Agiotagem 2.0

HC pede anulação de operação da PF contra suposta rede de "agiotas do Pix"

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10 de outubro de 2021, 16h27

Os advogados Mathaus Ariel Oliveira Silva Agacci e Anderson Rodrigues de Almeida impetraram Habeas Corpus no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que pede a anulação de todos os atos processuais e provas obtidas por ação da Polícia Federal contra suposta quadrilha que atuava no ramo de agiotagem e extorsão no Rio de Janeiro, Ceará, Santa Catarina, Espírito Santo e Minas Gerais.

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Advogados sustentam que medidas cautelares probatórias em ação da PF contra agiotagem foram autorizadas por juízo incompetente em Habeas Corpus

Conforme as informações divulgadas pela PF, o grupo teria extorquido R$ 70 milhões das vítimas nos últimos quatro anos. Os acusados supostamente atuavam na cobrança de dívidas antigas de agiotas que muitas vezes sequer existiam. Eles usavam linhas telefônicas pré-ativadas e notebooks com um sistema para obter dados pessoais das vítimas, a fim de facilitar as cobranças, como por meio do Pix (meio de pagamento eletrônico instantâneo).

No HC, os advogados sustentam que as medidas cautelares autorizadas pela 1ª Vara Criminal da Comarca de Niterói são ilegais e produziram provas ilícitas.

O argumento da defesa é que desde seu início a investigação — apelidada de operação ábaco — versava sobre o crime de lavagem de dinheiro, o que atraía a competência da 1ª Vara Criminal Especializada do Rio de Janeiro.

O fato de as cautelares probatórias terem sido autorizadas pela 1ª Vara Criminal de Niterói violaria a Resolução TJ/OE/RJ nº 10/2019, que determina que é a 1ª Vara Criminal Especializada da capital que detém a competência para julgar os delitos relativos as atividades de organizações criminosas e lavagem e ocultação de bens.

"Na realidade, salta aos olhos que nem o Ministério Público, nem o juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Niterói, conheciam o teor da Resolução TJ/OE/RJ nº 10/2019. Trata-se de um erro crasso, manifesto, sem precedentes. Não há justificativa para tal erro, desconheciam uma resolução do próprio tribunal em que oficiam", diz trecho do HC.

Na fundamentação, os advogados ainda citam entendimento do Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC nº 69.601/SP, de relatoria do ministro Celso de Mello, que determina que o princípio do juiz natural traduz significativa conquista do processo penal liberal e representa importante garantia da imparcialidade dos juízes e tribunais.

"Em qualquer Estado que se pretenda verdadeiramente democrático, o sistema jurídico de persecução penal é pautado por rígidos padrões normativos, que não admitem qualquer desvio marcado por abuso de poder, sob pena de nulidade dos atos e ilicitude das provas. Aguardamos que o TJ-RJ, em fiel cumprimento a sua missão constitucional, reconheça as violações conjuradas no Habeas Corpus impetrado e garanta eficácia ao sistema jurídico de persecução penal", afirma Agacci à ConJur.

Pix, agiotagem e outros crimes

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Agiotas se utilizam das redes sociais para oferecer empréstimos via Pix
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Implementado em novembro de 2020, o Pix permite a transferência instantânea de valores entre contas bancárias via telefone celular. Além da praticidade, a ferramenta teve como efeito colateral o aumento de crimes como furtos de celulares, sequestros relâmpagos e golpes em geral em que as vítimas eram obrigadas a esvaziar suas contas por meio da ferramenta. Diante disso, o Banco Central estabeleceu o limite de R$ 1 mil para transferências noturnas.

Apesar disso, em setembro deste ano, o Procon de São Paulo pediu ao Banco Central a suspensão temporária do Pix até a adoção de novas medidas de segurança. O órgão de defesa do consumidor teme um aumento ainda maior dos crimes envolvendo a plataforma.

"Essa solução do Banco Central não vai ajudar em nada as vítimas. Limitar em mil reais a transferência noturna vai deixar a vítima em poder do sequestrador até o amanhecer", afirma Fenando Capez, diretor-executivo do órgão.

No espectro da agiotagem, o Pix já é usado de modo extensivo. Os chamados "agiotas Pix" tem se disseminado por meio de redes sociais como Facebook e Instagram.

Para a criminalista Clara Cid, do Bidino & Tórtima Advogados, há pelo menos três ordens de problema com a prática do empréstimo informal por meio do Pix. "A primeira, e a mais clara delas, é a de que essa prática pode constituir crime, caso haja cobrança de juros superiores à taxa permitida por lei, nos termos do artigo 4ª, 'a', da Lei de crimes contra a economia popular (Lei nº 1.521/1951)", explica.

A segunda decorre do meio pelo qual esses empréstimos são operacionalizados, uma vez que a informalidade e ausência de controle acerca dessas transações pode facilitar a prática do já mencionado crime de usura ou ainda do crime de receptação, caso haja origem ilícita desses valores.

O terceiro ponto seria a ausência de controle na concessão do crédito, que gera considerável risco de inadimplemento cujas cobranças são feitas de maneira informal ou até mesmo criminosa.

Sofia Coelho, advogada especialista em Direito Público e do Consumidor, e sócia de Daniel Gerber Advogados, lembra que a agiotagem, além de ser crime (com pena de reclusão prevista entre seis meses e dois anos), também não é um procedimento seguro, já que não se sabe a origem do dinheiro emprestado.

"Essa facilidade vem ao custo de uma série de imprevistos para os solicitantes, que já entram no negócio cientes da possibilidade de problema. E depois de lesados não possuem nenhuma saída, sem ter a quem recorrer, já que não estão angariados nem por contrato, muito menos pela lei", sustenta.

Mayra Maloffre Ribeiro Carrillo, sócia do Damiani Sociedade de Advogados, criminalista especializada em Direito Penal Econômico e Europeu, reforça que agiotagem é crime e "flerta com um leque de delitos".

Segundo a advogada, o artigo 7º da Lei nº. 7.492/86 é claro ao definir como crime o ato de emitir, oferecer ou negociar, de qualquer modo, títulos ou valores mobiliários sem autorização prévia do órgão competente, o Banco Central do Brasil. Ela também cita a usura pecuniária ou real, que se insere nos termos do artigo 4º da Lei 1.521/51, que descreve a conduta delituosa como sendo o ato de cobrar juros, e outros tipos de taxas ou descontos, superiores aos limites legais, ou realizar contrato abusando da situação de necessidade da outra parte para obter lucro excessivo.

Por fim, Daniel Bialski, mestre em Processo Penal pela PUC-SP e sócio de Bialski Advogados, entende que o Brasil está despreparado para a tecnologia do Pix, por conta das deficiências de segurança que o sistema apresenta, resultando em furtos, estelionatos e sequestros. Ele é favorável à suspensão temporária do serviço.

"Há casos registrados na polícia em que as pessoas são sequestradas, obrigadas a fazerem operações com o Pix à noite e permanecem em cativeiro para que no outro dia de manhã repitam a operação em um valor maior. Ou seja, é preciso aperfeiçoar esse sistema de segurança. O Pix pode ser muito rápido e célere na transferência bancária, mas é uma porta para a criminalidade. Portanto, enquanto não houver uma legislação rigorosa a respeito destas operações, dando inclusive um prazo de concretização — o que diminuiria a incidência desses crimes -—, acredito que esta modalidade deve ser até suspensa temporariamente pelo Banco Central", diz.

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