Excesso de exação

Excesso de exação por erro de interpretação tributário não é crime, diz STJ

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13 de outubro de 2021, 13h43

A mera interpretação equivocada da norma tributária não configura o crime de excesso de exação. A ocorrência do delito depende da constatação de que o agente atuou com consciência e vontade de exigir tributo acerca do qual tinha ou deveria ter ciência de ser indevido.

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Titular do registro de imóveis cobrou R$ 3,9 mil por cinco vezes ao interpretar erroneamente norma tributária catarinense
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Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial de registrador de imóveis para absolve-lo do crime de excesso de exação, pelo qual fora condenado a quatro anos de reclusão de reclusão em regime aberto, além da perda do cargo público.

O ilícito teria sido praticado pelo réu na condição de titular do Ofício de Registro de Imóveis de Itapema, quando cobrou emolumentos a maior em cinco registros distintos, em um total de R$ 3,9 mil, em desacordo com a Lei Complementar Estadual 2019/2001, de Santa Catarina.

Ao fixar os emolumentos devidos, a norma diz em seu artigo 4º que “na hipótese de o título versar sobre mais de um contrato, bem ou imóvel, no contexto do mesmo negócio jurídico, envolvendo as mesmas partes, serão devidos emolumentos integrais pelo de maior valor e 2/3 (dois terços) do que corresponder a cada um dos demais”.

O titular do ofício entendeu que a regra dizia respeito à pluralidade de partes. A acusação, por outro lado, apontou que a norma trata da situação de haver mais de um bem – ou seja, da quantidade de imóveis e não da quantidade de pessoas. Por isso, denunciou que a cobrança a mais consistiu no crime previsto no artigo 316, parágrafo 1º do Código Penal.

Relator, o ministro Antonio Saldanha Palheiro destacou que, pelos depoimentos colacionados no acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, é possível perceber uma divergência quanto ao significado do conteúdo da norma.

Rafael Luz/STJ
Ministro Antonio Saldanha Palheiro considerou dolo do réu inexistente
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Isso ocorria mesmo no âmbito das correições, em que a aplicação de um método interpretativo divergente daquele considerado pela Corregedoria não era comumente visto como ilícito penal, mas como interpretação diversa, a atrair orientação para que se adotasse método mais adequado.

“Não trata a hipótese de desconhecimento pelo recorrente da legislação pertinente ao seu ofício, mas de aplicação dessa norma a partir do entendimento que lhe parecia mais adequado”, concluiu o ministro.

Isso faz com que a absolvição se imponha, já que a ocorrência do crime de excesso de exação exige o reconhecimento do dolo: a vontade do agente de exigir tributo ou contribuição que sabe ou deveria saber indevido. E na dúvida, o dolo não pode ser presumido.

“Portanto, não havendo previsão para a punição do crime em tela na modalidade culposa e não demonstrado o dolo do agente de exigir tributo ou contribuição que sabe ou deveria saber indevido, é inviável a perfeita subsunção da conduta ao delito previsto no parágrafo 1º do artigo 316 do Código Penal”, afirmou o ministro Saldanha Palheiro.

Advogado do réu, Rafael Carneiro apontou que o precedente é paradigmático no estudo do crime de hermenêutica em casos tributários. “Querer imputar crime a possível erro interpretativo de legislação complexa e confusa é desproporcional e desarrazoado”, comentou.

A inexistência do dolo já havia sido discutida no RHC 44.492, julgado em 2014, quando a defesa sustentou a ausência de justa causa para a persecução penal. Na ocasião, a 6ª Turma, com composição bastante diferente da atual, considerou que trancar a ação seria prematura porque o dolo poderia ser demonstrado no curso do processo. Ficou vencida naquela ocasião a ministra Laurita Vaz, que permanece no colegiado.

“De fato, a presente ação penal está maculada desde a denúncia, já que nem mesmo a peça inicial demonstrou o elemento subjetivo necessário para a caracterização do ilícito em tela, como acertadamente apontou resoluta a em. Ministra Laurita Vaz em seu voto”, comentou o ministro Antonio Saldanha Palheiro.

A defesa incluiu nos autos parecer sobre o denominado crime de hermenêutica preparado pelo ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, Napoleão Nunes Maia Filho.

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REsp 1.943.262

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