Opinião

O acordo extrajudicial e o desafio da liberdade de negociar

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11 de outubro de 2021, 6h05

O Direito do Trabalho, ao contrário de outras áreas jurídicas, não tem como objetivo tratar as partes de forma igualitária. Um dos principais critérios que norteiam o regramento trabalhista é o princípio da proteção, que tem como objetivo restabelecer o equilíbrio na relação entre empregado e empregador, por considerar o trabalhador parte hipossuficiente nessa relação.

A CLT regula as relações de trabalho desde 1943, exercendo papel fundamental na busca desse equilíbrio. O eterno desafio é manter atualizada a legislação que regula as relações de trabalho, no sentido de acompanhar a realidade de tais vínculos, tarefa árdua para os operadores do Direito, incontestavelmente.

No escopo dessas tentativas de conceder paridade entre a realidade e a legislação que regula os vínculos entre empresas e trabalhadores, ganha destaque a Lei nº 13.467/2017, a reforma trabalhista. Uma das inovações apresentadas foi um mecanismo de pacificação entre as partes, que facultou a empregadores e empregados celebrarem acordo extrajudicial, com potencial para diminuir consideravelmente o número de reclamações trabalhistas ajuizadas.

Os artigos 855-B a 855-E da CLT organizam o modo de celebração do acordo extrajudicial, definindo regras para o exercício desse direito. Para evitar simulações e vícios de vontade, a lei determina que as partes não poderão ser representadas por advogado comum. Os julgadores, com ampla experiência na análise rápida dos elementos contratuais para apresentação de propostas de acordo em audiência, não teriam dificuldade de identificar fraude. Na teoria, uma ideia excelente para diminuir o volume de ações judiciais que superlotam varas e tribunais. Na prática, uma considerável inversão de valores que se verifica com frequência cada vez maior.

Um dos atrativos do acordo extrajudicial é a possibilidade de quitação do contrato de trabalho. Contudo, verificam-se decisões que deixam de homologar o acordo extrajudicial (ou o fazem de forma parcial), ao argumento de que a medida demandaria cognição exauriente. Não se olvida que o mecanismo pode ser utilizado para burlar a legislação, como forma de obtenção de quitação integral do contato de trabalho mediante o pagamento de parcelas que não representam a satisfação integral correspondente.

Não se pode, todavia, aplicar a exceção como regra geral, o que acarreta que alguns tenham o direito de transacionar tolhido, em virtude de outros que tentam desvirtuar o instituto. A situação é agravada quando se justifica a negativa de homologação em argumentos como "política do tribunal" ou "orientação do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Disputas".

Para uma Justiça que tem a conciliação como fundamento e a proteção do trabalhador como meta, o desvirtuamento do acordo extrajudicial tem acontecido de dentro para fora. Não se pretende, com esse raciocínio, fazer crer que incumbe aos julgadores homologar acordos extrajudiciais aleatória e indistintamente. Pelo contrário: o que se espera dos juízes é que atentem para o equilíbrio entre os dados objetivos do contrato de trabalho e os valores negociados.

O juiz tem liberdade na condução do processo, podendo determinar juntada de documentos ou mesmo designar audiência para conferir se a vontade do empregado está sendo livremente posta na negociação que gerou o acordo extrajudicial. Não se pode, entretanto, negar a homologação de acordo extrajudicial por presunção de vício de consentimento, especialmente quando a parte hipossuficiente, devidamente representada por advogado por ela constituída, declara que está de acordo com a quitação integral do contrato de trabalho, confirmando estar ciente dos desdobramentos dessa decisão.

Façamos nossa parte na defesa do Direito do Trabalho, conforme a lição de Aristóteles, tratando igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade.

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