Seguros contemporâneos

Liderança da Susep: continuidade e não retrocesso

Autor

  • Thiago Junqueira

    é doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro mestre em Ciências Jurídico-Civilísticas pela Universidade de Coimbra professor convidado da FGV Direito Rio da FGV Conhecimento e da Escola de Negócios e Seguros diretor de Relações Internacionais da Academia Brasileira de Direito Civil advogado e sócio de Chalfin Goldberg & Vainboim Advogados Associados.

11 de outubro de 2021, 8h02

Foi recebida com surpresa, na última sexta-feira (08/10), a destituição de Solange Paiva Viera da Susep (Superintendência de Seguros Privados). Não que já não houvesse, há bastante tempo, um movimento político para a sua substituição, mas pelo fato de o governo federal ter cedido à pressão, apesar da importância do setor de seguros para a economia brasileira e o trabalho de escol feito por ela ao longo dos dois anos e meio no cargo.

Spacca
Segundo noticiado pela imprensa: "A Susep é um dos principais alvos do Centrão, grupo de deputados que apoia o governo e que tenta emplacar cargos e a própria presidência do órgão desde 2019. O ministro da Economia, Paulo Guedes, sempre resistiu a mudar o órgão, por entender que ele tem características estratégicas para a sua pasta. Agora, o ministro cedeu e aceitou trocar a superintendente do órgão num momento em que ele é pressionado pelas revelações de que tem uma conta (offshore) nas Ilhas Virgens, paraíso fiscal".[1]

Primeira mulher a ocupar o cargo, Solange teve o mérito de se rodear por pessoas que, como ela, eram competentes e bem-intencionadas, mas, principalmente, atuavam de maneira técnica, zelando pelos interesses do mercado amplamente considerado. Mas isso não bastava. Teve a coragem de desafiar o status quo, enfrentar a oposição de nomes e instituições relevantes, propor e implementar mudanças que, se não forem desfeitas, alterarão o setor de seguros de forma significativa nos próximos anos e décadas.

Nesse particular, cite-se, por exemplo, os seguros intermitentes, o open insurance, o sandbox regulatório, as boas práticas no setor de seguros, entre diversas outras normas alinhadas com o que há de mais sofisticado em termos de regulação dos seguros. Seu grande mérito passa, também, por revisar e redigir normas alinhadas aos preceitos internacionais, visando à harmonização do mercado de seguros brasileiro aos mercados estrangeiros mais desenvolvidos.

Em síntese essencial, a redução de barreiras regulatórias desnecessárias, objetivando o aumento da competição e da inovação foram marcas da gestão da executiva, assim como a atuação fiscalizatória mais preventiva (e menos punitiva) da autarquia, com considerável agilização na condução dos processos administrativos sancionadores.[2]

Nem tudo são flores, alguns poderão dizer. Pontuais usurpações de competência legislativa que, funcionalmente, procuraram atender aos anseios do mercado segurador como um todo, em hipótese alguma poderiam justificar a troca de comando no presente momento. Ora, considerando que a norma estruturante do mercado de seguros ainda é o vetusto Decreto-lei nº. 73/1966, há muito mesmo a se fazer do ponto de vista regulatório.

É impossível agradar a gregos e troianos, especialmente se a velocidade das alterações for tão expressiva como a ocorrida. Em artigo publicado nesta coluna (Seguros Contemporâneos), a então superintendente afirmou que "por força de toda revisão normativa imposta pelo Decreto nº 10.139, de 28 de novembro de 2019, já foram revisadas 348 normas, o que representa aproximadamente 48,3% do estoque regulatório que existia (720 normas)". "Todas as normas relacionadas à elaboração de produtos passaram ou passarão pelo processo de revisão, sempre pautado na simplificação, na flexibilidade e na eliminação dos planos padronizados. Espera-se um forte incremento na concorrência, uma vez que esta não será apenas pelo preço, mas também pela qualidade do produto e eficiência do processo."[3]

Salta aos olhos, portanto, o fato de Solange ter remodelado o setor de seguros e ter enfrentado questões delicadas, como a que se refere ao dever de o intermediário informar a sua comissão no momento da contratação.[4] Por isso mesmo, não deixa de ser curioso (e algo trágico) o suposto motivo da sua destituição. Será que todo o avanço ocorrido nos últimos anos será extinto?

"Isso é o Brasil", afirmou-me um culto e experimentado amigo. Embora tudo leve a concordar com ele, é preferível a esperança de que não haja descontinuidade ou qualquer retrocesso. O setor de seguros tem uma função econômico-social importante demais para que seja ocupado por pessoas que não sejam técnicas e capazes de continuar colocando-o nos "trilhos" do século 21.

A doutrina administrativa-regulatória ensina, pacificamente, que a boa regulação deve ser técnica, imparcial, livre de interferências políticas e, em suma, atender aos interesses do todos os participantes do mercado regulado. Os efeitos colaterais decorrentes da interferência do governo serão deletérios, a prejudicar, sobretudo, a confiança de investidores e entrantes.[5]

Nesta esteira, convém ecoar afirmação de Denise Bueno: "A Susep não pode ser palco de disputa de poderes. Não pode ser gerida por uma pessoa que faz parte da regulação. Ela tem de ser formada por técnicos, com jogo de cintura para lidar com tantos interesses. E não por corretores, seguradores ou resseguradoras. Ela precisa de um profissional sem conflitos de interesses. Que saiba dizer sim, não, se desculpar, avançar mesmo com pressão e voltar atrás se for preciso".[6]

[1] VENTURA, Manuel. Guedes troca comando da Susep, alvo de apetite do Centrão. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/guedes-troca-comando-da-susep-alvo-do-apetite-do-centrao-1-25229751. Acesso em: 10.10.2021.

[2] "De 2,6 mil processos a serem analisados em agosto de 2019, tem-se, aproximadamente, 250 pendentes de julgamento de primeira instância em agosto de 2021, uma redução de cerca de 90% do estoque. Tudo isso fruto de um trabalho duro na análise e na reorganização de processos por parte da equipe técnica, além de forte investimento em ferramentas de tecnologia (business intelligence) e sistemas automatizados". VIEIRA, Solange Paiva; LOURENÇO, Igor Lins da Rocha. As mudanças regulatórias dos seguros no Brasil. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-ago-19/seguros-contemporaneos-mudancas-regulatorias-seguros-brasil. Acesso em: 10.10.2021.

[3] VIEIRA, Solange Paiva; LOURENÇO, Igor Lins da Rocha. As mudanças regulatórias dos seguros no Brasil. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-ago-19/seguros-contemporaneos-mudancas-regulatorias-seguros-brasil. Acesso em: 10.10.2021.

[4] No artigo 4º da Resolução nº 382/2020, fala-se especificamente na necessidade de fornecimento de informações acerca do montante da remuneração recebida pela intermediação do contrato: Art. 4º “A relação entre o ente supervisionado e o intermediário não deve prejudicar o tratamento adequado do cliente (…). § 1º Antes da aquisição de produto de seguro, de capitalização ou de previdência complementar aberta, o intermediário deve disponibilizar formalmente ao cliente, no mínimo, informações sobre: (…) IV- o montante de sua remuneração pela intermediação do contrato, acompanhado dos respectivos valores de prêmio comercial ou contribuição do contrato a ser celebrado”. Tal Resolução foi alvo de objeção por meio de um Mandado de Segurança Coletivo impetrado pela FENACOR contra a SUSEP. Trata-se de mandado de segurança coletivo, distribuído sob o nº 5039233-46.2020.4.02.5101, que tramita na 10ª Vara Federal do Rio de Janeiro. A demanda questiona o aludido art. 4º, §1º, inciso IV e o art. 9º, parágrafo único, sob o argumento que as matérias reguladas pela norma estariam fora do escopo de competência normativa-executiva da SUSEP. Em decisão liminar, proferida em 01/07/2020, a Juíza Federal Substituta Andrea de Araújo Peixoto, da 10ª Vara Federal do Rio de Janeiro, determinou a suspensão, até ulterior decisão no processo, da eficácia do art. 4º, § 1º, IV e do art. 9º da Resolução CNSP nº 382/2020. Contra essa decisão, a SUSEP interpôs agravo de instrumento com pedido de atribuição de efeito suspensivo, distribuído em 03/07/2020, sob o nº 5007972-40.2020.4.02.0000/RJ, que tramita na 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, sob relatoria do Des. Ricardo Perlingeiro. Em decisão monocrática proferida no dia 15/07/2020, o Relator concedeu o efeito suspensivo ao agravo de instrumento. Essa decisão foi alvo de agravo interno da FENACOR. Posteriormente, em sessão ocorrida no dia 03/03/2021, a 5ª Turma Especializada, decidiu, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento da SUSEP e negar provimento ao agravo interno da FENACOR. A Resolução CNSP nº 382/2020, portanto, continua em pleno vigor em seu inteiro teor e, assim, persiste para os intermediários a obrigação prevista no art. 4º, § 1º, IV da Resolução CNSP nº 382/2020.

[5] "Cabe, portanto, à norma reguladora traduzir tecnicamente, com neutralidade política princípios constitucionais e legais que compõem a base da moldura regulatória (marco regulatório) para uma implementação eficiente com vistas ao atendimento das decisões políticas previamente tomadas pela sociedade por meio de seus representantes no Poder Legislativo". Souto, Marcos Juruena Villela. Função regulatória. Revista Diálogo Jurídico. n. 11. p. 4. Salvador. CAJ – Centro de Atualização Jurídica, fev. 2002.

[6] BUENO, Denise. Obrigada, Solange Vieira! O consumidor de seguros agradece. https://www.sonhoseguro.com.br/2021/10/obrigada-solange-vieira-o-consumidor-agradece/. Acesso em: 10.10.2021.

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    é doutor em Direito Civil pela Uerj, mestre em Ciências Jurídico-Civilísticas pela Universidade de Coimbra, pesquisador visitante do Instituto Max-Planck de Direito Comparado e Internacional Privado (Hamburgo, Alemanha), professor convidado da FGV Direito Rio, da FGV Conhecimento e da Escola de Negócios e Seguros, advogado e sócio do escritório Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados.

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