar com fornecedores, fazer pagamentos e receber dinheiro.

A 9ª pesquisa "Impacto da pandemia de coronavírus nos Pequenos Negócios", elaborada pelo Sebrae, também demonstrou essa dependência: 70% dos pequenos negócios vendem online; desse total, 84% se comunicam por WhatsApp.

Os pequenos empresários foram os mais afetados porque, com frequência, não possuem um aplicativo como canal alternativo e, em alguns casos, não contam nem com um site.

Outro desafio trazido pela pane foi a falta do WhatsApp como meio de comunicação e gestão de equipes, em especial para empresas que migraram para o home office na pandemia.

Assim, é importante que as pessoas e empresas tenham um plano B, sendo especialmente relevante que uma alternativa nacional seja criada, tanto para se adequar à realidade do país, quanto para que, caso ocorram problemas técnicos, como os do último dia 4, seja mais fácil responsabilizar alguém pelos prejuízos.

Especialistas recomendam o uso de outras plataformas como o Google, ou Youtube e TikTok —plataforma chinesa que cresceu muito na pandemia—, e isso pode até ajudar em casos específicos, mas não muda o fato que a economia do país continua dependente de tecnologia estrangeira e fornecendo dados sensíveis da população para empresas internacionais sobre as quais o Brasil não possui jurisdição.

Dependência histórica
No período colonial, Portugal estabeleceu no Brasil, como principal fonte econômica, a agricultura baseada no latifúndio e na mão de obra escrava. Ao contrário do que aconteceu na América do Norte, a economia brasileira era concentrada e especializada, os itens de exportação não tinham relação com as necessidades locais e a produção era completamente destinada ao mercado externo.

Só na segunda metade do século XIX, a partir da cultura do café, é que o Brasil encontraria elementos que impulsionariam uma economia verdadeiramente brasileira. Porém, os preços das matérias primas produzidas no Brasil eram cada vez menores, quando comparados ao preço de produtos manufaturados. A saída desse círculo vicioso para os países periféricos seria usar a mesma receita dos países centrais, ou seja, promover a industrialização.

Assim, começou o processo de industrialização no Brasil, com a chamada política de substituição das importações, apoiada no fechamento dos mercados por meio de barreiras alfandegárias e na aquisição de bens de produção voltados à garantia da produção local.

Essa política não se mostrou suficiente, pois o Brasil foi incapaz de reproduzir a organização social dos países centrais. A produtividade era muito mais baixa por falta de mão de obra qualificada e máquinas modernas, e a renda continuou concentrada nas mãos de poucos.

Nos casos em que existe uma indústria verdadeiramente nacional, ao ocupar-se de setores mais tradicionais da economia, ela acaba não promovendo atividades de pesquisa e desenvolvimento, sob a argumentação de que centros de pesquisa são muito caros e de retorno demorado. A compra de tecnologia externa é mais barata e rápida, portanto, mais lucrativa para as classes dominantes.

Nesse contexto, o Brasil permanece com uma economia baseada na mentalidade de extrativismo, sob o tripé agricultura, pecuária e mineração, importando tecnologia e perdendo seus cientistas para outros países onde há investimento em pesquisa, enfim, mantendo seu espírito de colônia.

Diante do avanço da quarta revolução industrial, marcada pelo desenvolvimento de Inteligência Artificial e coleta, armazenamento e tratamento de dados, se o Brasil não quiser ficar ainda mais para trás, precisa começar a investir em tecnologia nacional, especialmente para se desvincular de grandes monopólios, como no campo dos aplicativos de comunicação, em que o WhatsApp tem domínio quase absoluto.

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