Opinião

Quando entram em vigor as partes vetadas de uma lei cujos vetos foram rejeitados?

Autor

  • Vladimir Aras

    é professor da UFBA e do IDP integrante do MPF mestre em Direito Público (UFPE) doutor em Direito (UniCeub) especialista MBA em Gestão Pública (FGV) e membro-fundador do Instituto de Direito e Inovação (ID-i).

10 de outubro de 2021, 19h52

Determinar o prazo de vigência de leis nem sempre é uma tarefa fácil. Muita gente ignora que a contagem do prazo não se faz pelo artigo 10 do Código Penal nem pelo artigo 798 do CPP. Há uma regra de contagem própria para determinar a vigência de leis: é a que está no parágrafo 1º do artigo 8º da Lei Complementar 95/1998.

Maiores dúvidas haverá quando estivermos diante de um diploma vetado em parte, cujos vetos tiverem sido rejeitados pelo Poder Legislativo.

Foi o que ocorreu com a Lei 13.964/2019, conhecida como "pacote anticrime". Publicada no Diário Oficial da União em 24 de dezembro de 2019, entrou em vigor em 23 de janeiro de 2020, após esgotado o prazo de vacatio legis, de 30 dias, nela estabelecido.

Na ocasião, o presidente da República apôs alguns vetos. No Código Penal, as objeções atingiram dispositivos sobre o homicídio qualificado pelo emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido, e a causa de aumento de pena nos crimes contra a honra. No Código de Processo Penal, os vetos alcançaram a audiência de custódia por videoconferência e a previsão de designação de defensor para servidores da segurança pública. Dispositivos semelhantes a este último também foi vetado no CPPM. Já na Lei de Execução Penal, o presidente havia rejeitado dispositivos sobre a identificação de perfis genéticos e sobre a reabilitação do condenado autor de falta grave e a progressão de regime. Na Lei de Interceptação Telefônica, haviam sido vetados parágrafos do artigo 8º-A daquela lei, na matéria de interceptação ambiental. Por fim, na Lei de Improbidade Administrativa, vetou-se o procedimento do acordo de não persecução cível (ANPC).

Em abril de 2021, todos estes vetos, salvo o último relativo à Lei 8.429/1992, foram derrubados pelo Congresso, o que levou o presidente da República a promulgar os dispositivos antes vetados. A publicação das partes novas da Lei 13.9642019 ocorreu no Diário Oficial da União, na edição de 30 de abril de 2021.

Três respostas possíveis
Pois bem. Quando essas normas penais e processuais penais passaram a valer? Pode-se divisar três respostas para esta questão:

a) a data de entrada em vigor das partes antes vetadas seria a mesma da própria lei que passaram a integrar;
b) a entrada em vigor seria a data da publicação das partes antes vetadas e agora validadas; ou
c) a vigência ocorreria após o escoamento do prazo da vacatio legis da própria lei alterada, mas contada a partir da publicação das partes antes vetadas.

De logo, excluamos a hipótese "a" do rol de opções. É uma solução incabível por uma razão muito simples. Sua adoção implicaria a retroatividade das partes antes vetadas, o que poderia gerar inconstitucionalidade notadamente no campo das leis penais, que são irretroativas, se mais gravosas ao agente. Ficamos, portanto, apenas com as opções "b" e "c".

A Lei Complementar 95/1995, que trata de legística, é silente quanto à vigência das partes antes vetadas de uma lei que já entrou em vigor no trecho não vetado.

Porém, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) traz algumas pistas. Seu artigo 1º determina que, "salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada".

As partes antes vetadas de uma lei podem ser tidas como lei nova. Note-se o que diz o §3º do art. 1º da LINDB: "Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação". Se para mera correção de uma lei publicada com erros, começa-se a contar de novo a vacatio, com mais razão teremos de fazê-lo quando se tratar da publicação de partes antes vetadas.

Por sua vez, o §4o do mesmo artigo, mais adequado, especifica que "as correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova". As partes antes vetadas podem ser entendidas como uma correção do texto legal. Seriam então "lei nova" para os fins de vigência, seguindo-se a regra do caput do artigo 1º (vacatio de 45 dias), se outro prazo não tiver sido estipulado.

A Lei Anticrime estabeleceu em seu artigo 20 que sua entrada em vigor ocorreria após decorridos 30 dias de sua publicação oficial. Contado este prazo na forma do §1º do artigo 8º da Lei Complementar 95/1998, chega-se ao dia 23 de janeiro de 2021.

Como vimos, as partes antes vetadas foram publicadas em 30 de abril de 2021. Sua vigência se dá a partir daí (hipótese "b"), ou é a partir daí que se conta a vacatio de 30 dias (hipótese "c")? A solução correta é a "c", em função do princípio da segurança jurídica, resultando de aplicação analógica dos §§3º e 4º do artigo 1º da LINDB.

Esta solução também é a que melhor se compatibiliza com o artigo 8º da Lei Complementar 95/1998, segundo o qual "a vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento".

Mas não é só. Em 1971, o Supremo Tribunal Federal decidiu que, em caso de veto parcial rejeitado pelo Legislativo, "a parte vetada e promulgada" entra em vigor "a partir de sua publicação, e não do momento da vigência da parte não alcançada pelo veto" (RE n. 68.316, relator o ministro Djaci Falcão, 1ª Turma, DJ 14.6.1971).

Este julgado foi lembrado pela ministra Cármen Lúcia na ADI 5914/DF, ao decidir quando entraram em vigor dispositivos da Lei 13.488/2017. A Corte entendeu que isso se deu em datas diversas: "a parte não vetada teve a promulgação em 6.10.2017, e a parte objeto de veto, que abrange o § 1º-A do artigo 23 da Lei nº 9.504/1997, cujo ato presidencial foi derrubado pelo Congresso, foi promulgada em 15.12.2017" (STF, ADI 5914/DF, rel. min. Cármen Lúcia, j. em 11/04/20219). Como ali se reconheceu, "a promulgação de parte de lei e o veto de outros dispositivos legais pode gerar o início da vigência de normas da mesma lei em datas diversas".

É fácil entender este fenômeno quando pensamos em leis vigentes que, no curso de suas vidas, sofrem emendas ou reformas por novas leis. Os dispositivos novos ou as regras cuja redação tenha sido alterada entram em vigor na data fixada pela nova lei, observado o prazo de vacatio legis, se houver.

No RE 706.103 RG / MG, decidido pelo STF em 2020, tratando dos vetos rejeitados, o relator, ministro Luiz Fux, explicitou que "a promulgação constitui uma necessária etapa final do processo legislativo desse segundo segmento do projeto de lei, momento a partir do qual se perfectibiliza a vigência e validade normativa do texto aprovado (respeitado eventual prazo de vacatio legis)". É de se notar esta ressalva final.

A resposta definitiva para a dúvida quanto ao prazo de vigência de partes de lei cujo veto foi rejeitado pelo Legislativo está no RE 85.950/RS, julgado pela 2ª Turma do STF em 1976, sob a relatoria do ministro Moreira Alves:

"Mandado de Segurança. Honorários de Advogado. Início da Vigência de Parte de Lei cujo Veto Foi Rejeitado. Segundo decisões recentes de ambas as turmas do STF (RE 81.481, de 8.8.75; RE 83.015, de 14.11.75; e RE 84.317, de 06.4.76), continua em vigor a Súmula 512. Quando há veto parcial, e a parte vetada vem a ser, por causa da rejeição dele, promulgada e publicada, ela se integra na lei que decorreu do projeto. Em virtude dessa integração, a entrada em vigor da parte vetada segue o mesmo critério estabelecido para a vigência da lei a que ela foi integrada, considerado, porém, o dia de publicação da parte vetada que passou a integrar a lei, e, não, o desta. Recurso extraordinário conhecido e provido, em parte.” (STF, RE 85.950/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 26/11/1976).

Vale então a opção "c", dentre aquelas acima mencionadas. Aplicada essa regra ao Pacote Anticrime, tem-se que os dispositivos que haviam sido vetados e que depois foram mantidos pelo Congresso — isto é, os artigos que alteraram o CP, o CPP, a LEP, o CPPM, e a Lei de Interceptação Telefônica — entraram em vigor em 30 de maio de 2021. Para chegar-se a esta data, conta-se o prazo de 30 dias de vacatio legis estipulado pelo art. 20 da Lei 13.964/2019, conforme o método de contagem do art. 8º, §1º, da Lei Complementar 95/1998. O início da contagem dá-se em 30 de abril de 2021, data da publicação desses dispositivos no Diário Oficial da União.

Conclusão
Já então podemos concluir que, em nome do princípio da segurança jurídica e com base no artigo 1º da LINDB e na jurisprudência do STF, as partes antes vetadas de uma lei cujos vetos venham a ser rejeitados pelo Poder Legislativo entram em vigor tão logo ocorra sua publicação no Diário Oficial, respeitado, em qualquer caso, o prazo de vacatio legis do diploma original.

Assim deve ser para as leis em geral, de qualquer dos entes da Federação, não apenas para a legislação criminal, de iniciativa da União.

Autores

  • é doutorando em Direito pelo UniCeub, mestre em Direito Público pela UFPE, professor assistente de Processo Penal pela UFBA e membro do Ministério Público Federal.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!